Quando ficou em isolamento por 21 dias em decorrência do contágio pelo novo coronavírus, Paulo Tadeu, que passou a ocupar a presidência do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) em plena pandemia, viveu um período difícil e de grandes incertezas. Afetado pelas perdas de pessoas próximas, pelo isolamento social e pela angústia de receber pedidos de ajuda por um leito de UTI, ele revela que ficou emocionalmente abalado.
Afeito às contas, não deixa de fazer as suas: “Estamos vendo o estrago que a visão negacionista de um dirigente é capaz de causar e como a população brasileira está pagando caro, em vários sentidos, pela escolha feita nas últimas eleições”. E complementa: “Quantas mortes poderiam ter sido evitadas se o governo federal tivesse feito a sua parte nas medidas de combate ao vírus e na compra de vacinas?” Relembra que, enquanto vários países começam a liberar as pessoas do uso de máscara, “nós amargamos a perda de mais de 530 mil vidas e ainda continuamos contando um grande número de mortos todos os dias”.
Se há pouco a fazer na política neste momento, há muito trabalho possível para evitar a sangria dos cofres públicos na pandemia. O TCDF tem fiscalizado e atuado na correção de rumos do GDF quando se trata das contas públicas.
Hoje, já são 111 processos autuados no TCDF sobre aquisições e contratações do GDF feitas em função da pandemia. Do total de R$ 1,2 bilhão gasto pelo governo no enfrentamento à covid-19, 85% estão sob a fiscalização do Tribunal. “Em fevereiro, lançamos o painel Fiscaliza Covid, onde estão disponíveis dados sobre todas essas fiscalizações, para que a população acompanhe nosso trabalho e saiba o que o Tribunal tem feito”, explica o presidente do TCDF nesta entrevista ao Correio.
Como legado da pandemia, Paulo Tadeu acredita que ficará, além da necessidade de perceber a força do coletivo como um valor humanitário, uma lição fundamental: “Quando essa crise sanitária passar, teremos avançado no controle social, na conscientização em relação à necessidade de se fazer uma boa escolha dos governantes e na exigência pela boa governança de recursos públicos”.
Quais ações efetivas adotadas pelo TCDF contribuem para redução doimpacto da crise sanitária no DF?
O Tribunal de Contas do DF tem atuado para que o interesse público seja garantido durante a pandemia, ao fiscalizar se os recursos destinados ao enfrentamento da covid-19 estão sendo bem empregados no Distrito Federal e ao exigir transparência e qualidade nos serviços de saúde prestados à população. Hoje, já são 111 processos autuados no TCDF sobre aquisições e contratações do GDF feitas em função da pandemia. Do total de R$ 1,2 bilhão gasto pelo governo no enfrentamento à covid-19, 85% estão sob a fiscalização do Tribunal. Em fevereiro, lançamos o painel Fiscaliza Covid, onde estão disponíveis dados sobre todas essas fiscalizações, para que a população acompanhe nosso trabalho e saiba o que o Tribunal tem feito. Nós temos reforçado bastante a atuação preventiva e concomitante do Tribunal não só nesses processos, como em outras contratações do GDF. O objetivo é identificar eventuais falhas ou irregularidades antes que elas cheguem a causar prejuízo para os cofres públicos e para o serviço prestado à população.
O senhor tomou posse na presidência há sete meses, no auge da pandemia, como o Tribunal se adaptou para atender as necessidades da população?
O TCDF traçou um plano de ação específico para orientar a fiscalização das despesas realizadas pelo Governo do DF para o enfrentamento do novo coronavírus. O Tribunal priorizou a análise e o julgamento dos processos que tratam do combate à covid-19, incluiu a fiscalização dos recursos destinados ao combate à pandemia na análise das Contas do Governo, e tem estimulado o controle social ao desenvolver ferramentas inovadoras de fiscalização dos gastos relacionados à crise sanitária. O Fiscaliza Covid é uma dessas ferramentas. A outra é o módulo de acompanhamento da vacinação, que traz as estatísticas da imunização contra o novo coronavírus no Distrito Federal, tais como a quantidade de pessoas vacinadas, a origem do paciente e a marca da vacina utilizada.
O senhor aguarda a data da segunda dose da vacina, acha que a vacinação por aqui está lenta em relação a outras regiões?
