SAÚDE PÚBLICA

Pesquisadores da UnB destacam a ciência no combate à dengue

Professores da UnB, Bergamnn Ribeiro e Wildo Navegantes participam do Podcast do Correio, destacam a importância da ciência nas ações contra o Aedes aegypti e cobram comprometimento da indústria farmacêutica

 Bergmann Ribeiro (virologista) e Wildo Navegantes (epidemiologista) tiraram dúvidas sobre a dengue e falaram de pesquisas para o combate à doença, que já matou 78 pessoas na capital, em 2024 -  (crédito:  <<<>>>                              )
Bergmann Ribeiro (virologista) e Wildo Navegantes (epidemiologista) tiraram dúvidas sobre a dengue e falaram de pesquisas para o combate à doença, que já matou 78 pessoas na capital, em 2024 - (crédito: <<<>>> )
postado em 06/03/2024 05:00

Professores da Universidade de Brasília (UnB), o virologista Bergmann Ribeiro e o epidemiologista Wildo Navegantes foram os convidados do episódio desta terça-feira (5/3) do Podcast do Correio.

Em uma conversa comandada pelas jornalistas Mariana Niederauer e Adriana Bernardes, os dois especialistas tiraram dúvidas sobre a dengue e falaram de pesquisas que podem ajudar no combate à doença, que matou, até agora, 78 pessoas na capital este ano, de acordo com o último boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria de Saúde.

O professor Bergmann faz um trabalho de pesquisa sobre os arbovírus, sobretudo aqueles que conseguem infectar os seres humanos, como os vírus da zika, da chikungunya e o da própria dengue. Por meio do estudo, o pesquisador tenta entender como esses vírus estão mudando ao longo do tempo e os possíveis tratamentos de pessoas infectadas por eles. "A gente trabalha com extratos de plantas do cerrado para tentar isolar uma molécula capaz de tratar uma pessoa que tenha dengue, por exemplo", detalha.

Bergmann destaca que vários estudos identificaram as moléculas presentes em vegetais, como alho e gengibre, que têm propriedades antivirais. "Não houve, até o momento, nenhum interesse da indústria farmacêutica de ir além para produzir sinteticamente um remédio. Existe uma fonte muito grande de moléculas capazes de tratar várias doenças que estão aí, inclusive a dengue. Falta realmente um investimento maior para descobrir essas moléculas e desenvolver remédios a partir delas", observa.

No entanto, o pesquisador alerta que ingerir essas plantas ou produtos derivados delas não são medidas comprovadamente eficazes contra os vírus, como as garrafadas, comumente vendidas em feiras. "Você não sabe o que tem ali. Pode ter ali uma substância capaz de induzir mutação genética e causar um câncer. Então não é para se tomar qualquer coisa. Tem que tomar um remédio que foi testado em laboratório, testados em animais ou pessoas, porque beber alguma coisa sem saber o que tem ali é um tiro no escuro", adverte.

Epidemia

O professor Wildo Navegantes discorreu sobre as causas da grave epidemia de dengue que tem feito vários estados, além do DF, decretarem estado de emergência, por conta dos altos níveis de contágio. Na capital, a taxa de infecção é considerada alta em 28 das 35 regiões administrativas. Ele ressalta que a maioria das regiões que passam pelo problema da alta de casos de dengue tem fragilidades em relação ao saneamento básico, com ausência de esgotamento sanitário, oferta de água de qualidade e descarte adequado do lixo.

"Eu sempre falo: 10 minutos por semana inspecionando a casa ajudam bastante a reduzir a infestação local. Então, tem uma parte de negligência das pessoas e não só do setor público, ou seja, do Sistema Único de Saúde e de outros órgãos de outras áreas. A instituição responsável pela parte de saneamento não é da área da saúde. Tem que haver uma governança melhor na estratégia de controle da doença", avalia.

