Violência

Lei contra stalking coloca perseguidores na mira da polícia no DF

Ação da PCDF visa reprimir a ocorrência de crimes de perseguição. O stalking acontece quando uma pessoa importuna constantemente outra, ameaçando-a física e psicologicamente. Chegando ao ponto de cercear a liberdade e a privacidade da vítima

Rafaela Martins e Darcianne Diogo
postado em 26/06/2021 06:00 / atualizado em 26/06/2021 06:50
 (crédito: Editoria de Arte/CB)
(crédito: Editoria de Arte/CB)

A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), por meio do sistema Polaris, realizou um levantamento das ocorrências de crime de perseguição e desse crime conjugado com a Lei Maria da Penha. Entre 9 de março e 26 de maio, houve 297 registros — 151 no âmbito da violência doméstica. A Lei do stalking entrou em vigor em 31 de março de 2021, e isso fez a média geral de denúncias sair de uma por dia, no fim do primeiro trimestre, para uma média de cinco casos diários, a partir de abril.

A Polícia Civil implementou a Operação Perseguidores, com o objetivo de proteger o cidadão da importunação física ou virtual, no início de junho. No final da tarde dessa sexta-feira (25/06), agentes da 38ª Delegacia de Polícia (Vicente Pires) deflagraram uma nova fase da operação, que resultou na prisão de um homem, de 44 anos, acusado de perseguir e ameaçar a ex-companheira. A ação contou com o apoio da 15ª DP (Ceilândia Centro).

O casal se separou em fevereiro, após cinco anos de relacionamento. Em depoimento, a mulher contou que o ex-marido não se conformava com o fim do casamento e passou a perturbá-la, enviando e-mails, mensagens de texto e tocando a campainha do apartamento de forma insistente. “Para obrigá-la a conversar com ele, o autor passou a ameaçar a vítima, dizendo que divulgaria vídeos íntimos do casal nas redes sociais”, detalha o delegado-chefe da 38ª DP, João Ataliba Neto.

Os policiais constataram que a mulher tinha medidas protetivas de urgência contra o ex, que haviam sido decretadas pela Justiça em uma outra situação. “Ele (autor) estava se ocultando do oficial de Justiça para não ser intimado desta decisão, para continuar mantendo contato com ela sem que pudesse ser preso pelo descumprimento”, completa o delegado.

Diante dos fatos, a polícia solicitou a prisão preventiva do homem, que foi deferida em 31 de maio pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Águas Claras. A equipe chegou ao paradeiro do suspeito após constatar que ele havia sido vítima de um roubo em Ceilândia.

O homem foi detido. Em interrogatório, ele negou ter praticado o crime. “No celular do autor, foram encontradas provas de que ele é obcecado pela ex-mulher, existindo álbuns contendo fotografias exclusivas da vítima e fotografias do casal. Encontramos, ainda, os e-mails que ele encaminhava de forma insistente para a vítima, como forma de manter contato com a mesma”, finalizou Ataliba. Detido, o ex-marido pode pegar até três anos de prisão.

  • Dados sobre casos de stalking associados à Lei Maria da Penha, no Distrito Federal
    Editoria de Arte/CB
  • Lei busca coibir crimes graves, como o feminicídio de Fernanda Landim
    Lei busca coibir crimes graves, como o feminicídio de Fernanda Landim Reprodução

Rotina de agressões

Em 8 de junho, quando a Operação Perseguidores foi deflagrada, policiais da 38ª DP prenderam em flagrante um homem de 43 anos também pelo crime de stalking contra a namorada, uma mulher de 44 anos, moradora de Vicente Pires. O delegado-chefe da 38ª DP, João Ataliba Neto, afirmou que o homem foi encontrado na região do Núcleo Bandeirante, devido à tornozeleira eletrônica que utilizava.

O suspeito possui uma longa ficha criminal, com passagens por estupro de vulnerável e violência doméstica. A vítima relatou que, desde o primeiro mês de namoro, que já durava há um ano e meio, sofreu com atos de violência física, psicológica, patrimonial e moral.

Ela afirmou que foi agredida fisicamente pelo homem em quatro oportunidades. O namorado exigia que ela lhe telefonasse várias vezes por dia para informar a sua rotina, companhias e vestimentas. Em todos os ataques, ele a segurou pelos cabelos e a jogou no chão. A primeira agressão física ocorreu no quinto mês de namoro. Após a segunda, na véspera de seu aniversário, no sétimo mês de namoro, ela decidiu terminar o relacionamento, dada a agressividade, o ciúme e a possessividade.