Se analisarmos os trabalhos iniciais da CPI da Covid, perceberemos que houve demora para se iniciar a vacinação, bem como lentidão nas estratégias de imunização de modo geral. Creio que há um esforço do Governo do Distrito Federal e dos profissionais da rede pública de saúde para aplicar as doses de vacina necessárias para a imunização de toda a população do DF assim que elas chegam. O ideal seria que tivéssemos, desde o início, uma estratégia nacional de vacinação, mas não é a realidade e, nesse cenário, cada estado e município teve que fazer seu próprio planejamento. Então, o ritmo da vacinação aqui segue o que o GDF estabeleceu como estratégia. É natural que haja divergências em relação ao planejamento de outras unidades da federação. O Tribunal tem acompanhado atentamente a execução do plano distrital de imunização contra a covid-19.
Os recursos destinados ao enfrentamento da pandemia estão sendo aplicados devidamente e de forma transparente pelos gestores públicos?
Recentemente, o TCDF concluiu uma auditoria que avaliou a gestão de recursos destinados ao enfrentamento da pandemia e a transparência dos dados orçamentários. Essa auditoria apontou, por exemplo, que a forma como o GDF apresentava à população os dados sobre as despesas relacionadas à pandemia era confusa e dificultava o acompanhamento. Para se ter ideia, esses números estavam sendo apresentados de três maneiras distintas: por órgão, por item ou por auxílio da União. E os valores totais nas três modalidades não eram equivalentes, o que prejudicava o entendimento pelo cidadão. Após o TCDF apontar o problema, o GDF realizou ajustes no Portal da Covid melhorando a acessibilidade das informações prestadas à população.
Aliados do presidente Bolsonaro insistem muito em investigação dos recursos federais nos estados. O senhor considera necessário?
Creio que todos os recursos voltados para o combate à pandemia, sejam federais ou não, devam ser objeto de um olhar atento dos órgãos de controle, especialmente por conta da situação atípica de emergência e por causa da flexibilização de regras e normas relacionadas aos gastos públicos. O TCDF tem analisado não só o emprego de recursos distritais no enfrentamento da covid-19, mas também as despesas realizadas, aqui, com valores provenientes da União.
Como ficam as grandes questões de Brasília e do Brasil no pós-pandemia?
A pandemia demonstrou claramente a importância do Sistema Único de Saúde público e gratuito e a necessidade de seu fortalecimento. Também deixou a população mais atenta aos gastos e à qualidade da gestão pública. Acredito que, quando essa crise sanitária passar, teremos avançado no controle social, na conscientização em relação à necessidade de se fazer uma boa escolha dos governantes e na exigência pela boa governança de recursos públicos.
Que ensinamento este momento nos deixa?
Que uma andorinha só não faz verão. E que o exemplo arrasta. Aprendemos que é fundamental a união de governos, profissionais de saúde, cientistas e sociedade para superarmos uma crise de tamanha proporção como é a pandemia da covid-19. Então, a lição que fica é essa: quando cada um cumpre seu papel, seja ele grande ou pequeno, podemos salvar vidas.
É possível ter um olhar poético desse momento difícil? Como faz para aliviar a tensão?
Apesar de nos afastar fisicamente, a pandemia uniu muitos de nós num esforço coletivo pela proteção e segurança não apenas de nós mesmos, mas de todos. Eu tenho buscado, na condição de presidente do TCDF, contribuir para que essa corrente de cuidado se fortaleça, especialmente estimulando o controle social. Nós precisamos municiar a população com informações corretas, de qualidade e acessíveis para que todos possamos juntos contribuir para a superação desse momento tão difícil. E na vida, em geral, também temos que procurar maneiras saudáveis de lidar com o cenário que estamos vivendo. Tão importante quanto manter os cuidados contra o vírus é também cuidar da saúde mental, não perder a capacidade de perceber as coisas boas, de fazer o bem e de manter a esperança de dias melhores.
Neste momento político tão efervescente não sente saudades dos tempos de Câmara Federal e Legislativa? Depois de dois mandatos como deputado distrital e um na Câmara Federal, o senhor não cogita disputar mais eleições?
