Segunda mulher negra a ser empossada como ministra na história do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a advogada Vera Lúcia Santana Araújo, 64 anos, é um exemplo de que, nem sempre, a primeira impressão é a que fica. A magistrada chegou a Brasília em 1978, para estudar direito. “É bem verdade que nos meus dois primeiros anos não gostava da cidade. Sentia muita falta do que eu estava começando a vivenciar em Salvador, de uma legítima rebeldia de contestação à ditadura militar vigente à época”, revela.
Além disso, Vera Lúcia contou que fazia teatro amador na capital baiana. “Ou seja, tinha uma vida cultural e política muito ativa por lá, que os meus primeiros anos de Brasília não me propiciaram, e isso me impactou muito fortemente”, pontuou. “Só que um dia decidi que eu não ia continuar sofrendo além do necessário por não gostar de Brasília. Falei que, até terminar meu curso, ficaria em paz na cidade. Mas a paz foi tão grande que estou aqui até hoje”, brinca a ministra.
Comenta que também se permitiu integrar à cidade. “No Ceub, onde cursava direito, comecei a me relacionar com colegas que também tinham uma ideia de liberdade e democracia”, diz. “Passei a atuar no movimento estudantil, fui da direção do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito e fui representante discente junto ao Conselho Departamental da faculdade”, detalha Vera Lúcia. “A minha integração à vida política teve um apelo fundamental para que eu viesse a me apaixonar por Brasília”, ressaltou.
Para a ministra do TSE, um dos locais marcantes durante sua trajetória é a Defensoria Pública, à época em que ficava em Taguatinga. “Estagiei lá e acho que foi crucial para a minha formação jurídica. Tinha esse interesse na advocacia e, por lá, passei a ter contato direto com juízes e promotores, como a atual ministra do STJ Nancy Andrighi”, avaliou.
"Ter vivido em Brasília no período em que eu vivi, sendo ativa em todos os processos democráticos, foi o que garantiu ter esse assento aqui no Tribunal Superior Eleitoral, não tenho a menor dúvida disso" Vera Lúcia Santana Araújo, ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
Luta pela democracia
Questionada sobre como Brasília a auxiliou para que chegasse até onde está, a magistrada destaca sua participação no processo pelo fim da ditadura militar. “Fazer essas coisas, estando na capital da República e, na época, digamos que Brasília era uma cidade pequena, isso, indiscutivelmente, fez toda a diferença”, observou.
“Se eu estivesse numa cidade grande, seria muito mais anônima, principalmente por ser uma pessoa negra, sem nenhuma tradição de família, sem o berço que as elites brancas traziam, e o mundo do direito é marcado por isso”, argumenta. “Por isso, ter vivido em Brasília no período em que eu vivi, sendo ativa em todos os processos democráticos, foi o que garantiu ter esse assento aqui no Tribunal Superior Eleitoral, não tenho a menor dúvida disso”, crava.
Mas a ministra lembra que a realização de alguns sonhos segue pendente. “Imagino uma cidade inclusiva, menos elitista, menos racista e efetivamente democrática, que nos acolha, que nos abrigue e que seja de todas as brasileiras e brasileiros”, afirma.
Isso só deve começar a ocorrer, na visão da magistrada, por meio de maior representatividade na Câmara Legislativa (CLDF). “Isso é fundamental. Tenho o desejo de que a nossa Câmara Legislativa seja cada vez mais representativa das nossas minorias”, diz. “Eu que lutei tanto pela representação política do Distrito Federal, sinto, como cidadã, esse vácuo de representatividade, e ela precisa ser a marca da nossa democracia”, lamenta. “Mas estou muito confiante — até por ser muito apaixonada por Brasília — de que isso vai melhorar com o passar das eleições."
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