BRASÍLIA 62 ANOS

Dois defensores públicos unem amizade com a paixão pela literatura

Valter Gondim e José Almeida são colegas de profissão, vizinhos e companheiros de risada e de paixão pela literatura. Nordestinos, eles se conheceram no trabalho e uniram as famílias

Edis Henrique Peres
postado em 24/04/2022 06:00 / atualizado em 24/04/2022 06:00
 (crédito:  Carlos Vieira/CB/D.A Press)
(crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)

"Quando tive o infarto, em outubro do ano passado, foi o Almeida e minha esposa que me socorreram. Se não fosse ele ter me levado rápido para o hospital, e Deus que me salvou, eu teria morrido", declara o defensor público Valter Gondim Pereira, de 44 anos. Marcada pela descontração e pelas risadas, a amizade entre o escritor José Almeida Júnior, 39, e Valter Gondim, começou muito antes da produção literária do ganhador do prêmio Sesc de Literatura de 2017 e finalista do Jabuti.

Enquanto muitos conhecem José pelos livros Última Hora e O homem que odiava Machado de Assis, o vínculo entre os colegas de profissão e atuais vizinhos começou muito antes da produção literária, mas foi movido por um laço cultural.

"Viemos para Brasília em 2007. Ele chegou em abril e eu, em outubro, para tomar posse na defensoria, mas em cargos diferentes", detalha José Almeida. "A nossa amizade começou principalmente porque ele era de Fortaleza e eu sou de Mossoró (RN), que fica na divisa com o Ceará. Quando cheguei, não conhecia ninguém, mas com ele havia uma questão regional bem forte, de gostar das mesmas piadas, ter as mesmas referências", explica.

Os defensores foram morar em Águas Claras em um período de consolidação da região administrativa. "Fazíamos o happy hour em shoppings. No começo só tinha lá, em seguida começou a ter mais bares. A gente se encontrava para beber, tomar um vinho. Depois, nossas esposas se conheceram, ficaram amigas, assim como os nossos filhos", destaca Valter.

Por indicação de José Almeida, o cearense comprou um apartamento em construção no mesmo prédio do escritor. "Nós nos mudamos em 2013, um logo depois do outro. Além de sair em jantares com a nossa família ou para beber alguma coisa, também fazemos atividade física juntos, como jiu jitsu e corridas", conta Valter.

11 dias na UTI

Durante os 15 anos de amizade, vários momentos marcaram o vínculo dos defensores públicos. Para Valter, contudo, um dos mais significativos foi o do ataque cardíaco em outubro do ano passado. "Eu tinha acabado de voltar do jiu jitsu e estava me sentindo mal, mas pensava que era porque tinha comido pouco. Quando cheguei em casa, pedi para a minha esposa fazer um suco de laranja, tomei e comecei a me senti melhor. Isso era por volta de 20h. Fui tomar banho, mas quando voltei já estava com muita dor, como se tivesse levado um tiro no peito. Soube imediatamente que era um infarto. Pedi para a minha esposa chamar o Almeida e me levar para o hospital", detalha.

José Almeida lembra que a esposa de Valter o ligou e ele desceu rapidamente para socorrer o amigo. "Entrei no elevador com o Valter e a esposa dele voltou para pegar a bolsa. Ele começou a desfalecer dentro do elevador, o segurei para não cair e o levei para o carro. Por sorte, conseguimos chegar a tempo para ser atendido no hospital", afirma.

Para Valter, não fosse a rapidez da ação da esposa e do amigo, ele poderia não ter sobrevivido. "Fui direto para a UTI (unidade de terapia intensiva), onde fiquei por 11 dias, além de mais três dias internado. Até hoje tomo medicamentos. Se não tivesse tido atendimento urgente, tinha morrido", salienta. Apesar do episódio marcante, Valter brinca: "Foi o infarto que me deixou careca".

Leves e descontraídos

A amizade entre o escritor e Valter é marcada pelas risadas. Os dois amigos se divertem ao lembrar do período em que davam aulas de direito na mesma faculdade. "Um tirava sarro do outro. O Almeida dava aula de direito penal e eu, de direito civil", detalha Valter. José Almeida complementa: "Eu falava mal dele em sala de aula e os alunos pensavam que a gente era inimigo, que éramos brigados", comenta aos risos. O ganhador do prêmio Sesc lembra: "Quando chegava a aula dele, ele rebatia o que eu dizia, e me usava nos exemplos de direito que discutíamos".

A brincadeira entre os amigos confundia os estudantes da sala de aula. "Eu ri tanto quando o aluno veio falar comigo, perguntando o que eu tinha contra o professor Almeida. Eles achavam que realmente éramos inimigos", afirma Valter. Para ele, o que faz a amizade funcionar tão bem, é a confiança entre os dois. "Detalhe: ele é católico e eu sou evangélico, e isso não tem problema nenhum. Em tempos de tanta polarização, é importante ressaltar isso", pondera Valter.

Produção literária

Embora seja mais apaixonado pelo esporte, Valter conta que lê todos os livros do amigo. "Inclusive, eu adivinhei o final dos livros dele", comemora. O escritor admite que o amigo consegue antecipar os movimentos do personagem. Valter acredita que desvenda os mistérios do enredo devido aos anos de amizade.

Ao Correio, José Almeida adiantou o enredo do próximo livro, que será publicado em julho e tem a inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960, como pano de fundo. "Ele se passa entre 1960 e 1964, até o golpe militar. No Bebida Amarga, utilizo alguns personagens do Última Hora, que se passa entre 1950 e 1954, mas não se trata de uma continuação. No livro, inclusive tem uma referência de um restaurante que funcionava na Cidade Livre (Núcleo Bandeirante), que é onde se passa a primeira e retrata essa questão de Brasília se formando", detalha José Almeida.

O livro narra o conflito entre pai e filho, jornalistas que trabalham em veículos com visões ideológicas opostas. "Brasília acaba influenciando muito. Eu já gostava de política antes, quando morava em Mossoró, mas aqui é bem diferente, a gente respira realmente política. Se acompanha isso muito de perto. Tanto que em todos os meus livros tem algum componente político", finaliza.

 


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  •  Valter Gondim Pereira (de óculos) é tão próximo de José Almeida Júnior que consegue, muitas vezes, desvendar o desfecho dos personagens dos livros que o amigo escreve
    Valter Gondim Pereira (de óculos) é tão próximo de José Almeida Júnior que consegue, muitas vezes, desvendar o desfecho dos personagens dos livros que o amigo escreve Foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press
  •  13/04/2022  Crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Cidades. Aniversário de Brasilia. Na Foto - José Almeida Júnior e Walter Gondim Pereira (óculos)
    13/04/2022 Crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Cidades. Aniversário de Brasilia. Na Foto - José Almeida Júnior e Walter Gondim Pereira (óculos) Foto: Carlos Vieira/CB
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