Podcast do Correio

"Vejo a música brasileira com muita esperança", afirma Tiãozinho

Ao Podcast do Correio, o músico e empresário Sebastião Rodrigues falou sobre a carreira, e como foi a criação da banda Squema 6. O instrumentista também comentou sobre ações solidárias em favor de portadores de HIV

Darcianne Diogo
postado em 24/12/2022 06:00
 (crédito:  Mariana Lins )
(crédito: Mariana Lins )

Recontar é reviver. Pioneiro na área musical de Brasília, o empresário e músico Sebastião Rodrigues, mais conhecido como Tiãozinho, relembrou dos momentos em que tocava nos bailes da capital, nas décadas de 1970 e 1980. Em entrevista ao Podcast do Correio desta sexta-feira (23/12), ele contou que foi aqui no Distrito Federal, que formou bandas ilustres, como o Squema 6, e ganhou notoriedade pelo trabalho dedicado e exigente. Em um passe de mágica, as músicas ganharam espaço nas plataformas digitais, o que resultou no "abandono" dos discos e CD's. "Continuo vendo a música brasileira de forma muito forte. Acho que ela tem conteúdo e continua sendo respeitada no mundo inteiro", declarou o artista em entrevista aos jornalistas José Carlos Vieira e Irlam Rocha Lima.

Você veio de Goiânia para Brasília, mas já era músico ou ainda estava começando? Como foi o começo da sua carreira?

Na verdade, eu tinha 17 anos quando vim para cá, a convite do Raulino e seus Big Boys. Era uma banda muito conhecida na capital e esse convite partiu de um caso engraçado, mas sério, porque na verdade eu vim para substituir um guitarrista que era muito bom. Mas teve uma noite que passou do ponto na bebida, foi fazer uma cena com a guitarra e acabou caindo para trás. Então, eu tinha três guitarristas em Goiânia que eu admirava e sempre os observava estudar. Um deles achou que eu já tinha bagagem pra vir pra cá para substituir esse guitarrista, vim aos 17 anos, no dia 11 de março de 1967.

Bandas da época, como El Son 7, BR Som e Pôr do Sol são o embrião da música brasiliense. A partir desses grupos surgiram bandas autorais e músicos que foram para o mundo. Como você vê isso? Seus músicos saíram dessa geração e pegaram estrada para o mundo?

Eu encontrei recentemente o guitarrista Paulo André e fiquei muito feliz, porque eles disseram que, muitas vezes, nos via tocar e que aprenderam muito com a gente tocando. Essa declaração do Paulo André muito me honra, porque ele é um guitarrista e um músico excepcional, além de uma grande figura humana que traz muito orgulho para Brasília. Então, fico honrado porque falaram da gente. Nossa banda (Squema 6) tinha um repertório muito consistente. Tocamos muito e de tudo.

Você ficou por um tempo no Raulino e seus Big Boys. Mas sentiu a necessidade de criar a sua própria banda. Como foi esse processo?

Foi uma circunstância, porque, na verdade, após o Raulino, fundamos uma banda chamada Super Som 2000, que foi uma banda muito conhecida aqui em Brasília. E muito boa, com o mesmo nível de versatilidade. Tanto é que alguns músicos foram convidados para outros ambientes, locais e estados. Naquele tempo, era quase que fundamental que você trabalhasse no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Hoje, não. Muita gente sobrevive de forma muito digna nos seus estados. Do Raulino, fiquei um tempo e depois resolvemos fazer uma mudança de forma consensual. Fundamos o Super Som 2000, que era uma cooperativa. Foi um sucesso. Lá, aprendi um pouco sobre como administrar uma banda. Ficamos no Super Som por muitos anos, até que fui convidado para ir para São Paulo, mas eu tinha uma filha muito pequena. No ano em que fiquei lá, abri os olhos para uma série de coisas e constatei uma outra realidade. Toquei com muitos músicos famosos, mas minha sensibilidade dizia que era melhor voltar, porque tinha uma filha, um casamento novo e eu acabei voltando, já com uma ideia fixada de que a gente tinha espaço para ter uma banda.

