ASSÉDIO

Aumenta número de denúncias por assédio sexual e moral no trabalho

Este ano, chegaram ao Ministério Público do Trabalho 18 denúncias, o equivalente a 54,5% do total registrado em 2022. Nos órgão públicos do DF, foram recebidas 181 reclamações, de janeiro a abril de 2023

Mariana Saraiva
postado em 04/05/2023 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

As mulheres lutaram por muito tempo para que pudessem ocupar espaço em ambientes corporativos e conquistar a independência financeira. Mas ainda existem obstáculos a serem vencidos nessa trajetória de luta, entre eles, o assédio sexual e moral no trabalho. Neste ano, chegaram ao Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal (MPT-DF) 18 denúncias, sendo que, dessas, 10 se tornaram inquérito civil, de acordo com o órgão. O dado preocupa, porque corresponde a 54,5% do total de 33 denúncias registradas no ano passado inteiro, quando 15 delas viraram alvo de inquérito civil.

Em órgãos da administração pública distrital, de acordo com informações da Comissão Especial de Combate e Prevenção ao Assédio no DF, até abril deste ano, foram registradas 181 denúncias de assédio moral ou sexual. A chefe da Assessoria de Apoio aos Julgamentos da Controladoria-Geral do DF (CGDF), Michelle Heringe, afirmou ao Correio que o silêncio reforça o poder do abusador. "Costumo dizer que o combate ao assédio começa com a conscientização. Os servidores precisam entender, de forma clara, o que caracteriza o assédio, para que consigam denunciá-lo", avaliou Michelle, que também é membro da Comissão Especial de Combate e Prevenção ao Assédio no DF.

Constrangimento

Uma assessora jurídica, de 25 anos, relata que, quando trabalhava no Ministério da Agricultura, durante uma reunião com ela e outras colegas, o chefe fez ofensas direcionadas à aparência física delas. "Ele disse que, durante a época da faculdade, tinha uma colega igual a mim, bonita, porém burra. Para a outra moça, ele disse que ela precisava emagrecer porque estava feia. Sugeriu, ainda, que outra fizesse harmonização facial, pois tinha o rosto muito redondo. Ele conseguiu deixar todas nós com a autoestima detonada", lamenta.

Outra situação é a de uma produtora, de 25 anos, vítima de assédio sexual quando trabalhava em um tribunal do DF. "Ele é uma pessoa muito querida por todos e sempre faz piadas com todos em voz alta, inclusive de cunho sexual. Só que chegou a um ponto em que ele começou a me chamar para sair, e eu tentava cortar as investidas. Ele me mandava mensagens quando eu chegava dizendo que eu estava bonita. Ficava tentando alisar a minha mão. Depois, descobri que ele também fez isso com uma estagiária", revela.

Prevenção

A Lei 14.457/22, promulgada em setembro de 2022, propôs medidas de prevenção e combate ao assédio e à violência no ambiente de trabalho. As empresas precisaram adotar regras comportamentais específicas. A advogada especialista em direito do trabalho Paula Borges explica que os meios de denúncia mais indicados são via MPT ou por meio do sindicato da categoria. O caso também pode ser relatado por meio de ajuizamento de ação trabalhista. "Caso faça a denúncia para o MPT, ele vai fazer a apuração, que pode gerar diversas consequências para empresa, como sanções e multas", completa.

No Código de Ética e Conduta — combate aos assédios e discriminação no trabalho, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), há uma distinção entre os tipos de abuso. O assédio moral fere a dignidade psíquica do ser humano pela exposição de pessoas a situações humilhantes e constrangedoras no ambiente de trabalho. O assédio sexual atenta contra a liberdade sexual do indivíduo — o assediador usa sua posição hierárquica para cometer atos de perseguição e importunação.

A secretária de Estado da Mulher do DF, Giselle Ferreira, alerta que as mulheres devem denunciar. "Essas mulheres precisam saber que existe uma rede de acolhimento no governo, e que elas podes se sentir seguras para denunciarem os assediadores. Além disso, podem ligar no 180 para relatar o caso", destacou a secretária.

Sequelas

A neuropsicologia Nathalie Gudayol explica que esse tipo de comportamento pode gerar sequelas graves para a saúde mental e emocional das vítimas, como ansiedade, depressão e isolamento social. "Uma das principais causas do assédio é a falta de empatia e respeito pelo outro associada a uma cultura machista e violenta que, muitas vezes, é incentivada em alguns ambientes sociais. Além disso, pode ser motivado por questões de preconceito, seja pela aparência física, condição social, orientação sexual ou gênero. É preciso consciencizar sobre a gravidade desse problema", ressalta.

Foi o que aconteceu com uma técnica de enfermagem e servidora da Secretaria de Saúde do DF que desenvolveu a síndrome de Bournout (distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastantes). Ela se afastou do trabalho e, posteriormente, foi aposentada de forma compulsória. "Tudo começou durante o período eleitoral, e nós tínhamos opiniões diferentes. Essa colega publicava ofensas direcionas a mim, no Facebook. Tudo que eu fazia dizia que estava errada, me sentia perseguida. Chegou um momento em que eu saia de casa para trabalhar com medo, porque sabia que teria uma pessoa observando cada passo meu no trabalho, apenas para criticar, atacando todos os meus comentários e politizando tudo", recorda.

Para a psicóloga comportamental Jhanda Siqueira, a principal sequela do abuso moral e sexual é principalmente o abalo na autoestima. "Essas situações geram dúvidas nas mulheres, porque elas se questionam se estão naquele cargo pelo merecimento ou por um interesse sexual daquele abusador. E, quando é moral, elas se questionam sobre a competência delas, se perguntam se estão sendo humilhadas ou desrespeitadas por não desempenharem bem as atribuições designadas", analisa.

Os nomes das vítimas não foram revelados nesta matéria a pedido delas.

Exemplos de assédio moral no trabalho

  • Interferir no planejamento familiar das mulheres, exigindo que não engravidem.
  • Desconsiderar recomendações médicas às gestantes na distribuição de tarefas.
  • Falar com a pessoa aos gritos.
  • Ameaçar com violência física.
  • Desconsiderar ou ironizar as decisões da pessoa.
  • Fazer a escuta de ligações telefônicas, leituras de e-mails ou correspondências.
  • Isolar fisicamente a pessoa do ambiente de trabalho, tornando difícil a comunicação com os demais membros da equipe.
  • Contestar, a todo momento, as decisões da pessoa.
  • Impor condições e regras de trabalho personalizadas, diferentes das que são cobradas aos demais integrantes da equipe, mais trabalhosas ou mesmo inúteis.
  • Não atribuir atividades à pessoa, deixando-a sem quaisquer tarefa a cumprir, provocando sensação de inutilidade e incompetência.

Exemplos de assédio sexual no trabalho

  • Contar piadas de caráter obsceno e sexual.
  • Mostrar ou partilhar imagens explicitamente sexuais.
  • Telefonemas ou mensagens de natureza sexual.
  • Avaliar pessoas pelos seus atributos físicos.
  • Comentários sexuais sobre a forma de se vestir.
  • Assobiar, fazer sons ou gestos inapropriados.
  • Ameaçar para obter vantagem sexual.
  • Tocar, abraçar ou beijar sem permissão.
  • Olhar de forma ofensiva.

Fonte: TJDFT

 

 

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