REPRESENTATIVIDADE FEMININA

Equilíbrio entre gêneros ainda é uma realidade distante na política

Apesar de estarem presentes em posições de destaque no Executivo local e federal, as mulheres ainda são minoria entre os cargos de poder em Brasília. No Legislativo, as deputadas e senadoras não chegam a 30% do total dos parlamentares eleitos

Patrick Selvatti
Amanda Sales
Ellen Travassos
postado em 24/02/2023 05:00
 (crédito: Maurenilson Freire)
(crédito: Maurenilson Freire)

No nono dia do novo mandato, com o afastamento por 90 dias do governador Ibaneis Rocha (MDB), a vice, Celina Leão (PP), se tornou a segunda mulher a comandar a capital federal por um período superior ao de férias ou licença do titular. A primeira ocorrência foi em 2006, quando a então vice, Maria de Lourdes Abadia, assumiu o cargo até o final do mandato para que Joaquim Roriz se candidatasse ao Senado. Além de Celina e Abadia, outras três mulheres tomaram posse como vice de um homem: Márcia Kubitschek (1991), Arlete Sampaio (1995) e Ivelise Longhi (2010). 

Até agora, nenhuma mulher foi eleita mandatária no Palácio do Buriti. Se caminharmos até a Praça dos Três Poderes, o cenário difere um pouco: o Palácio do Planalto já esteve sob gestão feminina, pelo voto popular, com Dilma Roussef (PT) eleita para liderar o país por duas vezes, em 2010 e 2014. Por outro lado, ela foi a única entre os 39 presidentes da República, e não houve nenhuma vice-presidente. Já nas unidades federativas, o cenário não se modifica. Em 2022, apenas duas das 27 unidades federativas elegeram governadoras: Pernambuco e Rio Grande do Norte. Para especialistas, essa amostragem aponta para uma realidade no jogo político: mesmo sendo a maior parte do eleitorado brasileiro, mulheres continuam sendo minoria em campo. (leia abaixo Duas perguntas para Celina Leão)

O abismo entre homens e mulheres nos principais cargos de poder impressiona quando falamos em números. Em relação aos dados mundiais, constata-se uma sub-representação feminina no Congresso Nacional. A participação delas nos parlamentos é de 26,4% em média, segundo a União Interparlamentar (UIP), organização global que reúne 193 países. Dentre eles, o Brasil figura no 146° lugar. Na Câmara Federal, observou-se um aumento no último pleito, quando as deputadas passaram de 77 para 91, mas ainda são pouco mais de 17% do total de 513.

Equiparação

Dos oito representantes da bancada do DF, temos Bia Kicis (PL) e Érika Kokay (PT). Para a parlamentar petista, a sub-representação atenta contra a própria democracia. "Uma concepção machista, sexista e patriarcal nos impõe espaços domésticos e nega espaços de poder. Existe uma subalternização construída, e não se combate o que não se percebe. São violências invisibilizadas e, quando elas são naturalizadas, entram no tecido social e são continuamente reproduzidas", protesta.

De acordo com Kokay, a equidade de gêneros e equiparação de ocupação de espaços não é uma discussão menor. "Existe uma violência política que busca nos calar, há quebras de decoro parlamentar que são legitimadas, naturalizadas e homenageadas pela própria Casa. Já nos negaram o direito de votar, agora temos o direito de sermos votadas, mas ainda precisamos brigar pelo direito de sermos eleitas e respeitadas no Parlamento", ela conclui.

Procuradora especial da Mulher do Senado, Leila do Vôlei (PDT) também aponta o machismo enraizado na sociedade como causa do desinteresse em se eleger, acompanhar e participar dos mandatos femininos. Contudo, é otimista em relação à evolução conquistada. "Quem acompanha a atuação das deputadas e senadoras consegue enxergar o bom trabalho que temos feito. Várias gerações de mulheres têm lutado para reverter essa distorção na representação política. Apesar de o caminho ainda ser longo na conquista de igualdade, graças a esse esforço coletivo alguns avanços foram conquistados", ressalta a senadora, que era a única representação feminina do Distrito Federal até Damares Alves (Republicanos) ser eleita senadora em outubro de 2022.

