LIXO NA PANDEMIA

Pandemia leva o Distrito Federal a produzir mais resíduo hospitalar

Na terceira reportagem da série Lixo na pandemia, o Correio aborda a responsabilidade das unidades de saúde e dos cidadãos para o descarte de itens infectantes ou medicamentos

Jéssica Eufrásio
Adriana Bernardes
postado em 01/10/2020 06:00 / atualizado em 01/10/2020 11:32
 (crédito: Ana Rayssa/CB/ DA Press)
(crédito: Ana Rayssa/CB/ DA Press)

Se o manejo do lixo hospitalar é perigoso por si só, a pandemia tem tornado a gestão dentro e fora das unidades de saúde ainda mais complexa. Enquanto a produção de resíduos caiu nos comércios do Distrito Federal durante o período em que estavam fechados, as unidades de saúde descartaram mais materiais, em função das medidas extras de segurança para evitar a contaminação de pacientes e funcionários. No primeiro semestre de 2020, o DF produziu 1,385 mil toneladas de resíduos hospitalares só na rede pública, a maior quantidade dos últimos cinco anos. Comparado ao mesmo período de 2019, esse aumento chegou a 11%.

lixo
lixo (foto: editoria de ilustração)

Na terceira reportagem da série Lixo na pandemia, o Correio aborda a responsabilidade das unidades de saúde e dos cidadãos para o descarte de itens infectantes ou medicamentos, além dos perigos da contaminação para quem faz o manejo e para o meio ambiente.

Um levantamento divulgado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) em junho revelou que uma pessoa internada para tratamento contra a covid-19 gera, em média, 7,5kg de lixo hospitalar por dia. O padrão são 2kg. Só no primeiro semestre, nas unidades de atendimento da rede pública do DF, o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) coletou, transportou, tratou e deu destinação final para cerca de 230 toneladas desses resíduos por mês. A quantidade é equivalente ao peso de, aproximadamente, 150 carros populares. Na rede particular, o manejo deve ficar sob cuidado de empresas contratadas.

O desafio de descartar corretamente resíduos da saúde não se limita às clínicas e hospitais. Especialmente com a pandemia, aumentou a quantidade de itens como máscaras e luvas contaminadas jogadas no lixo doméstico. E não só isso. Em boa parte dos lares, remédios vencidos e sobras de medicamentos vão parar na lixeira comum ou no vaso sanitário, porque as pessoas não sabem como dar a destinação correta a eles. Esse hábito ameaça lençóis freáticos, rios, solos, animais e a vida de quem coleta lixo.

A promotora de Justiça Berenice Scherer descobriu, no começo do ano, como fazer o descarte seguro dos medicamentos vencidos. Não se sentia à vontade para jogar no lixo. “Juntei uma sacola enorme e perguntei a uma médica que mora no meu prédio como dar a destinação correta. Foi aí que descobri os pontos de coleta em farmácias”, relata. Para Berenice, as pessoas ainda têm muitas dúvidas sobre o que fazer com o próprio lixo, e isso poderia ser resolvido com a divulgação de mais informações sobre o tema.

Ineficácia

Remédios fazem parte da política de logística reversa e devem ser devolvidos em farmácias ou unidades de saúde. Empresas especializadas farão a coleta e levarão o material para incineração. Morador da zona rural do Paranoá, Christian Della Giustina, 45, faz uso contínuo de um medicamento injetável. O tratamento resulta no descarte de uma seringa a cada 10 dias e de uma agulha diariamente. Mesmo a 20km da drogaria mais próxima, o geólogo junta todo esse material para entregar no estabelecimento. Com experiência acadêmica na área ambiental, ele considera que a população tem pouca informação sobre o tema. “Esse descarte pode levar hormônios para a estação de esgoto ou outros componentes que os tratamentos convencionais de efluentes não tiram. Isso tudo pode ir para o Lago Paranoá, onde há captação de água para consumo da população. Às vezes, as pessoas não têm consciência e acham que, só de botar o lixo para fora, ele não é mais responsabilidade delas”, diz.

A pandemia também aumentou os riscos para funcionários do departamento de limpeza. Eles viram-se obrigados a adotar hábitos mais rigorosos para se proteger do contágio com infectantes descartados nos hospitais e clínicas. Supervisora da equipe de higienização que atua em um hospital público de Brasília, Mariza de Fátima Vilaça, 53, relata que o trabalho é desafiador.

O número de funcionários aumentou e os profissionais receberam treinamento para lidar com resíduos de pacientes com covid-19. Mesmo assim, o medo da contaminação é constante. “O recolhimento aumentou. Na hora que em que o paciente faz um curativo ou bebe água, o lixo tem de que ser recolhido. Na parte da manhã, entre 7h e 12h, o lixo de um mesmo quarto é trocado de quatro a seis vezes”, conta Mariza.

