
Uma série de reportagens feitas pelo Correio na década de 1980 sobre um crime que chocou Brasília foi essencial para reunir uma família, 43 anos anos depois. A cabeleireira Valdirene Aparecida dos Santos, moradora do Sudoeste, passou quatro décadas sem conhecer uma parte importante de sua história. Há um mês, um teste de DNA confirmou o vínculo genético com a família do pai e permitiu que ela finalmente tivesse o nome dele registrado em sua certidão de nascimento. As matérias veiculadas pelo jornal foram a principal pista seguida por Valdirene.
Valdir Xavier da Silva, pai de Valdirene, morreu em 1981, aos 22 anos, assassinado a tiros no Supermercado Chapecó, em Taguatinga. À época, o Correio Braziliense fez uma cobertura completa do caso — desde o crime até a prisão e julgamento do autor —, material que se revelou fundamental na identificação da família paterna de Valdirene.
Angustiada, a cabeleireira contratou uma equipe de advogadas — Fabiana Sousa, Célia Regina Sousa e Karolyne Guimarães — que conseguiu localizar a família a partir de reportagens antigas relacionadas à morte de Valdir. "Eu sentia um vazio sem fim dentro de mim. Queria muito conhecer a minha história. Cheguei até a iniciar o curso de jornalismo para investigar a família do meu pai, mas minhas buscas não tiveram êxito", relata.
Marcas
Valdir era subgerente do supermercado e conheceu Francisca da Paz Santos, mãe de Valdirene, no local de trabalho, onde iniciaram um relacionamento. "Francisca engravidou e, quando estava com dois meses de gestação, um homem entrou no supermercado e matou Valdir", detalha a advogada Karolyne Guimarães.
O autor do crime foi Tédio José Antônio, 22, funcionário do supermercado, que havia sido demitido por Valdir após desrespeitar uma colega. Tédio atirou em Valdir à queima-roupa e fugiu pela avenida Samdu, conforme narram as reportagens da época.
Aos 7 anos de idade, Valdirene enfrentou mais uma tragédia. Perdeu a mãe, assassinada por uma vizinha em Taguatinga. "Tudo isso foi muito difícil para mim, mas, agora, finalmente, pude conhecer minha história e encontrar minha família paterna", celebra a cabeleireira.
Durante décadas, Valdirene só sabia que o pai se chamava Valdir e havia sido morto no Supermercado Chapecó, em Taguatinga. Era tudo o que tinha. Com essa informação, a equipe de advogadas começou uma intensa pesquisa. Karolyne descobriu que os arquivos antigos do Correio haviam sido digitalizados e, ao buscar "Supermercado Chapecó", localizou as reportagens sobre o crime. "Encontramos uma matéria que citava o nome do acusado. A partir daí, contatamos a vice-presidência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), responsável pelos processos arquivados. Eles localizaram o processo e nos enviaram", explica a advogada.
A partir dos documentos judiciais e da certidão de óbito do pai, as advogadas descobriram em qual o cemitério o corpo de Valdir foi enterrado e, com a ajuda de registros públicos e vacinais, chegaram aos irmãos dele. "Pesquisamos se ele tinha irmãos, pais ou outros familiares vivos e conseguimos localizar a família", acrescenta a advogada Célia Regina.
A confirmação
Foi então que Valdirene encontrou os tios paternos. "Passei mais de 40 anos esperando por esse momento. Descobri que os irmãos do meu pai também passaram todos esses anos tentando me encontrar. Foi emocionante para todos nós", comemora a cabaleireira.
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Para confirmar o parentesco, Valdirene e três irmãos de Valdir realizaram um teste de DNA, que apontou 99,99% de probabilidade de paternidade. O envelope com o resultado foi aberto há um mês, em Anápolis (GO), a 154 km de Brasília. "Foi uma enorme alegria. É o início de uma nova etapa das nossas vidas", diz Valdirene.
A família paterna vive nos estados de Goiás e do Pará. Durante a abertura do exame, quatro dos oito tios paternos puderam estar presentes. "Foi inacreditável, porque eu procurei respostas por tanto tempo. Muitas famílias teriam desistido", observa.
Valdirene lembra que foi doloroso ler reportagens que traziam o nome do pai. "O assassinato dele mexeu muito com Brasília. Minha avó sempre me contou. Mas foi fundamental para encontrar minha família. Sei que, onde estiver, minha mãe está muito feliz. Ela ficou profundamente deprimida com a morte do meu pai", relembra.
Segundo Karolyne, sem as reportagens do Correio, seria praticamente impossível desvendar o caso. "É extremamente importante o trabalho de jornalismo investigativo feito na época, tanto para solucionar o crime quanto para reconstruir a história da filha e da família da vítima. A recente digitalização dos documentos trouxe dignidade a uma família devastada por um homicídio há 43 anos", avalia. "Mais do que um nome na certidão de nascimento, Valdirene ganhou uma história, uma origem e uma família", finaliza a advogada.