No Tribunal de Contas do Distrito Federal, tenho a alegria de trabalhar em prol da população sob um prisma diferente. Por meio da fiscalização dos gastos distritais, tenho a oportunidade de contribuir para melhorar a forma como os recursos públicos são gerenciados e utilizados e, ainda que indiretamente, posso colaborar para que as políticas públicas cheguem na ponta e a entrega de serviços públicos tenha a qualidade e a celeridade que a população do DF tanto precisa. Respeito muito o trabalho legislativo porque sei da importância dele para a sociedade, não por sentir saudade, mas pela sua representatividade social. Cada fase da minha vida profissional foi importante e fundamental para que hoje eu possa me concentrar nessa atividade, no Tribunal de Contas.
Não faltou nessa crise sanitária uma coordenação nacional das ações de governo? E a quem caberia fazer isso?
Em países de primeiro mundo, essa coordenação ficou a cargo do chefe máximo do Estado. Aqui não tivemos essa coordenação. Ao contrário, temos um dirigente que minimiza a gravidade do cenário, que não valoriza as medidas de prevenção e que atrasou a vacinação. Para que essa coordenação nacional pudesse ocorrer no Brasil, seria necessário diálogo, além de respeito à ciência, à população e aos entes envolvidos. Ademais, é preciso uma boa simbiose entre União, Estados e Municípios.
A importância da união em torno de um projeto suprapartidário para mitigar os efeitos da pandemia nos próximos anos é possível?
Sim, é possível, dentro de um ambiente democrático, capaz de fomentar esse diálogo suprapartidário em torno dos interesses do povo brasileiro. Em momentos de crise sem precedentes como esta, é preciso articulação para criar mecanismos de boa governança; trazer celeridade às decisões; agilizar a aquisição de insumos; e prevenir a corrupção, sem criar uma burocracia desnecessária que atrapalhe a garantia do interesse público. Para que isso ocorra, é preciso colocar os interesses da população acima dos interesses políticos e pessoais.
Sua rotina mudou muito neste ano de pandemia?
Sim, mudou muito. Tanto no aspecto profissional quanto pessoal: o isolamento social, as perdas de pessoas próximas, todo o cenário dessa crise sanitária, o uso da máscara… Tudo isso afetou a minha rotina. E isso faz refletir sobre a vida, de maneira ampla…
Todo brasileiro tem uma experiência pessoal com a covid. Pode mencionar alguma?
Quando fui infectado, em 2020, me submeti a total isolamento por 21 dias. Durante esse período tive momentos difíceis e de incerteza. O isolamento social efetivo não é fácil e as particularidades dessa doença causam insegurança. Minha experiência não envolve apenas a fase em que estive doente, posso mencionar também o quanto me afetaram as perdas e as sequelas de pessoas próximas, além da fase difícil em que não havia vagas nas UTIs e as pessoas pediam ajuda. Tudo isso me abalou emocionalmente. Além disso, vale destacar outro ponto que foi o momento em que recebi a primeira dose da vacina, situação em que simbolicamente me enchi de esperança e alegria diante da pandemia.
Como vê a perda de tantos brasileiros na pandemia? Os governos deveriam ter sido mais céleres nas decisões?
Estamos vendo o estrago que a visão negacionista de um dirigente é capaz de causar e como a população brasileira está pagando caro, em vários sentidos, pela escolha feita nas últimas eleições. Quantas mortes poderiam ter sido evitadas se o governo federal tivesse feito a sua parte nas medidas de combate ao vírus e na compra de vacinas? A essa altura, a maioria da população do Brasil já deveria estar imunizada e muitas famílias teriam sido poupadas de perdas inestimáveis, mas ainda temos a maior parte dos brasileiros vulneráveis à doença. Não se trata apenas de falta de celeridade, no caso do governo federal, mas de uma visão de mundo e de uma atuação, me parece, deliberada no sentido contrário a tudo o que foi feito em outros países, contrária à ciência, contrária ao bom senso. Por isso, hoje, enquanto vários países começam a liberar as pessoas do uso de máscara, nós amargamos a perda de mais de 530 mil vidas e ainda continuamos contando um grande número de mortos todos os dias.
Como a pandemia pode reforçar os valores humanistas da sociedade?
Eu creio que situações extremas, como esta que vivemos há tantos meses, com todas as perdas e consequências negativas, trazem em si a oportunidade de percebermos coletivamente que o respeito, a justiça, a honestidade, a solidariedade, o diálogo, a cooperação e a união são valores fundamentais para sair de qualquer crise. Não há futuro possível para a humanidade sem isso.
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