A reportagem do Correio procurou o Sindicato Brasiliense de Hospitais Casas de Saúde e Clínicas (SBH) para compreender os desafios do setor diante da realidade imposta pela pandemia de coronavírus. Em nota, a entidade informou que as unidades privadas do DF seguem o que determina a lei e têm serviços terceirizados com várias empresas para “coleta, transporte e destinação final para tratamento de resíduos infectantes e comum”. O Sindicato dos Empregados em Empresas de Asseio, Conservação, Trabalho Temporário, Prestação e Serviços Terceirizáveis no Distrito Federal (Sindiserviços) afirmou que faz fiscalização sindical constante, “preocupado com a saúde da categoria e as obrigações trabalhistas dos empregadores e instituições tomadoras dos serviços”.

Fiscalização

Na contramão do observado no restante do planeta, a Abrelpe verificou queda na produção de lixo hospitalar no Brasil entre março e maio. As possíveis justificativas preocupam, pela chance de o material ter ido direto para aterros sanitários. Diretor-presidente da associação, Carlos Silva Filho afirma que são comuns os relatos de funcionários de empresas da área de limpeza urbana que encontram lixo hospitalar descartado como resíduo comum. “Recomendamos o uso de equipamentos de proteção adequados, completos e que o resíduo infectante não seja manuseado, que os profissionais (dos hospitais) não tenham contato com ele. Os sacos devem estar devidamente fechados, com nó duplo, e colocados para coleta específica de tratamento de lixo hospitalar”, destaca Carlos Silva.

Separação e destinação correta de resíduos faz parte da educação recebida na infância, conta a psicóloga Clarissa Motta
Separação e destinação correta de resíduos faz parte da educação recebida na infância, conta a psicóloga Clarissa Motta (foto: Arquivo Pessoal/Cedida ao correio)

A fiscalização do descarte em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) cabe ao SLU. À Vigilância Sanitária cabe a vistoria de todos os estabelecimentos de saúde. Nas residências, a responsabilidade é do próprio morador, e os resíduos hospitalares domiciliares podem ser levados a uma unidade de saúde.

Pesquisador e coordenador da Rede de Informação e Pesquisa em Resíduos (Riper), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Antonio Oscar Vieira acredita que o momento trouxe uma atenção maior ao descarte de produtos infectantes. Ele avalia que a gestão do lixo no país é “ambientalmente degradante, economicamente burra e socialmente excludente”. “A sociedade tinha problemas muito graves que a pandemia ressaltou. De uma maneira geral, temos uma política de resíduos muito ruim, para não dizer desastrosa. Tanto que os níveis reciclagem no Brasil são baixíssimos”, avalia.

A psicóloga Clarissa Motta é movida pela convicção de que precisa fazer a parte dela. Não abre mão da separação dos resíduos em casa, lição aprendida na infância e repassada para as filhas. “Meus pais sempre me ensinaram a separar lixo orgânico dos outros. Morávamos em casa, tínhamos horta, o lixo orgânico virava adubo”, conta. Há seis anos, ela descobriu o jeito certo de destinar medicamentos vencidos ou as sobras de tratamentos concluídos. Desde então, junta tudo e deixa na farmácia. “Dá trabalho? Dá. Tem de se organizar? Tem. Mas vale a pena se cada um fizer a sua parte. Penso muito na questão do meio ambiente. E, agora, com a pandemia, é tanto descarte de luva, máscara. Tenho filhos, quero ter netos, quero um futuro melhor para eles”, finaliza.

  • Separação e destinação correta de resíduos faz parte da educação recebida na infância, conta a psicóloga Clarissa Motta
    Separação e destinação correta de resíduos faz parte da educação recebida na infância, conta a psicóloga Clarissa Motta Arquivo Pessoal/Cedida ao correio
  • Especial Lixo na pandemia. Descarte de lixo hospitalar. Christian Della Giustina, entrega os remedios na farmacia, como deve ser.
    Especial Lixo na pandemia. Descarte de lixo hospitalar. Christian Della Giustina, entrega os remedios na farmacia, como deve ser. Ana Rayssa/CB/D.A. Press
  • Especial Lixo na pandemia. Descarte de lixo hospitalar. Christian Della Giustina, entrega os remedios na farmacia, como deve ser.
    Especial Lixo na pandemia. Descarte de lixo hospitalar. Christian Della Giustina, entrega os remedios na farmacia, como deve ser. Ana Rayssa/CB/D.A. Press

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