Após insistências e promessas do homem de que procuraria tratamento para lidar com as crises, a mulher decidiu reatar o namoro. Mas nada mudou. De acordo com o delegado que acompanha o caso, a vítima contou que o namorado teria instalado um rastreador em seu carro para monitorá-la, além de intensificar, nos últimos meses de namoro, as agressões físicas e psicológicas, com mordidas e tapas no rosto, tentativa de enforcamento e ameaças com golpes de faca. A quarta e última agressão ocorreu em 6 de junho, quando ele ficou irritado pelo fato de a moça ter feito um churrasco, na noite de sábado, com o irmão, a cunhada e um casal de amigos.

No final da tarde do dia seguinte, a vítima relatou o que sofria para familiares, que até então não sabiam de nada. Eles convenceram a moça a registrar ocorrência policial e requerer medidas protetivas de urgência. Quando tomou conhecimento da denúncia, em menos de uma hora, o homem telefonou 14 vezes para a vítima e enviou diversas mensagens de texto e áudio, com a intenção de convencê-la a não proceder criminalmente contra ele.

A vítima comprovou por meio de mensagens de texto, áudios e ligações os atos de violência relatados. O homem foi preso e está sujeito a uma pena que pode chegar aos 3 anos de prisão. Ele ainda responderá pelos delitos de ameaça, estelionato, injúria e vias de fato praticadas. Somadas, as penas podem alcançar os 7 anos.

O diretor do Colégio Notarial do Brasil, Andrey Guimarães, explica como a Lei Nº 14.132 criminaliza a perseguição. A definição foi acrescentada ao Decreto-Lei nº 2.848, de 1940 (Código Penal) pelo Art.147-A. A pena para esse crime é de reclusão de seis meses a dois anos e multa. Algumas práticas podem aumentar a pena, como o crime ser cometido contra crianças, adolescentes ou idosos, contra mulheres por razão de gênero ou mediante concurso de duas ou mais pessoas ou o emprego de arma.

O diretor Andrey Guimarães ressalta como a Ata Notarial, feita em Cartórios de Notas, serve como prova da ocorrência de um fato como o relatado no começo da semana. “Como muitas mensagens, vídeos, áudios ou conteúdos digitais podem ser alterados, editados ou excluídos, a Ata Notarial garante que tais conteúdos sejam guardados com segurança e inalterados, para que sirvam como prova em um futuro processo judicial, já que o documento conta com a fé pública do notário. Assim, a vítima consegue, caso sinta que seu caso se enquadre como stalking, garantir que as evidências sejam preservadas para futuro ingresso de um processo judicial”, destaca.

Criação

Para Jessica Marques, advogada e especialista em direito penal, a tipificação criminal da conduta de perseguição com o endurecimento da pena foi realizada com o intuito de se evitar a ocorrência de crimes mais graves como estupro, homicídio, feminicídio, dentre outros. Isso porque a conduta era enquadrada na contravenção penal de perturbação da tranquilidade, situação em que o autor do delito sequer respondia ao processo por ser beneficiado, na maioria das vezes, por alguma medida despenalizadora.

Em 2021, foram registradas no Distrito Federal 23 tentativas de feminicídio entre janeiro e abril. Em 72 horas, duas mulheres foram mortas por motivo de gênero. Fernanda Landim, 33 anos, foi esfaqueada pelo companheiro Angelo Gabryel, 28, após uma discussão, em 8 de junho. Os dois moravam juntos e tinham uma filha de 2 anos. Leidenaura Moreira, 37, foi morta a facadas pelo namorado Valdemir Pereira, em 6 de junho. O casal tinha um filho.

O especialista em segurança pública Leonardo Sant’Anna esclarece que a medida é um avanço importante para a legislação do país. “Passamos a compreender que qualquer pessoa pode ser incomodada, e, aí, não falamos apenas de mulheres, em que pese saibamos que sejam as mais prejudicadas e perseguidas”, alerta.

Sant’Anna reconhece que a nova lei é capaz de amenizar o incômodo das pessoas que são perseguidas, não só de forma física, como era previsto anteriormente no código penal, mas com o uso de meios comunicacionais, como câmeras, telefones ou aplicativos de mensagens. “Temos a novidade de uma pena aumentada, em que a importunação tem que acontecer com frequência, sendo necessário que o ofendido que se sinta incomodado, denuncie às autoridades para que o crime seja caracterizado”, avisa o especialista.

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O que é o stalking?

Segundo a Lei nº 14.132, o stalking é o ato de perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

Procure ajuda

Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência — Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República.
Telefone: 180 (disque-denúncia)

Centro de Atendimento à Mulher (Ceam) De segunda a sexta-feira, das 8h às 18h
Locais: 102 Sul (Estação do Metrô), Ceilândia, Planaltina

Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam)
Entrequadra 204/205 Sul — Asa Sul (61) 3207-6172

Ministério dos Direitos Humanos
Disque 100

Programa de Prevenção à Violência Doméstica (Provid) da Polícia Militar
Telefones: (61) 3910-1349 / (61) 3910-1350