Você voltou de São Paulo não apenas como instrumentista, mas com uma ideia também um conceito de produção, de gerenciamento de grupo?

Isso. Por que, na verdade, eu era muito chato com os companheiros do Raulino, na questão de exigência. Eu pegava muito no pé para ensaiar, com coisas de estética da banda, roupa, iluminação. São Paulo sempre foi uma coisa muito distante para gente, muito inatingível. E aí, como eu trabalhei em São Paulo um ano e o resultado foi muito bom, voltei e achei que tinha um campo muito aberto, um espaço grande. Foi quando nasceu o Squema 6. A banda surgiu da necessidade de arrumar um novo emprego aqui. Não tinha trabalho. As bandas já estavam formadas, organizadas, e eu acabei optando por isso, que era formar um conjunto, uma espécie de cooperativa, mas queria algo com a cara de Brasília. Então, procurei seis músicos de cada Estado, que eu achava que pudessem representar essa diversidade de Brasília, esse lado cosmopolita. Também tive o cuidado de chamar um músico que tocasse mais de um instrumento e que todos cantassem. Essa foi a formação do Squema 6.

O Squema 6 durou muito tempo. Qual a motivação que te levou a deixar a banda? Pode relembrar os grandes shows que fizeram e marcaram a cidade?

Tocamos muito ali no Iate Clube e em Taguatinga. Lembro que, em uma segunda-feira de Carnaval, no Iate, estávamos tocando para uma turma de 5 a 6 mil pessoas, e o governador da época apareceu lá. Tanto o governador, quanto a diretoria, ficaram impressionados com a versatilidade da banda. Uma das músicas que a gente tocou, foi feita em homenagem ao aniversário de Brasília. Tudo aconteceu quando o secretário de comunicação da época nos viu e falou que queria que estivéssemos na abertura de um show grande em Brasília. Topei, e disse que tinha essa música que havíamos composto especialmente sobre Brasília. Mas na verdade eu não tinha. Saímos dali, e dois dias depois, a gente compôs a música chamada Canta Brasília. O secretário fez só algumas correções, como acrescentar a palavra candangos. Essa música foi fruto dessa necessidade e nos abriu a porta. De repente, os corais passaram a cantar, o Correio Braziliense também usou essa música para comemorar os 40 anos do jornal. E foi uma coisa fantástica. Lembro que fomos para São Paulo de manhã, gravamos a música lá e voltamos à tarde. Foi a primeira vez que todos nós andamos de avião. Fizemos toda aquela coisa folclórica, fizemos uma camiseta para todo mundo escrito Squema 6. Foi nossa primeira turnê. Foram feitas em torno de 40 ou 50 mil cópias para distribuir pro pessoal e rodou a semana inteira. Então essa é uma lembrança fantástica que tenho na minha vida, da gente tocando a música e todo mundo cantando a letra.

Em relação à sua saída do Squema 6. Queria que falasse um pouco sobre os projetos pessoais que começou a tocar após a saída.

A saída do Squema 6 teve foi porque era muito cansativo. Eu era uma pessoa com um nível de auto cobrança muito alto e às vezes chega a ser um pouco perverso. Eu queria muito formar pessoas. Meu maior orgulho em relação ao Squema 6 não é só esse trabalho que foi feito, que é reconhecido e que resultou em muitas amizades. Mas, sim, ter formado profissionais. Dávamos cursos para esses profissionais da base. Meu orgulho é que a gente ministrou muito curso para que eles pudessem ser, hoje, operadores, técnicos de iluminação e músicos que tocam no Brasil e no mundo. Vejo como um legado que deixei. Mas houve um desgaste muito grande, porque essa formação de profissionais tem um nível de exigência musical muito alto e não tinha profissionais para dar suporte a essa necessidade. Então, eu acabei virando empresário, músico e, ao mesmo tempo, administrando e formando equipe. Chegou um momento que fiquei estafado. Poucas pessoas sabem disso, mas eu acabei ficando três dias no hospital, tomando soro e tentando uma recuperação. E aí fiquei um tempo sabático, né? Fui ver algumas coisas que eu gostava e que eu não tinha acesso. Hoje, levo uma vida mais leve, mas tenho uma recordação maravilhosa desse tempo.

Aqui e ali você foi ouvir o Squema 6 ou teve um distanciamento?

Foi um distanciamento natural por uma razão simples. Os bailes, na minha opinião, diminuíram bastante. O mercado mudou um pouco. Os bailes de formatura, por exemplo, chegaram a ser as coisas mais chiques de Brasília. Então, foi um momento que eu também resolvi dar uma parada e olhar mais para a família, para mim mesmo e buscar outras coisas. Tenho feito muita coisa, muitos eventos. Nesses quatro anos para cá, como produtor, já trouxe para Brasília João Carlos Martins, Alcione, Sandra de Sá, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Toquinho e Diego Figueiredo. Essa semana me pediram um trabalho e eu consegui montar em dois dias. Era para organizar eventos em sete capitais, com sete cantores e eu ainda fui arrumar mulheres que soubessem se acompanhar.

O que você acha sobre a importância dos bares da noite de Brasília, desses pequenos palcos na formação de um músico? Brasília era uma cidade muito viva nesse aspecto. Mas parece que hoje estamos vendo uma diminuição desse perfil de artistas devido a restrições. O que você pensa a respeito disso, sobre a valorização do músico? Há alguma proposta?

Tivemos um tempo de descaso com a cultura daqui de Brasília. Mas estou vendo um renascimento, porque somos referências no Brasil inteiro. Muito por conta da versatilidade do músico Brasiliense. O músico daqui é procurado no mundo todo. Temos músicos excepcionais sendo formados aqui na cidade. Os músicos que tocam em bailes, que já até sofreram um certo preconceito, têm uma vantagem muito grande. É como se fosse na área de medicina, em que eles ocupariam o cargo de clínico geral. Como Brasília é uma cidade que teve bandas muito boas, e essas bandas eram compostas por músicos ótimos, eles faziam clínica geral muito bem, então mais pessoas procuravam esses músicos. Sinto que isso está renascendo após a pandemia.

Mas falta um olhar do Estado para esse segmento da noite de Brasília?

Há muito tempo, fui pelo Nando Cordel a um ministro da época. Fizemos uma rápida amizade, e lá se vão 14 anos. Estou falando do José Lúcio Monteiro. Ele tinha esse olhar mais agudo em relação a isso, e sempre foi muito aberto a essas coisas, mas é em nível federal. A gente precisava construir uma amizade mais próxima com as pessoas daqui, que entendessem que sem a música é impossível você viver. Ainda não consegui uma amizade com parlamentar local para sugerir um olhar para a música com mais cuidado. Mas gostaria de pedir aos nossos queridos governantes que tenham um olhar mais específico para cultura de Brasília, para a música de Brasília.

Queria que você me falasse sobre sua expectativa em relação ao futuro da música. Agora, não se lançam mais álbuns. São singles e não há mais discos. Tudo vai para as plataformas digitais. Como você vê o futuro da música?

Continuo vendo a música brasileira de forma muito forte. Acho que ela tem muito conteúdo, tanto que ela continua no mundo inteiro sendo respeitada. O que acho problemático é que, quando começa a tocar um gênero, como pagode, fica só pagode. Se for rock, é só rock. Somos o país mais plural do mundo. Então, nós temos uma riqueza musical que não tem em nenhum outro lugar. Vejo a música brasileira com muita esperança e festejando, porque hoje as rádios ficaram muito segmentadas no caso das artes e as plataformas estão aí. 

Você integra o projeto da ONG Amigos da Vida? Qual o propósito e como as pessoas podem ajudar?

Sou um colaborador dessa entidade, que cuida de pessoas com HIV, mas não só esse público. Esta semana, inauguramos uma brinquedoteca no Hospital Regional de Ceilândia, que atenderá não só crianças com HIV, mas qualquer criança. Temos também bibliotecas nos hospitais do Gama, do Guará e de Sobradinho. Tudo isso é fruto de patrocínio e temos corrido atrás de empresários na cidade e vários têm se colocado à disposição para ajudar. Quem quiser contribuir basta acessar o site: amigos.org.br/.

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