Educação

Para especialistas, além de limitar, pais devem mediar acesso a redes

Especialistas em comunicação alertam para os riscos do uso não supervisionado da internet por crianças e adolescentes. Sarah Raíssa, 8 anos, morreu provavelmente após inalar desodorante por conta de um desafio on-line

Os especialistas  criticaram a atuação das plataformas digitais, que frequentemente não implementam mecanismos eficazes de proteção -  (crédito: Carlos Vieira/CB/DA Press                             )
Os especialistas criticaram a atuação das plataformas digitais, que frequentemente não implementam mecanismos eficazes de proteção - (crédito: Carlos Vieira/CB/DA Press )

O recente caso do "desafio do desodorante" — que levou à morte de Sarah Raíssa, de 8 anos, na quinta-feira da semana passada—, serviu como alerta para famílias, educadores e autoridades. Especialistas em comunicação que participaram, nessa quarta-feira (16/4), do seminário Letramento transmídia, práticas comunicacionais e as realidades brasileiras, na Universidade de Brasília (UnB), afirmam que, mais do que limitar o uso das redes sociais, é essencial que pais e responsáveis compreendam o que os filhos estão comunicando no ambiente digital. 

De acordo com os especialistas, a trágica morte de Raíssa escancarou um problema muito maior do que um vídeo ou uma plataforma. O episódio, na verdade, é apenas a face visível de uma cultura digital que, sem mediação e educação, coloca crianças e adolescentes em risco constante.

"A educação sobre mídia não é responsabilidade das crianças. É dos adultos que convivem com elas: pais, professores, cuidadores. Não deixamos nossos filhos sozinhos numa praça à noite — por que deixaríamos nas redes sociais sem orientação?", questionou a professora Bianca Becker, da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). 

Essa responsabilidade compartilhada foi reforçada pelos professores Vitor José Braga, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), e Tatiana Aneas, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), que destacaram a importância de políticas públicas que deem suporte a essa educação midiática. "Há um discurso forte sobre a importância dela, mas ainda não vemos isso se concretizando nas escolas, e muito menos chegando às famílias", afirmou Tatiana.

O seminário evidenciou que a educação para o uso de redes sociais deve ser pensada como um processo contínuo e levar em consideração diferentes contextos sociais. Tatiana ressaltou que, acima de tudo, é necessário cuidado para não culpabilizar as vítimas, tendo em vista que muitas famílias entregam o celular à criança por falta de alternativas seguras de lazer, enquanto outras o fazem por desconhecimento dos riscos. "É preciso acolher essas famílias e oferecer formação, e não apenas as responsabilizar", avaliou Carina Flexor, professora do Departamento de Audiovisuais e Publicidade da UnB.

  •  16/04/2025 Carlos Vieira/CB/DA Press. Seminário UnB Letramento Transmídia.
    16/04/2025 Carlos Vieira/CB/DA Press. Seminário UnB Letramento Transmídia. Carlos Vieira/CB/DA Press
  •  16/04/2025 Carlos Vieira/CB/DA Press. Seminário UnB Letramento Transmídia.
    16/04/2025 Carlos Vieira/CB/DA Press. Seminário UnB Letramento Transmídia. Carlos Vieira/CB/DA Press
  •  16/04/2025 Carlos Vieira/CB/DA Press. Seminário UnB Letramento Transmídia.
    16/04/2025 Carlos Vieira/CB/DA Press. Seminário UnB Letramento Transmídia. Carlos Vieira/CB/DA Press
  •  16/04/2025 Carlos Vieira/CB/DA Press. Seminário UnB Letramento Transmídia.
    16/04/2025 Carlos Vieira/CB/DA Press. Seminário UnB Letramento Transmídia. Carlos Vieira/CB/DA Press

Big techs e influencers

Os especialistas criticaram a atuação das plataformas digitais, que frequentemente se recusam a fornecer informações à Justiça ou não implementam mecanismos eficazes de proteção. Para Braga, o cenário é de total assimetria de poder, onde empresas bilionárias evitam responsabilidades, enquanto a sociedade responsabiliza os mais vulneráveis — pais, professores e as próprias crianças. "Normalmente, essa resistência ocorre sob a justificativa de que os dados precisam ser protegidos, mas protegidos por quem? Para quem? Com que finalidade?", questionou.

Os influenciadores digitais ocupam uma posição central no atual ecossistema comunicacional, especialmente entre crianças e adolescentes. Com enorme alcance e capacidade de engajamento, esses criadores de conteúdo atuam como referências comportamentais, estéticas e até ideológicas. No entanto, conforme alertaram os professores, nem todos estão cientes da responsabilidade ética que essa função demanda.

