A extravagância e a folia das quadrilhas que embalam as festas juninas revelam o poder de uma tradição que segue viva na capital federal. Mais do que uma manifestação artística, as quadrilhas juninas promovem encontros transformadores entre os participantes, que descobrem, por meio da música, da dança e da amizade, novas formas de se expressar e se relacionar. Guiados pelo forró que anuncia o São João, os quadrilheiros revelaram ao Correio como o movimento junino do Distrito Federal catalisou mudanças profundas em suas vidas.
A frase "Dançar é como sentir o coração bater na ponta do pé" estampa a camisa da Quadrilha Arroxa o Nó. Vestindo a peça, Thayná Regina da Silva Costa, de 34 anos, percorre quase 60km todos os fins de semana, saindo de sua casa, em Valparaíso de Goiás (GO), para participar dos ensaios do grupo junino no Paranoá (DF). Para ela, "dançar ameniza a dor da alma", depois de anos enfrentando depressão severa.
"Durante a infância, eu fazia acompanhamento psicológico e tomava medicação para me acalmar, porque sofria muito de ansiedade e crises depressivas", recordou Thayná. A analista de ouvidoria viveu sua fase mais delicada em 2016, quando passou uma semana internada em uma clínica psiquiátrica após uma tentativa de suicídio. "Depois que fui internada, decidi que só eu poderia me curar e procurei outros meios para isso. A dança foi um deles", observou. Naquele mesmo ano, a moça decidiu entrar para a Arroxa o Nó, com o incentivo do irmão, Tiago Henrique da Silva Costa, membro há 12 anos do coletivo.
No começo, Thayná sentiu-se intimidada pela rapidez das coreografias da quadrilha que, em suas palavras, "é uma dança muito forte". Avançando dos ensaios para as primeiras competições, ela percebeu que o grupo a ajudava a perder o medo de se expor. "Atualmente, acho gratificante entrar no arraial e sentir que as pessoas se arrepiaram com a apresentação. Quando comecei na quadrilha, eu me sentia invisível, mas dançando eu não sou", exaltou.
A sensação de ser invisível também foi experimentada por Sandra de Sousa Nogueira, 51 anos, durante a infância. O período das festas juninas era o que ela menos gostava quando criança, porque não era escolhida para ser o par de ninguém. "Sou uma mulher negra retinta, e foi ali que eu comecei a entender quem eu sou, porque os meninos não queriam dançar comigo", afirmou. "Só consegui nomear que sofri racismo aos 18 anos, porque, até então, era só muito doloroso ser preterida", lamentou Sandra.
Da educação infantil até o quinto ano do ensino fundamental, Sandra nunca havia participado de uma festa junina da escola. Com o passar dos anos, no entanto, a professora de educação física foi criando carinho pelos arraiais, acompanhando a participação dos filhos em competições de quadrilhas juninas. A reviravolta aconteceu cerca de um ano e meio atrás, quando ela inscreveu o filho caçula, Cledeilson Júnior Lima, 13, na Quadrilha Ribuliço, de Ceilândia.
Sandra prometeu a si mesma que, se o filho fosse aceito no grupo, ela se tornaria quadrilheira no mesmo ano — e assim aconteceu. "No primeiro dia do ensaio comecei a perceber que eu estava superando o meu trauma. Foi dançando que eu entendi minha história de infância", refletiu. Além de Cledeilson, Sandra também dança na Ribuliço com a filha Evelyn Abreu, 22. "Decidi que aquele seria o meu presente de 50 anos", completou.
Acolhimento
Os dois irmãos de Izabela Cristina Ferreira de Jesus, 16 anos, costumavam levar a irmã para assistir aos ensaios e apresentações das quadrilhas das quais participam. Tímida, a jovem desejava fazer parte da dança, mas ficava de fora, observando. Ela tem uma deficiência nas mãos e nos pés, e nem sempre se sentiu confortável em grupos de dança. "Isso não me prejudica para dançar, mas, antes, eu tinha muito preconceito comigo mesma", revelou.
Ao longo da adolescência, Izabela enfrentou problemas psicológicos graves e, no início deste ano, seus pais indicaram que ela começasse a praticar alguma atividade para evitar o isolamento e cultivar novos interesses. Conforme a estudante conheceu a quadrilha Pula Fogueira, do Paranoá, o acolhimento que recebeu dos quadrilheiros a ajudou a encontrar um lugar onde se sente pertencente, o que fez toda a diferença.
"Quando estou na quadrilha consigo ser eu mesma. Antes, eu era muito sozinha, saía de casa só para ir à escola. Entrar no movimento junino me ajudou bastante, porque comecei a me abrir mais e a fazer amizades", contou. A mãe dela, Adriana Ferreira, 48, ressaltou que a cada apresentação, vê a filha mais envolvida. "Eu vejo a dedicação dela e isso me fez olhar para a quadrilha de outra maneira. Recomendo para as famílias que coloquem os jovens para participar", sugeriu.
Izabela dá o melhor de si nos ensaios e enfatiza que a relação entre os membros da quadrilha funciona como uma grande rede de apoio, que transcende as festas juninas. "Estamos sempre pensando em um ajudar o outro. Se alguém está tendo problemas, a quadrilha tenta ajudar no que pode", disse. "Quando estou com meu par, fazemos o nosso melhor no ensaio para mostrar algo bonito. Temos uma conexão que vai além da quadrilha, colocamos nosso amor naquela apresentação", acrescentou a estudante.
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br