Hoje, no total, as cadeiras do Senado são ocupadas por apenas 10 mulheres ante 71 homens. Leila defende, ainda, a presença feminina não somente no Parlamento, como nas mesas diretoras. Segundo ela, ter mulheres em todas as instâncias e ramos dos espaços de poder é exigência de uma sociedade plural. "Quando se trata de dividir os espaços de poder, nós sempre estamos um passo atrás deles. É duro aceitar que, em pleno século 21, ainda estejamos tão atrasados. Por isso, também temos que abraçar esse desafio, buscando mudanças nos regimentos internos para fazer valer a nossa participação nos mais diversos colegiados do Poder Legislativo", argumenta a senadora brasiliense.

Identificação

A representatividade feminina também segue baixa na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Dos 24 distritais eleitos, elas são apenas quatro, ou seja 16% do total. Para a deputada Doutora Jane, que assumiu o primeiro mandato parlamentar em janeiro, estar nesta fatia, ainda que pequena, é simbólico. "As mulheres têm em mim uma referência, elas conseguem se enxergar em algum espaço. Hoje em dia, eu encontro nas ruas mulheres que me dizem exatamente isso. A maioria das pessoas que conhecem minha história de vida destacam isso. O fortalecimento para mudar de vida. Então essa é a importância", avalia a parlamentar, que também representa o gênero como delegada da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e carrega como bandeira o combate à violência doméstica. "Eu não me via representada, na TV por exemplo, nos cargos públicos. E hoje estou nesse lugar permitindo que as pessoas como eu possam se ver no Parlamento, numa delegacia como delegada-chefe...É uma conquista", comemora.

A doutoranda em ciência política pela Universidade de Brasília (UnB) Carla Guaresh diz que as mulheres ainda enfrentam enormes dificuldades para encontrar um papel de destaque na política, por um conjunto de motivos. "Primeiro porque, ainda que hajam os incentivos normativos — como as cotas eleitorais de gênero, as destinações de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha —, o eleitorado precisa ser convencido da capacidade das mulheres de exercer a função pública que sempre lhe foi negada. O segundo motivo é que a representação pela identidade — de gênero, nesse caso —, por si só, não atrela a indicação do voto", explica a especialista, destacando que é possível que as mulheres se identifiquem com o programa político de um candidato homem. Como exemplo, Carla cita que mulheres votam em homens tanto porque não estão convencidas de que a política é um espaço feminino quanto porque eles incorporam em suas agendas de campanha pautas que sejam caras a elas, como a prorrogação da licença-maternidade, a construção de hospitais públicos especializados na saúde da mulher e a construção de creches.

Doutora Jane já esteve à frente de delegacias, de secretarias de Estado e agora ocupa uma cadeira na CLDF. Ela comenta que o maior desafio que ainda enfrenta é mostrar que, sendo mulher, e estando na política, ela também pode. "Não ser só número. Infelizmente, especialmente no processo político, algumas mulheres são só cotas. Eu não estou aqui cumprindo cotas. Estou aqui porque quero fazer política e tenho condições de fazer política e resolver demandas de mulheres de uma forma natural. Mas hoje ainda não é natural enxergar a mulher nesses espaços", ressalta a deputada.

Fazendo a diferença

Atualmente, no governo federal, de 37 ministérios, elas chefiam apenas 11, o que configura 29,7% do total (veja abaixo Onde elas estão). Já no governo do Distrito Federal, o percentual é ainda menor: das 24 secretarias de Estado, apenas seis — 25% — estão representadas pelo gênero. Uma delas é Giselle Ferreira, que assumiu o comando da pasta da Mulher em janeiro deste ano, após passar pela gestão da Secretaria de Esporte e Lazer, uma área predominadamente masculina. "A gente conseguiu entrar nesse campo e fez a diferença, como a igualdade entre os prêmios masculinos e femininos no esporte", conta. Para Giselle, a política do fundo partidário — que prevê o preenchimento mínimo de 30% de mulheres entre os candidatos por cada partido — diminuiu essa distância sexista. "Apesar disso, acredito que, com uma legislação que prevê cotas para eleitas em vez de candidatas, mais mulheres seriam abarcadas e fariam parte da política", defende.

