COVARDIA

Em 72 horas, ao menos duas mulheres morreram vítimas da violência de gênero no DF

A capital federal amarga uma trágica estatística. Nessa segunda-feira (19/10), morreu a 18ª vítima de feminicídio do ano. Márcia Aparecida não resistiu às agressões com barra de ferro desferidas pelo marido da cunhada

Cibele Moreira; Edis Henrique Peres; Samara Schwingel
postado em 19/10/2021 05:55 / atualizado em 19/10/2021 05:56
Em 72 horas, ao menos duas mulheres foram mortas no DF por causa da violência de gênero -  (crédito: Arquivo)
Em 72 horas, ao menos duas mulheres foram mortas no DF por causa da violência de gênero - (crédito: Arquivo)

O Distrito Federal registrou, nessa segunda-feira (18/10), a 18ª vítima de feminicídio de 2021 — cinco a mais do que o contabilizado entre janeiro e outubro de 2020. Márcia Aparecida Bispo Duarte, 43 anos, morreu no Hospital de Base após 10 dias internada na unidade de terapia intensiva (UTI) devido às graves lesões na cabeça e na face. Ela foi brutalmente agredida com uma barra de ferro por um homem de apelido Fusquinha, marido da cunhada, Ivani Ferreira da Silva, 42, que também foi atingida pelo esposo e segue com sequelas, sem conseguir falar nem andar. O agressor está preso preventivamente pelos crimes de feminicídio, tentativa de feminicídio e agressão corporal contra a enteada de 6 anos.

Irmã de Ivani e cunhada de Márcia, Geni Ferreira da Silva, 37, conta que tudo aconteceu muito rápido. “Eu fui ao mercado e vi minha irmã e a Márcia descendo para casa. O marido da minha irmã estava bebendo com o meu marido na rua de trás, quando ele falou que ia em casa e já voltava. Foi um tempo de 10 a 15 minutos em que tudo aconteceu. Quando cheguei, encontrei as duas muito machucadas”, relata Geni. “Eu ainda estou sem acreditar”, desabafa. As agressões ocorreram em 9 de outubro, um sábado. A filha de Ivani estava no momento e viu tudo, além de ter sido atacada pelo padrasto, mas sem muita gravidade.

  • Geni Ferreira lamenta o assassinato de Márcia: 'É muito triste o que aconteceu. Sei o que a família dela está passando'
    Geni Ferreira lamenta o assassinato de Márcia: "É muito triste o que aconteceu. Sei o que a família dela está passando" Fotos: Minervino Júnior/CB/D.A Press

Márcia estava consciente quando Geni chegou à casa da irmã. Com grande ferimento na cabeça, ela relatou que foi agredida pelo marido da cunhada. Os vizinhos acionaram o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF), que apareceu no local aproximadamente uma hora depois, segundo Geni. O local onde o crime aconteceu é de difícil acesso, em uma região periférica de Sobradinho 2, com várias ruas estreitas desniveladas e algumas de terra batida. Pela gravidade dos ferimentos, Márcia foi encaminhada direto para o Hospital de Base. Ivani foi transportada para o Hospital Regional de Sobradinho, onde passou por uma cirurgia e, depois, foi transferida para o Hospital de Base. Ela recebeu alta no último domingo (17/10).

De acordo com o delegado Laércio Carvalho, da 35ª Delegacia de Polícia (Sobradinho 2), responsável pela investigação do caso, o crime iniciou-se após uma discussão entre o casal. O autor tinha três passagens por violação à Lei Maria da Penha em relacionamentos anteriores e uma por porte ilegal de arma de fogo. Ele segue preso no Complexo Penitenciário da Papuda. Se condenado, pode pegar até 30 anos de reclusão.

Familiares de Ivani contam que ela pensava em se separar do marido, devido às recorrentes discussões entre o casal. “Inclusive, poucos dias antes das agressões, ela ligou três vezes para a polícia para reclamar sobre ele. E a polícia perguntou se ele a tinha agredido fisicamente, e ela falou que só com palavras. Ela ainda falou 'Eu tenho de morrer para vocês virem aqui?'”, relembra Geni. Segundo ela, nenhum policial apareceu naquele dia.

