ELEIÇÕES 2022

Violência nas eleições: polícia vai monitorar militantes armados

Episódio em que uma pessoa foi baleada, na Vila Planalto, durante uma panfletagem acende o alerta das autoridades para a violência na campanha eleitoral. A Secretaria de Segurança informa que um plano está em fase de elaboração

Ana Isabel Mansur
postado em 31/08/2022 05:41 / atualizado em 31/08/2022 05:42
 (crédito: Sarah Paes/Esp. CB/D.A Press)
(crédito: Sarah Paes/Esp. CB/D.A Press)

A briga envolvendo o candidato a deputado distrital Rubão (PTB), no sábado (27/8), na Vila Planalto, que terminou com um churrasqueiro baleado, acendeu o alerta das autoridades sobre a violência durante o período eleitoral no Distrito Federal. Raimundo Eduardo Pereira Silva, 29 anos, está internado no Hospital de Base, depois de ser atingido por um militante do político, supostamente a mando do próprio Rubão, segundo testemunhas, com um tiro no rosto. A bala desceu pela via nasal e está alojada no pulmão da vítima, que segue em estado delicado. O caso comoveu os brasilienses e forçou a Justiça Eleitoral e a Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF) a intensificar a segurança de candidatos e eleitores nos dias que antecedem a votação.

O tema chama ainda mais atenção quando considerada a quantidade de armas de fogo em circulação na capital do país. O DF registrou, em 2022, 12,4 mil armamentos, de acordo com a Polícia Federal. É o quarto maior número do país, atrás do Rio Grande do Sul (15.718), Santa Catarina (14.117) e São Paulo (13.423). O montante considera os registros de janeiro a julho de 2022, e o resultado deste ano já supera o total de 2021 (11.122). A briga de sábado teve início depois que Rubão não atendeu a pedidos para diminuir o volume do som do carro que, segundo testemunhas, incomodava clientes e trabalhadores.

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pri-3108-armas (foto: pri-3108-armas)

Raimundo tentava acalmar os ânimos entre os envolvidos na discussão e, em determinado momento, o candidato teria ordenado a um homem que o acompanhava a atirar contra o churrasqueiro. Rubão e o atirador fugiram do local. O caso é investigado pela 5ª Delegacia de Polícia (Área Central). O político contestou versão das testemunhas. "Exercia o trabalho que compete à minha atividade. Estava em local público, vieram cinco bombados e quebraram meu som. Sou um senhor de 67 anos", argumentou ao Correio. Ele foi preso e liberado após pagamento de fiança. O candidato foi indiciado por tentativa de homicídio, lesão corporal e porte irregular de munição. Rubão é ex-fuzileiro naval e ex-bombeiro militar. A polícia procura pelo atirador.

Esquema

Ao Correio, a SSP-DF afirmou que planeja um esquema específico para as eleições, sem detalhar, porém, as diretrizes do projeto. "A secretaria informa que o plano de segurança pública para todo o período eleitoral está em fase de elaboração e, assim como em todos os eventos do tipo no DF, o planejamento está sendo constituído com a participação de instituições locais e federais, entre elas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF). Está previsto um protocolo de ações integradas, envolvendo forças de segurança e outros órgãos de governo, com flexibilidade para avaliações e ajustes constantes, de acordo com o cenário do momento, para que a segurança dos pontos de votação seja garantida conforme o regramento eleitoral e legislação do país", escreveu, em nota, a pasta.

Embora não seja responsável pelas questões operacionais que envolvem a segurança dos pleitos, a Justiça Eleitoral confirmou ao Correio que participa das conversas sobre o tema. O juiz Vitor Feltrim, integrante da coordenação de fiscalização da propaganda eleitoral do TRE-DF, destacou que o plano de segurança para as eleições estava preparado antes mesmo do episódio da Vila Planalto "e é bem rígido", nas palavras do magistrado. "Vamos reforçar essa lembrança a todos os aparatos de segurança, incluindo a Polícia Federal, a Polícia Militar do DF e a Polícia Civil do DF." O juiz destaca que a PMDF monitora todas as seções eleitorais. "Poderemos ter eventual reforço de policiamento nas proximidades dos locais de votação. A Justiça Eleitoral faz reuniões constantes com o centro de comando integrado das polícias do DF e mantém diálogo frequente com a PMDF, PCDF, PF, Corpo de Bombeiros Militar do DF e Detran (Departamento de Trânsito), para rever quaisquer irregularidades", garante Vitor Feltrim.

Na visão do magistrado, o DF está pronto para evitar a violência política durante o período eleitoral. "Nossas polícias são as melhores do Brasil, e têm policiamento ostensivo e de inteligência evoluídos. Além disso, nosso território é pequeno. Obviamente, não há como evitar crimes de ocasião, mas nossas polícias estão prontas para intervir em casos de ânimos acirrados", garante. A Polícia Federal, em resposta ao Correio, ressaltou que está "preparada para atuar nas eleições de 2022 e contribuir na manutenção da lei e da ordem, preservando o Estado Democrático de Direito."