"Hoje, temos mais influenciadores do que médicos e advogados no Brasil. É uma profissão consolidada, mas ainda pouco regulamentada", destacou Mariana Ferreira Lopes, professora da Faculdade de Comunicação (Fac) da UnB. A ausência de formação específica e códigos de conduta contribui para que muitos desses influenciadores reproduzam ou até incentivem práticas perigosas, como desafios virais, discursos de ódio ou conteúdos com viés desinformativo.

Entretanto, nesse cenário, os influenciadores precisam ser vistos não como vilões ou heróis, mas como agentes comunicacionais que devem ser incluídos nos debates sobre ética digital, educação e regulamentação. "A formação crítica desses atores é fundamental para transformar o ambiente digital em um espaço menos tóxico e mais construtivo", concluiu Carina.

Dicas para controlar o uso de telas por crianças e adolescentes

Lançada pelo governo federal em março deste ano, a publicação Crianças, Adolescentes e Telas: Guia sobre Uso de Dispositivos Digitais oferece recomendações sobre o impacto das telas na saúde mental, segurança on-line e outros temas.

Dar preferência a conteúdos audiovisuais educativos e às experiências que possam ocorrer de forma coletiva;

Pactuar previamente os tempos de tela e cumpri-los;

Moderar o uso de dispositivos digitais por parte dos adultos em momentos de convivência familiar;

Evitar usar o acesso aos dispositivos tecnológicos como recurso de barganha (recompensa ou punição);

Condicionar o uso de dispositivos digitais para entretenimento apenas após o cumprimento de tarefas escolares;

Ao introduzir novos dispositivos ou aplicativos, começar junto, guiando e mediando seu uso;

Evitar a presença ou uso de dispositivos digitais em momentos de refeições, inclusive, pelos adultos, e pelo menos uma hora antes de dormir;

Observar a Classificação Indicativa sinalizada para os aplicativos e jogos digitais;

Ao autorizar o uso de aplicações, preferir as configurações que impliquem o mínimo possível de coleta de dados da criança ou adolescente;

Buscar informar-se e obter ajuda profissional, caso haja indícios de uso problemático ou excessivo de dispositivos digitais;

Orientar que todo conteúdo postado on-line escapa ao controle sobre sua visualização, podendo permanecer no ambiente digital indefinidamente e ser apropriado para outros fins.

5 perguntas para

Fábio Oliveira Guimarães, coordenador da Pós-Graduação em Ciência de Dados do CEUB

Quais são os primeiros procedimentos adotados pela perícia técnica ao receber um celular possivelmente ligado a um caso de morte envolvendo conteúdo digital?

O primeiro passo é o isolamento do dispositivo: o celular é desligado e armazenado em um invólucro específico, que evita qualquer interferência externa e preserva os dados. Em seguida, a equipe registra todas as informações do aparelho, como o estado físico, a condição da bateria e o modelo. Depois, é feita uma imagem forense — uma cópia bit a bit da memória do dispositivo.

Quais tipos de dados podem ser recuperados? Que informações são úteis em uma investigação como a da morte de Sarah Raíssa?

Mesmo após a exclusão, muitos dados podem ser recuperados. Isso inclui mensagens de texto, registros de chamadas, arquivos de aplicativos, como conversas em redes sociais e serviços de mensagens instantâneas, além de fotos e vídeos apagados. Também podem ser acessados o histórico de navegação, dados de GPS, conexões de Wi-Fi e arquivos internos do sistema. Essas informações ajudam a identificar possíveis envolvidos.

É possível saber quais vídeos foram assistidos, em qual plataforma e por quanto tempo, mesmo com o histórico apagado?

A perícia consegue acessar registros e arquivos de cache que mostram a atividade nos aplicativos. Por meio desses dados, é possível identificar quais vídeos foram visualizados, quanto tempo durou cada visualização e qual plataforma foi utilizada.

A análise técnica permite descobrir se um vídeo foi baixado, recebido por mensagem ou assistido diretamente em redes sociais?

Os peritos conseguem determinar a origem do vídeo, se foi baixado diretamente, recebido via mensagem ou acessado em plataformas como Instagram ou TikTok. Isso é possível por meio da análise dos metadados, do cache e dos registros de rede armazenados no celular.

Como os peritos acessam o conteúdo do celular sem comprometer as provas?

A equipe utiliza ferramentas forenses especializadas, que permitem a extração segura dos dados sem alterá-los. Todo o processo segue protocolos padronizados, justamente para garantir que as informações obtidas sejam válidas juridicamente e mantenham sua integridade.

postado em 17/04/2025 05:00 / atualizado em 20/04/2025 19:03
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