VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Depoimentos de filhos das vítimas ajudarão a esclarecer ataque de delegado

Delegado Mikhail Rocha, que estava afastado por problemas de saúde mental, atirou contra a mulher, a empregada da residência e uma enfermeira, em um provável ataque de surto

Após disparos na residência, localizada no Jardim Botânico, que atingiram sua esposa e a empregada, o delegado acabou se dirigindo a um hospital para socorrer o filho. No local, ao reclamação do atendimento, efetuou um disparo contra uma enfermeira -  (crédito:  Reproduçao)
Após disparos na residência, localizada no Jardim Botânico, que atingiram sua esposa e a empregada, o delegado acabou se dirigindo a um hospital para socorrer o filho. No local, ao reclamação do atendimento, efetuou um disparo contra uma enfermeira - (crédito: Reproduçao)

Terror e pânico tomaram conta da manhã de quinta-feira (16/1) no Distrito Federal, quando um delegado da Polícia Civil (PCDF) protagonizou um ataque violento. Aparentemente em surto, Mikhail Rocha e Menezes, de 46 anos, efetuou disparos de arma de fogo contra três mulheres: a companheira dele, Andréa Rodrigues Machado, 40 anos; a empregada doméstica Oscelina Moura Neves de Oliveira, 45; e a enfermeira Priscila Pessoa, 45. Até o fechamento desta edição, as vítimas permaneciam internadas em estado grave. As investigações agora se concentram nos motivos que causaram esse ataque de fúria. Depoimentos de duas testemunhas, que são os filhos de Oscelina, de 14 anos; e de Mikhail, de 7, estavam na casa e podem auxiliar nas investigações.

Por volta das 9h30 de ontem, a polícia recebeu um chamado para uma situação de disparos de arma de fogo em um condomínio luxuoso do Jardim Botânico, o Santa Mônica. Quando as equipes chegaram, depararam-se com duas mulheres feridas por armas de fogo. De acordo com as investigações, Mikhail tomava café da manhã na cozinha junto à esposa e ao filho. Próximos ao cômodo, estavam a empregada e o filho dela. Em determinado momento, o delegado começou a falar sozinho, pegou a arma e atirou contra a mulher e a funcionária.

Após os tiros, Mikhail pegou o filho e o cachorro da família e saiu do residencial em um carro preto, conforme registraram as câmeras de segurança do condomínio. O policial dirigiu cerca de 7km até chegar ao Hospital Brasília do Lago Sul. Uma testemunha ouvida pelo Correio relatou que o homem exigia atendimento prioritário ao filho, que estava ferido por estilhaços dos tiros. A enfermeira-chefe do pronto-socorro o informou que ele deveria preencher uma ficha cadastral. Irritado com a demora, sacou a arma e baleou Priscila Pessoa no pescoço e no ombro. Outra versão é de que o homem entrou no hospital com o cachorro e foi repreendido pela enfermeira de que era proibido a entrada de animais no local.

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Prisão

Depois de deixar o hospital, a suspeita é de que Mikhael voltaria para a casa, pelo trecho que trafegava. Policiais militares patrulhavam na região, quando receberam as informações de que o carro do delegado estava na via. O major Rapha Brooke, porta-voz da PMDF, informou que os militares montaram um cerco. "Não tínhamos muita informação e, logo depois, soubemos sobre um homem armado que teria efetuado um disparo no hospital. As equipes da Patamo e do Grupamento Motociclístico o abordaram. Todo o cuidado foi adotado", declarou.

Mikhail foi detido na altura da QI 23 do Lago Sul. O delegado estava em posse de duas armas de fogo: uma Glock 9 mm, da PCDF; e uma .40 Taurus. A PMDF encaminhou o filho dele e o cachorro para os familiares. Eles passam bem. O delegado foi levado à Corregedoria da PCDF, onde foi registrada a ocorrência. A princípio, Mikhail vai responder por duas tentativas de homicídio e uma tentativa de feminicídio. Ele deve passar por audiência de custódia hoje. Os filhos de Mikhail e Oscelina vão prestar depoimento especial na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA).