Em 2022, dentre os 852 candidatos ao governo do DF, à Câmara Legislativa e ao Congresso Nacional, apenas 297 eram do sexo feminino, mesmo com a cota. Por conta da baixa representatividade, a cientista política Hannah Maruc atesta que as mulheres devem priorizar políticas públicas voltadas ao gênero. "Se um homem não passa diariamente por problemas relativos à sua segurança no transporte público, por exemplo, qual a chance dele, enquanto um dirigente do Executivo, priorizar essa questão? São muito mais baixas do que se estivesse ali uma pessoa que vivesse esse problema e tivesse conhecimento sobre suas especificidades e necessidades", conclui a especialista.

 

Duas perguntas para

Celina Leão, governadora em exercício do DF 

 

O que representa estar nesta posição de destaque, sendo uma mulher tão jovem? E qual foi, no início — e ainda tem sido hoje —, o seu maior desafio?

Comecei minha vida pública cedo, como secretária da Juventude no governo Roriz. Me acham muito jovem para assumir este cargo atual, mas eu comecei lá atrás, em Goiás, com minha mãe, que foi meu exemplo. É uma somatória de muito trabalho e muita luta que me fizeram chegar onde cheguei, como vice-governadora do Distrito Federal. Com certeza, na condição de mulher, enfrentamos muitos preconceitos na vida pública, mas eu superei. Acredito que as mulheres que nos olham percebem que podem chegar em qualquer cargo que elas gostariam de chegar.

A promoção de uma maior inserção feminina em posições de destaque dentro do governo será uma de suas marcas de gestão como vice-governadora?

Com certeza. Já estamos fazendo esse mapeamento. Já temos algumas mulheres em posição de destaque, como secretárias de Estado no nosso governo. Não somente isso, mas temos políticas públicas de combate à violência contra a mulher e também no fomento ao empreendedorismo feminino, na capacitação profissional. Temos todo um olhar nessa direção. Há um grupo de trabalho permanente, em rede, para que a gente possa avançar. Estou trabalhando inclusive em algumas implementações de leis federais que foram aprovadas por mim na Câmara Federal, como coordenadora da bancada feminina. Há um trabalho árduo nesse sentido e com entusiasmo de todo o grupo em aprimorar o que já temos implantado no DF. É uma política transversal, que envolve todo o governo e acho que vamos conseguir fazer — a curto, médio e longo prazo — uma diferença, que é cultural e, para isso, vamos trabalhar inicialmente pela educação.

 

Onde elas estão

 

EXECUTIVO 

GOVERNADORAS ELEITAS

Fátima Bezerra (PT-RN)

Raquel Lyra (PSDB-PE)

GOVERNADORA EM EXERCÍCIO DO DF

Celina Leão (PP)

MINISTRAS

Ana Moser (Esporte)

Anielle Franco (Igualdade Racial)

Cida Gonçalves (Mulheres)

Daniela do Waguinho (Turismo)

Esther Dweck (Gestão e Inovação)

Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovações)

Margareth Menezes (Cultura)

Marina Silva (Meio Ambiente)

Nísia Trindade (Saúde)

Simone Tebet (Planejamento)

Sonia Guajajara (Povos Indígenas)

SECRETÁRIAS DE ESTADO DO DF

Ana Paula Marra (Desenvolvimento Social)

Claryssa Roriz (Atendimento à Comunidade)

Giselle Ferreira (Mulher)

Hélvia Paranaguá (Educação)

Lucilene Florêncio (Saúde)

Marcela Passamani (Justiça)

 

LEGISLATIVO

 

SENADORAS DO DF

Damares Alves (Republicanos)

Leila do Vôlei (PDT)

DEPUTADAS FEDERAIS DO DF

Bia Kicis (PL)

Érika Kokay (PT)

DEPUTADAS DISTRITAIS

Dayse Amarilio (PSB)

Doutora Jane (Agir)

Jaqueline Silva (Agir)

Paula Belmonte (Cidadania)

 

