Eleições 2022

Só 35% das candidaturas no DF são de mulheres

O percentual é pouco em relação à população feminina na sociedade, mas supera a cota definida pela legislação, que é de 30%. Especialistas e ex-parlamentares destacam obstáculos a serem superados

Carlos Silva*
Arthur de Souza
postado em 27/08/2022 06:00
Letícia Medeiros, durante participação em seminário que reuniu mulheres que coordenaram campanhas eleitorais. -  (crédito: Flávio Soares)
Letícia Medeiros, durante participação em seminário que reuniu mulheres que coordenaram campanhas eleitorais. - (crédito: Flávio Soares)

No Distrito Federal, 35% das 867 candidaturas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para as Eleições 2022 são femininas. Este é o maior percentual desde 1998, quando apenas 18% dos 752 candidatos eram do sexo feminino, de acordo com o órgão. Comparando com os dados nacionais, a capital do país está com a proporção equiparada — 34% dos 28.829 postulantes que irão disputar o pleito, são mulheres.

Desde setembro de 2009, a Lei nº 12.034/2009 obriga que cada partido ou coligação tenha o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. A legislação aprovada naquele ano, além de outras mudanças nas regras eleitorais, são fatores de extrema importância para o aumento no percentual de mulheres na política, segundo a cientista política graduada pela Universidade de Brasília (UnB) Camila Santos. No entanto, ela ressalta que a presença feminina ainda é tímida, aqui no Brasil. "Atualmente, apesar de as mulheres representarem mais de 50% da população, quando vemos o número da participação feminina nos poderes Executivo e Legislativo, a proporção é menor do que 20%", acrescenta.

  • Letícia Medeiros, durante participação em seminário que reuniu mulheres que coordenaram campanhas eleitorais. Flávio Soares
  • Deputada distrital durante três mandatos, Arlete Sampaio já sofreu preconceito durante sua vida política. Divulgação/CLDF
  • Para Maninha, a igualdade de gênero na política é uma realidade ainda muito distante. Arthur Menescal/Esp. CB/D.A Press

Mesmo destacando os avanços — garantidos pelas mudanças institucionais dentro dos partidos —, Camila explica que o país ainda está longe de ser um exemplo. "Nós temos uma das menores taxas de representatividade feminina no mundo. Em um ranking de 187 países, o Brasil ocupa a 142º posição", afirma. "Quando vamos comparar, o Brasil fica apenas à frente de países árabes e do Oriente Médio, que são conhecidos por suas restrições ao direito feminino. Ou seja, os avanços que temos feito ainda não são o suficiente. Estamos longe de alcançar o nível de representatividade de gênero de países como Suécia, Canadá e Finlândia, por exemplo."

Ampliação do debate

Mesmo assim, Camila Santos cita algumas iniciativas, fora do campo normativo, que podem ajudar na inserção das mulheres no campo político. "Temos observado algumas ONGs que visam aumentar o número de mulheres na política, demonstrando a importância da participação feminina no tema", comenta. Um exemplo do que é citado pela especialista é a ONG Elas no Poder, que, de acordo com a co-fundadora Letícia Medeiros, existe para ampliar a participação das mulheres na política e fortalecer sua atuação nos espaços de poder. "Atuamos com formações políticas para meninas e mulheres e na defesa de políticas públicas que impactem no crescimento da representatividade de gênero no Brasil."

Para a ativista, mesmo com o aumento deste ano, ainda há muitos problemas de representatividade de gênero no país. "Precisamos que a Lei de Cotas seja cumprida, de fato. Além disso, é necessário que o recurso devido chegue em tempo nas candidaturas de mulheres, ampliar o debate das cotas e que os partidos invistam, de verdade, na formação e retenção de mulheres em seus quadros", elenca Letícia, comentando que a legislação atual não é o bastante para o público feminino, e que é preciso uma proporção condizente com o quantitativo populacional. "Se temos mais de 50% de mulheres na população, precisamos ser, pelo menos, metade das candidaturas lançadas pelos partidos."

Socióloga e assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Priscilla Brito também acredita que a representação feminina na política precisa de um espaço maior. "As mulheres são maioria da população e, este ano, vão ser a maioria do eleitorado — são mais de oito milhões de mulheres a mais do que homens votando", destaca. "Apesar do tema ter ganhado espaço e importância na sociedade, a gente ainda tem um longo caminho pela frente, até chegarmos na paridade."

Mudança de cultura

Assim como as ativistas, a especialista Camila Santos considera que o ambiente político atual possui grupos masculinizados. "A violência de gênero também é muito comum e, infelizmente, muitas mulheres que adentram a política sofrem com isso, fator que desincentiva outras mulheres a seguir o mesmo rumo", argumenta a cientista política. "Então, além das regras, temos que mudar a cultura da sociedade como um todo, para que as mulheres consigam ocupar o espaço político de forma igualitária, com o mesmo poder de decisão e de voz que os homens têm hoje."

Quem já passou por situações como as que foram expostas pela especialista, é a deputada distrital Arlete Sampaio (PT). Exercendo seu terceiro e último mandato na Câmara Legislativa (CLDF), após anunciar a aposentadoria da política, a parlamentar afirma que não é fácil ser mulher no cenário atual. "O machismo é um fenômeno presente de forma permanente na nossa sociedade, inclusive dentro dos partidos", reconhece.

Arlete conta que já passou por situações de preconceito dentro da própria CLDF. "Fiz uma proposta e, pelo simples fato de ser mulher, ninguém deu ouvidos. Aí, quando um homem repetiu tudo que propus anteriormente, ele foi escutado", comenta a distrital, que conclui alertando que o preconceito com as mulheres é permanente. "Se nós (mulheres) não lutarmos pelo nosso espaço, seremos 'engolidas' pelo machismo que toma conta da política local e nacional."

A ex-deputada federal Maria José da Conceição (PSol), mais conhecida como Maninha, também enfrentou grandes desafios durante sua vida política. No entanto, a parlamentar destaca que sofreu preconceito antes mesmo de seus mandatos. "Venho do movimento sindical brasileiro, espaço que é extremamente machista e preconceituoso. Eu vivi isso na pele, como presidente do Sindicato dos Médicos durante muito tempo", comenta.

A transição para a vida política partidária se fez da mesma forma, segundo Maninha. "Apesar de os partidos de esquerda dizerem que lutavam pela participação feminina em seu universo, na minha época, a discriminação também existia por lá", critica. "As principais figuras partidárias de comando dentro dos partidos eram masculinas. Para as mulheres, sobravam apenas as secretarias menos expressivas", ressalta.

Fiscalização exemplar

Além da mudança cultural, a cientista política Camila Santos destaca que é preciso acompanhamento e fiscalização, para que as legislações sejam cumpridas e aqueles que não cumpram as normas, sejam punidos. "Em 2018, por exemplo, já se aplicava a regra dos 30%. Contudo, os partidos colocaram candidaturas femininas laranjas, apenas para dizer que seguiram a lei, mas não disponibilizaram recursos para elas naquele ano", afirma Camila, com o aval de Letícia, do Elas no Poder. "As desigualdades se refletem, principalmente, no apoio político, financeiro e técnico para as campanhas femininas, o que prejudica muito as chances de vitória", observa. "É preciso avançar no debate e entender que não basta a cota na 'largada' da campanha política, mas também na 'chegada', por meio da reserva de cadeiras, especialmente no Poder Legislativo", conclui.

*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira 

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