O estado de saúde das vítimas é delicado. Até o fechamento desta edição, Andréa, Oscelina e Priscila permaneciam internadas em estado grave. A esposa de Mikhail e a funcionária da residência foram para o Hospital de Base. A enfermeira passou por cirurgia no Hospital Brasília. Em nota, o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde (IgesDF) informou que as pacientes se encontram sob os cuidados da equipe médica, mas que não pode repassar mais informações.

No entanto, o Correio apurou que Oscelina perdeu um rim e parte do estômago após os disparos. A informação foi repassada ao Correio em primeira mão pelo marido dela, Davi Ribeiro Roque (leia na página 14). Uma fonte do Hospital Brasília relatou que a enfermeira está estável. Priscila passou por cirurgia, foi avaliada pelo cirurgião torácico e vascular, e, no meio da tarde, passou por uma nova avaliação por parte do neurocirurgião devido a fragmentos do projétil que atingiram a coluna cervical.

Saúde mental

Uma análise preliminar da Polícia Civil indica que Mikhael agiu ao entrar em surto. O delegado apresentou um atestado médico emitido por um profissional particular na terça-feira passada por problemas de saúde mental. Entidades da PCDF se manifestaram sobre o caso e chamaram a atenção para os índices de adoecimento mental entre policiais civis e delegados da corporação e afirmou que a tragédia escancara a face real do problema.

O Sindicato dos Delegados de Polícia Civil (Sindepo-DF) e o Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol-DF) publicaram, nas notas oficiais, um estudo feito em 2023, que mostra a porcentagem de policiais civis que relataram sintomas de depressão e ansiedade. O levantamento revelou um percentual de 74,4%, embora apenas 42,7% tenham buscado apoio psicológico ou psiquiátrico.

De acordo com o Sinpol-DF, cerca de 400 policiais civis apresentam atestados médicos por afastamento decorrente de transtornos mentais todos os anos, conforme informações do Departamento de Gestão de Pessoas (DGP) da PCDF, analisadas pelo sindicato.

Para o presidente do Sinpol-DF, Enoque Venâncio de Freitas, o adoecimento mental dos policiais é resultado de uma combinação de fatores, sendo o principal o excesso de trabalho para manter as delegacias operando 24 horas por dia, em grande parte, devido ao Serviço Voluntário Gratificado (SVG). "Com a defasagem salarial e o acúmulo inflacionário dos últimos anos, os policiais civis e delegados do DF recorrem ao SVG para sustentar suas famílias e evitar o superendividamento. Contudo, isso significa abrir mão do tempo de descanso e das folgas, o que inevitavelmente afeta a saúde mental. A mente humana tem seus limites, e as consequências são sempre as piores", destaca Freitas.

O presidente expressou solidariedade às vítimas e reforçou que a tragédia é reflexo de um problema mais amplo, que exige atenção e ações efetivas. "É uma realidade cruel, oculta e silenciosa."

Rotina de medo que precisa cessar

Logo no início deste ano, em 5 de janeiro, Ana Moura Virtuoso, de 27 anos, foi morta pelo companheiro, Jadyson Soares da Silva, 41, com quem mantinha um relacionamento conturbado havia mais de quatro anos. Esfaqueada na Chácara Santa Luzia, na Estrutural, Ana foi socorrida por populares, que buscaram ajuda na 8ª Delegacia de Polícia (Estrutural).  

Militares do Corpo de Bombeiros foram acionados e prestaram os primeiros socorros à vítima, que estava em parada cardiorrespiratória. Apesar dos esforços de reanimação, por cerca de 40 minutos, Ana não resistiu.  

O delegado da 8ª DP, Horácio Neto, informou que Ana Moura registrou quatro ocorrências por agressões físicas e ameaças contra Jadyson. Além disso, uma ex-companheira do agressor também fez três boletins de ocorrência contra ele.  Em 2023, Jadyson foi preso em flagrante por crimes previstos na Lei Maria da Penha, envolvendo lesão corporal, e receptação, mas foi absolvido.  