Wildo também chama atenção para a necessidade de o Poder Público agir de maneira mais preventiva, não esperando que os casos de dengue de fato explodam. "Não adianta agir depois que a dengue estourou. Isso, na verdade, vai reduzir danos. O ideal é que a ação seja feita muito antes para evitar que a infestação aconteça antes do período chuvoso", aponta. O epidemiologista informa que os ovos postos pelos mosquitos fêmeas já são infectados pelo vírus. O mosquito não adquire o vírus apenas quando pica alguém infectado pelo vírus.

Entre as principais medidas de redução de danos da epidemia de dengue, o Wildo Navegantes elenca a eliminação dos resíduos disponíveis para proliferação do mosquito, não permitindo que haja áreas vulneráveis e com disposição de lixo. Outra medida é a população procurar, assim que sentir os sintomas da dengue, o sistema de saúde, que deve se preparar para receber esses pacientes e ter agentes comunitários que ajudem a localizar indivíduos que estão doentes mas que não procuraram uma unidade médica.

Vacinação

Sobre a vacina, Wildo destaca que o imunizante não vai resolver toda a crise sanitária. Um dos motivos é que ainda não há doses suficientes para toda a população. O outro motivo que é o Aedes aegypti não transmite apenas a dengue, mas também febre amarela, zica e chikungunya.

Em pesquisa da qual Navegantes participa, feita entre 2018 e 2019 com mães de crianças de até 5 anos, em parceria com outras universidade do país, mostra que, diferentemente de outras capitais brasileiras, a queda na cobertura vacinal, após seis meses de vida do bebê, ocorre principalmente nas classes A e B, ou seja, em famílias que têm acesso à educação e ao sistema de saúde, inclusive o privado. São pessoas instruídas que deixam os filhos desprotegidos de doenças que há vários anos foram erradicadas da sociedade como poliomielite, rubéola e sarampo. "Quando tivermos uma oferta maior de vacinas, se não tivermos adesão da população, será traumático, porque é um esforço grande e um custo alto", teme o professor, que aposta no imunizante como forma de controlar os casos de dengue e lembra que o Brasil tem o melhor programa nacional de imunização do planeta. 

Perguntado sobre ações que possam reconduzir o Brasil para a consciência da importância da vacinação, após difusão de fake news e negacionismo científico observados nos últimos anos, Wildo Navegantes aposta no trabalho dos meios de comunicação e em mecanismos que coíbam a disseminação desse tipo de informação por meio de órgãos de controle, como o Ministério Público.

Outra solução para combater as campanhas negacionistas é investir na educação escolar das crianças. "Eu aposto muito na educação infantil e na educação dos adolescentes para que tenhamos, em um breve futuro, agentes-mirins. Dentro de casa, serão agentes de controle de doenças", sugere o pesquisador.

Dengue grave

A jornalista Mariana Niederauer lembrou que o termo "dengue hemorrágica" não é mais considerado adequado para denominar os casos mais graves da doença. Bergmann explica que o vírus da dengue afeta a permeabilidade dos vasos sanguíneos, fazendo com que o líquido saia deles, podendo haver sangramentos. "A dengue faz com que o sistema imunológico fique exacerbado, da mesma forma que a covid. Faz aquela tempestade chamada de citocina, molécula que avisam outras células de algo está acontecendo e que é preciso se defender. Mas se houver citocinas em excesso, acaba debilitando o próprio corpo, atrapalhando a sua defesa", explica o virologista.

Hemorragia é um dos casos de gravidade, mas, de acordo com Wildo Navegantes, há outros sinais que também indicam gravidade da dengue. "Vômito, dor no abdômen e sangramentos na gengiva", enumera o epidemiologista. "A dica é: sentiu qualquer um desses sinais de gravidade? Busca o sistema de saúde. Eu  recomendaria que quem está com dengue não fique em casa, vá para uma unidade de saúde", recomenda.

"É super estratégico que a saúde se organize nas redes pública e privada para que haja ambulatórios para dar conta dessa demanda, porque a gente já sabe que os casos estão aumentando e deverão aumentar ainda mais por algum período. Nós temos  que, de fato, organizar os centros de saúde", complementa. 

 

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação