VIOLÊNCIA

Rodoviária do Plano Piloto é uma ilha de insegurança, segundo usuários

Localizado no coração do Plano Piloto, o terminal de ônibus é palco de crimes quase diariamente. Apesar do policiamento ter aumentado e reduzido a criminalidade, usuários afirmam que o medo de roubos é constante

Mila Ferreira
postado em 01/02/2023 06:00
 (crédito:  Mariana Lins )
(crédito: Mariana Lins )

Um levantamento feito pela Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) mostrou que os registros de ocorrências de crimes contra a pessoa, contra o patrimônio, com armas, entre outros, diminuíram entre os anos de 2021 e 2022 na Rodoviária do Plano Piloto. No entanto, relatos de passageiros mostram que a sensação de insegurança no terminal rodoviário faz parte do cotidiano de muita gente que circula por lá. Na avaliação de especialistas ouvidos pela reportagem, o problema da insegurança tem a ver com questões sociais e necessita de atenção do poder público. 

Dos 800 mil passageiros que passam pela Rodoviária diariamente, cerca de 120 mil são moradores do Entorno do Distrito Federal. A depender do dia da semana, os ônibus para algumas destas regiões demoram a passar, o que faz com que uma grande quantidade de pessoas precise passar mais tempo no terminal. 

A estrutura do local permanece a mesma de quando foi inaugurada, em 12 de setembro de 1960, quando o terminal foi construído para receber, em média, mil pessoas por dia. De acordo com a Unidade Administrativa da Rodoviária (UARB), foram contratados, recentemente, vigilantes para trabalharem 24 horas por dia. No entanto, esses profissionais são responsáveis apenas pela segurança patrimonial e têm a missão de evitar atos de vandalismo.

Recentemente, todo o circuito de câmeras da Rodoviária passou por manutenção. Antes, havia 40 câmeras no total, mais 30 foram instaladas, totalizando 70. Os equipamentos foram posicionados em locais estratégicos e com grade de proteção, para evitar furtos. O monitoramento das câmeras é feito pela Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). Em 2020, um posto da PMDF foi instalado no centro da Rodoviária. No entanto, hoje, a estrutura se encontra cercada por tapumes. Segundo a corporação, o posto encontra-se em reforma, que deve ser concluída em 15 dias.

 

O posto da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) localizado na rodoviária do Plano Piloto encontra-se cercado por tapumes. Segundo a corporação, a estrutura está em reforma e deve ficar pronta em 15 dias.
O posto da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) localizado na rodoviária do Plano Piloto encontra-se cercado por tapumes. Segundo a corporação, a estrutura está em reforma e deve ficar pronta em 15 dias. (foto: Mariana Lins )

 

 

Insegurança

Letícia Cristina, 21 anos, estudante e moradora de Planaltina-DF, passa pela Rodoviária de segunda a sexta-feira. Não se sente segura. Foi furtada na fila do ônibus. "Abriram minha mochila, furtaram minha carteira e minhas coisas", relatou. Ela fez o boletim de ocorrência na delegacia, mas nunca recuperou os pertences. Para se proteger, tem algumas estratégias. "Sempre que possível, busco andar acompanhada, com a mochila na frente do corpo. Tento esconder ao máximo dentro da mochila os pertences mais caros, como dinheiro, cartão e celular", disse ela. Letícia também trabalha como maquiadora e, por conta da profissão, precisa se locomover diariamente para vários pontos de Brasília. "Eu não tenho carro, mas rodo muito na cidade, inclusive pelo Plano Piloto. Por isso, passo demais pela Rodoviária", afirmou.

A estudante Érica Nunes, 16, também sente medo da violência no local, pois, apesar de nunca ter sido vítima, ouviu muitos relatos de amigos e conhecidos que foram assaltados e furtados por lá. "Os criminosos passam e levam as coisas sem a pessoa notar", reclamou a moradora do Paranoá, que frequenta diariamente a Rodoviária do Plano Piloto. O vigilante Marcelo Araújo, 35, mora em Planaltina-DF e passa uma vez por semana pelo terminal. Mesmo assim, também não se sente seguro. "Quase nunca vejo policiais por aqui. Conheço várias pessoas que foram furtadas", observou Marcelo.

Funcionário de um comércio próximo ao terminal, que preferiu não se identificar, trabalha há 16 anos na Rodoviária, contou que a população fica tensa e preocupada ao passar por lá. "Todo dia, toda hora, todo tipo de crime, com armas brancas, de fogo e até simuladores. O pessoal não chega aqui perto da loja, porque fica perto de uma boca de fumo. Eles não têm coragem de parar e fazer um lanche, até mesmo comprar uma água", comentou. Outra funcionária, que, por medo de represália, também preferiu não se identificar, disse que a segurança já foi pior, mas vem melhorando desde o final de dezembro. "Têm policiais andando todo o tempo para evitar roubos e furtos, mas, ainda falta muita assistência aos passageiros. Eles não podem andar com mochila nas costas, não tem como pegar o celular e receber uma ligação, que correm o risco de mais à frente ficar sem o aparelho", desabafou.

Facadas

De acordo com a administração da Rodoviária, circulam pelo terminal do Plano Piloto cerca de 4,8 mil ônibus por dia. Os motoristas das conduções também observam uma insegurança constante no local. Um representante da classe conversou com a reportagem, mas preferiu ter a identidade preservada. "Diariamente, escuto histórias de crimes por aqui, principalmente, roubos e facadas", disse ele. O profissional frequenta a Rodoviária desde a infância. "Meu pai era taxista e trabalhava no ponto aqui do terminal. Eu vinha muito aqui com ele. Na minha visão, aqui sempre foi perigoso", analisou. Na opinião do motorista, a presença de traficantes e usuários de drogas torna o local ainda mais inseguro.

Professor de direito e especialista em segurança pública, Júlio Hott alertou que, se o Estado não fizer algo com relação aos usuários de drogas, a situação pode se agravar. "As regiões centrais de grandes cidades como Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro têm se tornado locais com concentração de casos de violência, criminalidade, muito em face da acomodação de usuários de drogas e praticantes de pequenos crimes. Na nossa Rodoviária não é diferente. Por lá, ficam muitos moradores de rua e usuários de drogas. Ou seja, há ali uma projeção de uma futura cracolândia", analisou. "São pessoas que merecem uma atenção do Estado. É preciso que o poder público tenha um olhar social para essa questão, não só na rodoviária, onde a situação é mais sensível, mas também por outras regiões do Plano Piloto. É importante que o Estado promova políticas públicas para resolver a situação dos usuários de drogas e moradores de rua", complementou.

Um cobrador de ônibus, que também preferiu manter a identidade em sigilo, comentou que presenciou crimes no local. "Tiroteio, esfaqueamento, é o tempo todo esse tipo de ocorrência por aqui", destacou. "Trabalho há 12 anos como cobrador e nunca vi essa situação mudar", lamentou.

 

800 mil

Número de pessoas circulam diariamente

 

120 mil

São moradores do Entorno

 

4,8 mil

Número de ônibus que circulam diariamente

 

70

Câmeras instaladas na Rodoviária

 

 

Colaborou Ellen Travassos

 

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