O casal morava com os filhos. A mãe e a irmã de Ana residiam nas proximidades. Segundo o delegado, as brigas entre o casal eram frequentes, a ponto de familiares, vizinhos e até os filhos se acostumarem com os conflitos. O autor do crime permanece preso.

Tentativas  

Após o primeiro caso no início do ano, outras duas mulheres foram vítimas de tentativas de feminicídio nesta semana. Na segunda-feira, Karolyne dos Santos Silva, 29 anos, foi esfaqueada por João Paulo de Oliveira Costa Pereira, 33, que dopou os filhos do casal, de 5 e 9 anos, com o medicamento Rivotril. João Paulo usava tornozeleira eletrônica, mas violou as medidas cautelares ao romper o dispositivo e deixá-lo na casa da mãe.  

Ele relatou que chegou à residência da vítima enquanto ela estava fora e convenceu as crianças a abrirem o portão. Ao retornar, Karolyne encontrou dificuldades para entrar em casa e chamou um chaveiro. Quando entrou, percebeu que os filhos estavam adormecidos. Nesse momento, foi surpreendida pelo agressor, que desferiu golpes de faca contra ela.  

Mesmo gravemente ferida, Karolyne conseguiu fugir e pedir ajuda a uma vizinha. Segundo o Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, ela sofreu várias perfurações nas costas, pescoço, tórax e cabeça, além de intensa hemorragia, que foi controlada pelos socorristas. As crianças foram atendidas conscientes, mas apresentavam sonolência e vômito devido à medicação administrada pelo pai.  

João Paulo confessou a tentativa de feminicídio e revelou ter dopado os filhos para que não presenciassem o crime. Ele tentou fugir para a casa dos pais, mas foi interceptado em Samambaia, após ser rastreado pela equipe de inteligência da PMDF. Tanto Karolyne quando as crianças foram levadas para hospital. Todos já tiveram alta. 

Outro caso ocorreu nesta terça-feira, no Gama, envolvendo uma mulher de 37 anos, que foi vítima de tentativa de feminicídio. Segundo a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), o autor, Geir Souza de Jesus, de 40 anos, com quem a vítima tinha um relacionamento, esfaqueou pescoço dela por volta das 9h30. A vítima foi socorrida e encaminhada ao Hospital Regional de Santa Maria, onde permanece em tratamento. O agressor fugiu do local em um Fiat Uno vermelho e está sendo procurado pela polícia. A ocorrência foi registrada na 14ª Delegacia de Polícia (DP), localizada no Gama, onde as investigações prosseguem para localizar e prender o agressor.

Colaborou Luís Fellipe Alves*

Estagiários sob a supervisão de José Carlos Vieira e Eduardo Pinho

Perfil

Mikhail era delegado plantonista e estava lotado na 30ª Delegacia de Polícia (São Sebastião). O servidor público foi aprovado em concursos da PMDF e da Polícia Rodoviária Federal. Em 2016, passou para delegado da PCDF. 

  • Uma enfermeira do Hospital Brasília está entre as vítimas do delegado
    No Hospital Brasília, enfermeira levou tiros no ombro e no pescoço Foto: Ed Alves/CB/DA.Press
  • Peritos da Polícia Civil cercaram o local do crime num condomínio do Jardim Botânico
    Tragédia ocorreu na manhã desta quinta-feira, no Condomínio Santa Mônica, no Jardim Botânico Foto: Pedro Santana / CB
  •  Homem atira em esposa e na empregada atira em outra pessoa  no hospital Brasilia
    Mikhail foi preso na altura da QI 23 do Lago Sul pela Polícia Militar Foto: Material cedido ao Correio
  • Homem mata esposa e atira em outras pessoas em hospital
    Homem mata esposa e atira em outras pessoas em hospital Foto: Material cedido ao Correio
Darcianne Diogo
Mariana Saraiva
Giovanna Sfalsin*
Carlos Silva
Letícia Guedes
postado em 17/01/2025 03:35 / atualizado em 17/01/2025 07:51
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