Estratégias

Ao caracterizar as eleições como uma "celebração de vida e vigor da nossa democracia", livre de "símbolos de violência, preconceito, discriminação e morte", Welliton Caixeta Maciel, professor de antropologia do direito da Universidade de Brasília (UnB), pesquisador de violência, segurança e criminologia, pede rigor na fiscalização, inclusive com especial atenção ao consumo de bebidas alcoólicas. "(Precisamos de) reforço da Lei Seca antes, durante e imediatamente depois das eleições, evitando que a comercialização de bebidas alcoólicas se torne um vetor para cometimento de crimes", defende o especialista, que também é a favor do controle de armas nas proximidades e dentro das seções eleitorais.

Cássio Thyone, perito da Polícia Civil aposentado e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), acredita que todos os recursos disponíveis para garantir a segurança de candidatos e eleitores devem ser usados. "As estratégias têm de envolver questões relativas à inteligência policial. Videomonitoramento deve ser usado, assim como trabalho nas redes sociais e divulgação da programação dos candidatos para que haja monitoramento pelas forças de segurança. As aglomerações (em comícios, atos, carreatas e passeatas) devem ter atuação de profissionais de diversas forças, não apenas policiamento ostensivo, mas também agentes à paisana entre o público. A segurança deve se antecipar em ocasiões onde a violência pode ser maior, como debates e encontros entre candidatos", elenca o especialista.

Atenção especial

Os colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CACs) devem receber atenção especial das autoridades (confira O que diz a lei). "Eles não têm autorização para portar arma de fogo fora das circunstâncias previstas da atividade. No caso de um estande de tiro, por exemplo, a pessoa pode estar com a arma no trajeto para o local. Caso o CAC esteja com a arma em um comício, ela tem de ser apreendida e o responsável deve responder às sanções previstas em lei", defende Cássio Thyone.

Quanto aos candidatos que têm porte de armas, como profissionais das forças de segurança e militares da ativa e da reserva, a situação é mais delicada, na avaliação do especialista. "A maioria pode não querer abrir mão de portar arma, então entendo que é uma questão de foro pessoal. É preciso refletir se há necessidade de estar armado em um evento onde as pessoas estão reunidas para ouvi-lo e conhecer as propostas que pretende implementar caso seja eleito. Vai da consciência de cada candidato", pondera.

Impedir o armamento durante o período eleitoral de candidatos autorizados ao porte de armas é "muito difícil, senão impossível", na visão de Thiago Sorrentino, professor de direito do Ibmec, "embora faça sentido proibir o porte de armas nas dependências das seções eleitorais e respectivas imediações. Por outro lado, o aparato fiscalizatório preventivo, mesmo em relação aos CACs, é insuficiente", critica. Ele pede que os casos de violações sejam levados a sério, com resposta rápida e consistente das autoridades. "A médio e longo prazos, é possível repensar a legislação, para tornar os requisitos para o porte mais rigorosos, e para punir as violações de forma mais contundente. Porém, nada disso fará diferença se o Estado falha em aplicar a lei, seja pela demora, seja pelo resultado inconsistente."

Colaborou Pablo Giovanni*

*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira

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Responsabilidade

A segurança no período eleitoral não é de competência exclusiva do Estado. Partidos políticos podem contratar agentes privados para atos e eventos. "Para comícios, (as legendas) têm de comunicar obrigatoriamente a polícia, de maneira que uma coisa não exclui a outra. Ou seja, a contratação de segurança privada não afasta a atuação da polícia", afirma Hilmar Raposo Filho, juiz do TRE-DF.

O que diz a lei

O Estatuto do Desarmamento não tem regras específicas para Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs), que ficam sujeitos a decretos e portarias

» Armas usadas pelos CACs devem ser registradas no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), do Exército brasileiro.

» O Decreto 9.846/2019 estabeleceu que atiradores desportivos podem ter até 60 armas.

» O Decreto 10.629/2021 autorizou os CACs a transportarem uma arma de fogo curta (pistola ou revólver) municiada e pronta para uso, em qualquer horário, no trajeto entre o local de guarda do equipamento e os locais de treinamento, de prova, de competição, ou de manutenção, de caça ou de abate.

» O Decreto 10.629/2021 determina que atiradores e caçadores donos de armas de fogo podem adquirir no período de um ano:

» até mil unidades de munição e insumos para recarga de até 2 mil cartuchos para cada arma de fogo de uso restrito.

» até 5 mil unidades de munição e insumos para recarga de até 5 mil cartuchos para cada arma de uso permitido.

Fonte: Senado Federal

FRASE

As estratégias têm de envolver questões relativas à inteligência policial. Videomonitoramento deve ser usado, assim como trabalho nas redes sociais e divulgação da programação dos candidatos para que haja monitoramento pelas forças de segurança. As aglomerações (em comícios, atos, carreatas e passeatas) devem ter atuação de profissionais de diversas forças, não apenas policiamento ostensivo, mas também agentes à paisana entre o público"


Cássio Thyone, conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)

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