“A polícia tem de dar mais atenção para esses casos. No dia que ela chamou, se eles tivessem aparecido, poderiam ter evitado essa tragédia”, ressalta Geni Ferreira. Ivani está sendo cuidada em casa por familiares, em Goiás. Ela tem quatro filhos, sendo três maiores de 18 anos.

Márcia Aparecida, que frequentava pouco a casa de Ivani na Vila Rabelo 2, deixa cinco filhos e um sobrinho com deficiência de quem ela cuidava, além do marido, com quem ela vivia em uma casa simples na Vila Buritizinho, em Sobradinho 2. Natural de Tocantins, Márcia era querida por todos que a conheciam. “Eu tenho um grande respeito por ela. É muito triste o que aconteceu. Sei o que a família dela está passando. E, se eles precisarem de qualquer ajuda para cuidar dos meninos dela, a gente vai ajudar”, reforça a cunhada, Geni.

Feminicídios no DF

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Violência no Pôr do Sol

O corpo da empresária Olívia Makoski, 47 anos, morta pelo marido, Francisco de Assis Guembitzchi, 55, que tirou a própria vida em seguida, continua em análise pelo Instituto de Medicina Legal (IML). Assassinada na madrugada de domingo (17/10) por Francisco, com quem foi casada por mais de três décadas, a morte de Olívia abalou a família e amigos. Uma das filhas do casal, uma jovem de 25 anos que prefere não se identificar, conta que o casal estava em fase de separação, e Francisco tentava reconciliar. “Ela estava feliz, estava seguindo”. Ainda abalada com o ocorrido, a filha do casal se agarra aos momentos felizes da família. “Tento lembrar deles bem, sem esse peso”, completa.

Os filhos pretendem continuar com o restaurante Querência do Sul. “Era o sonho da minha mãe. Ela sempre falava que nunca queria vender e que era para a gente continuar com ele, caso um dia ela fosse”, afirma a jovem. Até o fim da tarde de ontem, o corpo de Olívia ainda não havia sido liberado pelo IML. “Está esperando o exame de covid-19 dela. O (corpo) do meu pai já foi liberado”, conta. A família pretende enterrar o casal em São João, no Paraná. “Vai a família daqui para lá, mas não temos previsão do dia, porque dependemos da liberação”, pondera.

A delegada-chefe da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) II, Adriana Romana, aguarda a conclusão dos laudos periciais para definir os próximos passos da investigação. “O laudo do IML deve ficar pronto entre 10 e 15 dias, no entanto, o laudo pericial não tem uma data precisa para ser concluído, ele pode demorar mais ou menos”, explica.

Adriana destaca que é necessário a ação da sociedade na prevenção de casos de violência doméstica. “Hoje, há diversos mecanismos para se denunciar essas violências (leia Como pedir ajuda), inclusive de denúncia on-line pela Lei Maria da Penha. É importante que terceiros tenham a ação de denunciar casos de violência, para ser uma luta de toda a sociedade. O processo educacional preventivo é outra iniciativa que deve ser adotada para alcançar os adolescentes, inclusive os homens”, destaca.

Onde pedir ajuda

Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência
• Telefone: 180 (disque-denúncia)

Centro de Atendimento à Mulher (Ceam)
• De segunda a sexta-feira, das 8h às 18h
• Endereços: 102 Sul (Estação do Metrô), Ceilândia, Planaltina

Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam)
• Endereços: Entrequadra 204/205 Sul (Asa Sul) e Setor M, QNM 2 (Ceilândia)
• (61) 3207-6172/7391

Disque 100 — Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos
• Telefone: 100

Programa de Prevenção Orientado à Violência Doméstica e Familiar (Provid) da Polícia Militar
• Telefones: (61) 3910-1349/1350

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