POLÊMICA

Após debate, grupo organiza projeto para revogar lei que cria Museu da Bíblia

Audiência pública promovida pelo Conselho Regional de Cultura do Plano Piloto junto à Câmara Legislativa colocou em discussão detalhes sobre a proposta. Favoráveis apostam em turismo religioso, enquanto contrários mencionam laicidade do Estado

Pedro Marra
postado em 12/08/2021 23:41 / atualizado em 12/08/2021 23:42
 (crédito: Instituto Oscar Niemeyer/Divulgaçao)
(crédito: Instituto Oscar Niemeyer/Divulgaçao)

Em audiência pública virtual, nesta quinta-feira (12/8), para discutir o patrimônio cultural de Brasília e a gestão de espaços comuns, participantes contrários à abertura do Museu da Bíblia anunciaram que vão protocolar um projeto de lei para revogar uma norma de 1995 que trata da criação do espaço. A proposta conta com apoio de deputados distritais e representantes de organizações civis. Grupo também planeja recorrer à Justiça para barrar a construção.

A reunião, promovida pelo Conselho Regional de Cultura do Plano Piloto junto à Câmara Legislativa, começou às 19h. Parlamentares contrários à criação do museu contestam a proposta devido à falta de diálogo com setor cultural e por considerarem que ela coloca em dúvida o Estado laico.

"Percebemos uma série de ilegalidades nesse processo. A decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça, que liberou a retomada das obras do espaço) foi em relação a uma perspectiva judicial abordada. Mas podemos abordar outras perspectivas, do ponto de vista jurídico, e nossa equipe analisa quais são possíveis", afirmou o deputado Fábio Felix (Psol).

A seleção de projetos arquitetônicos foi anunciada em março, mas interrompida pela Justiça. Em 17 de maio, houve retificação do edital e atualização do cronograma para o Concurso Nacional do Museu da Bíblia, após a autorização do STJ. Em um novo documento, publicado no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) de 19 de junho, o Executivo local estabeleceu prêmio de R$ 122 mil para a empresa vencedora do certame. 

Na audiência, o público abordou a legalidade da construção do museu, o plano de funcionamento, a previsão de verba para manutenção e reformas, além dos recursos para pessoal administrativo, técnico e artístico. O total destinado ao espaço, segundo Fábio Félix, inclui R$ 14 milhões em emendas parlamentares da bancada federal do DF, R$ 12 milhões do Orçamento do Distrito Federal e um terreno atribuído à Sociedade Bíblica do Brasil.

Na opinião do distrital Rodrigo Delmasso (Republicanos), favorável à construção, não há ilegalidade na proposta. O parlamentar lembra que, em 1995, o então governador do DF, Cristovam Buarque, estabeleceu a lei para construção do museu no Eixo Monumental.

"Em nossa avaliação, não precisa (de audiência pública). Se tem uma lei, o governo precisa cumprir. Muito me estranha o levante contra o livro (a Bíblia), reconhecido como patrimônio histórico da humanidade pela Unesco e que perpetua a história do cristianismo. O Museu de Brasília com certeza vai fomentar o turismo religioso e vai gerar emprego. No momento que vivemos, de crise econômica, não podemos abrir mão desse recurso", opina o deputado.

Estado laico

O conselheiro de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal (CAU-DF) Luiz Otávio Alves Rodrigues menciona um problema principal entre vários, na opinião dele, no edital do concurso para construção do Museu da Bíblia.

"O primeiro deles, talvez o mais evidente, consiste no próprio objeto do concurso: um museu, equipamento público de um Estado laico que, no entanto, é destinado a uma religião específica, em detrimento às demais correntes religiosas e, também, não religiosas, às quais se filiam diversas cidadãs e cidadãos brasilienses”, analisa.

O advogado da Associação de Ateus e Agnósticos (Atea), Thales Vinicius Bouchaton, critica a proposta e  afirma que o Governo do Distrito Federal (GDF) "cerceou qualquer debate nesse sentido". "De 2010 para cá, há um crescimento exponencial de obras, e muitas legislações em diversas partes do país são praticamente cópias umas das outras. E nós entendemos que há um projeto, um financiamento de um determinado segmento religioso, para que se espalhe essa palavra dentro do Estado", criticou.

Guilherme Coelho, subsecretário de Gerenciamento de Recursos Externos (Sugre) e representante da Secretaria de Obras e Infraestrutura do DF na audiência pública, informou que as emendas parlamentares devem ser usadas por constarem em contrato de repasse firmado com a Caixa Econômica Federal e o Ministério do Turismo.

"As emendas são provenientes de deputados e senadores de diversos estados. Hoje, para esse contrato ser vencido, (precisa de) cláusulas suspensivas junto à Caixa. (Agora,) a secretaria aguarda todos os procedimentos, para que o banco que possa aprovar o início do (certame) licitatório da execução das obras", afirmou Guilherme, na audiência. 

 

Carta contra concurso

Na noite desta quinta-feira (12/8), entidades da sociedade civil divulgaram uma recomendação para que arquitetos e urbanistas não participem do concurso para o Museu da Bíblia. O grupo alerta para problemas decorrentes de "inseguranças jurídicas causadas pelo acúmulo de vícios de conteúdo e de forma no edital e nos anexos" do edital para o certame. Leia a íntegra do documento.

A carta é assinado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), pelo Sindicato dos Arquitetos do Distrito Federal (Arquitetos-DF), pela Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (Abap) no DF e pelo departamento distrital da Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo (Fenea).

Consultada pela reportagem, assessoria de imprensa do secretário de Cultura e Economia Criativa, Bartolomeu Rodrigues, informou que, "no momento, ele não concederá entrevistas sobre o tema".

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