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  •  02/02/2023 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Cidades.Entrevista com a secreataria da Mulher do Gov do DF, Giselle Ferreira.
    02/02/2023 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Cidades.Entrevista com a secreataria da Mulher do Gov do DF, Giselle Ferreira. Foto: Ed Alves/CB/DA.Press
  •  01/02/2023 Crédito: Paulo Henrique Carvalho/Agencia Brasilia. Governadora em exercício Celina Leão participou da sessão solene de abertura do ano judiciário de 2023, do Supremo Tribunal Federal, nesta quarta-feira (1°).
    01/02/2023 Crédito: Paulo Henrique Carvalho/Agencia Brasilia. Governadora em exercício Celina Leão participou da sessão solene de abertura do ano judiciário de 2023, do Supremo Tribunal Federal, nesta quarta-feira (1°). Foto: Paulo Henrique Carvalho/Agencia Brasilia
  • Érika Koky, deputada federal (PT-DF)
    Érika Koky, deputada federal (PT-DF) Foto: Divulgação
  •  Crédito: Camara Legislativa do DF/Divulgação. Distritais 2023. Doutora Jane
    Crédito: Camara Legislativa do DF/Divulgação. Distritais 2023. Doutora Jane Foto: Camara Legislativa do DF/Divulgação
  • Leila do Vôlei, senadora
    Leila do Vôlei, senadora Foto: Reprodução
  • Celina Leão, governadora em exercício do DF
    Celina Leão, governadora em exercício do DF Foto: Renato Alves Agência Brasília

DUAS PERGUNTAS PARA...

O que representa estar nesta posição de destaque, sendo uma mulher tão jovem? E qual foi, no início — e ainda tem sido hoje —, o seu maior desafio?

Comecei minha vida pública cedo, como secretária da Juventude no governo Roriz. Me acham muito jovem para assumir este cargo atual, mas eu comecei lá atrás, em Goiás, com minha mãe, que foi meu exemplo. É uma somatória de muito trabalho e muita luta que me fizeram chegar onde cheguei, como vice-governadora do Distrito Federal. Com certeza, na condição de mulher, enfrentamos muitos preconceitos na vida pública, mas eu superei. Acredito que as mulheres que nos olham percebem que podem chegar em qualquer cargo que elas gostariam de chegar.

A promoção de uma maior inserção feminina em posições de destaque dentro do governo será uma de suas marcas de gestão como vice-governadora?

Com certeza. Já estamos fazendo esse mapeamento. Já temos algumas mulheres em posição de destaque, como secretárias de Estado no nosso governo. Não somente isso, mas temos políticas públicas de combate à violência contra a mulher e também no fomento ao empreendedorismo feminino, na capacitação profissional. Temos todo um olhar nessa direção. Há um grupo de trabalho permanente, em rede, para que a gente possa avançar. Estou trabalhando inclusive em algumas implementações de leis federais que foram aprovadas por mim na Câmara Federal, como coordenadora da bancada feminina. Há um trabalho árduo nesse sentido e com entusiasmo de todo o grupo em aprimorar o que já temos implantado no DF. É uma política transversal, que envolve todo o governo e acho que vamos conseguir fazer — a curto, médio e longo prazo — uma diferença, que é cultural e, para isso, vamos trabalhar inicialmente pela educação.

ONDE ELAS ESTÃO

EXECUTIVO

 

GOVERNADORAS ELEITAS

Fátima Bezerra (PT-RN)

Raquel Lyra (PSDB-PE)

 

GOVERNADORA EM EXERCÍCIO DO DF

Celina Leão (PP)

 

MINISTRAS

Ana Moser (Esporte)

Anielle Franco (Igualdade Racial)

Cida Gonçalves (Mulheres)

Daniela do Waguinho (Turismo)

Esther Dweck (Gestão e Inovação)

Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovações)

Margareth Menezes (Cultura)

Marina Silva (Meio Ambiente)

Nísia Trindade (Saúde)

Simone Tebet (Planejamento)

Sonia Guajajara (Povos Indígenas)


SECRETÁRIAS DE ESTADO DO DF

Ana Paula Marra (Desenvolvimento Social)

Claryssa Roriz (Atendimento à Comunidade)

Giselle Ferreira (Mulher)

Hélvia Paranaguá (Educação)

Lucilene Florêncio (Saúde)

Marcela  Passamani  (Justiça)

 

LEGISLATIVO


SENADORAS DO DF

Damares Alves (Republicanos)

Leila do Vôlei (PDT)

 

DEPUTADAS FEDERAIS DO DF

Bia Kicis (PL)

Érika Kokay (PT) 

 

DEPUTADAS DISTRITAIS

Dayse Amarilio (PSB)

Doutora Jane (Agir)

Jaqueline Silva (Agir)

Paula Belmonte (Cidadania)


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