
Com mais de 22 mil hectares de vegetação destruídos por incêndios florestais entre maio e outubro de 2024 (período mais considerado mais crítico) — e quase 1 mil hectares queimados apenas nos primeiros meses deste ano —, o Distrito Federal começa a enfrentar, mais uma vez, os efeitos severos do período de estiagem. Segundo o Corpo de Bombeiros (CBMDF), mais de 500 ocorrências foram atendidas em 2025, somente até o início de julho. Número que é bem menor do que menor do que o registrado no mesmo período de 2024, quando o Brasil e o DF sofreram com uma série de queimadas criminosas — foram 4.403 atendimentos.
Os prejuízos vão além da vegetação, como alerta o ecólogo José Francisco Gonçalves, professor da Universidade de Brasília (UnB). "A relação entre os incêndios florestais e as crises hídricas não é direta, mas é uma consequência, e muito grave". O especialista explica que a queima da vegetação compromete a capacidade do solo de absorver e reter água. "Quando ocorre um incêndio, principalmente no Cerrado, a copa das árvores e as gramíneas são destruídas. Isso faz com que a chuva atinja o solo de forma mais intensa e rápida, o que reduz a infiltração da água e aumenta o escoamento superficial", afirma.
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O ecólogo destaca que o fogo também altera a estrutura do solo, deixando-o compactado e liberando resíduos contaminantes. "O solo queimado evapora água mais rapidamente, pois passa a receber incidência solar direta. Isso afeta a disponibilidade hídrica e prejudica os mananciais", comenta. Caso os incêndios continuem de forma recorrente, o especialista alerta para um possível colapso ecológico. "Quando os incêndios são frequentes, o ecossistema perde sua capacidade de se regenerar. O solo se torna infértil, a água desaparece e a biodiversidade entra em declínio. O Cerrado pode até deixar de ser Cerrado, se essas áreas não forem restauradas ou conectadas a outras zonas preservadas", adverte o professor da UnB.
Ameaça
Quando os incêndios florestais atingem regiões de nascentes e cursos d'água, os danos vão além da superfície queimada. Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), os maiores impactos ocorrem quando o fogo alcança a vegetação de proteção aos corpos d'água, como as matas ciliares e veredas. "Esse tipo de vegetação é potencialmente sensível aos incêndios, com maior dificuldade de regeneração. Quando degradada, aumenta o risco de assoreamento, contaminação e redução da qualidade da água", informa o órgão.
O secretário do Meio Ambiente do Distrito Federal (Sema-DF), Gutemberg Gomes, reforça que os incêndios florestais podem provocar a contaminação da água por cinzas e resíduos, que eleva a turbidez e prejudica a fauna aquática. "Nos cursos d'água, a supressão da vegetação ciliar reduz a sombra, elevando a temperatura da água e alterando o equilíbrio ecológico", afirma. "Durante o período crítico de estiagem, intensificamos a proteção dos mananciais e nascentes por meio de uma série de ações coordenadas", explica o secretário. As medidas incluem fiscalização ambiental reforçada nas unidades de conservação, atuação permanente das brigadas florestais com foco na prevenção e combate aos incêndios, restrições de acesso a áreas sensíveis e a realização de aceiros e manejo da vegetação em pontos estratégicos.
A Estação Ecológica de Águas Emendadas é um exemplo crítico, por estar localizada no ponto de encontro das bacias do Tocantins-Araguaia e Platina, ela tem papel estratégico na regulação hídrica do DF e abastece regiões, como Planaltina e Sobradinho. "Durante a seca, a área recebe monitoramento constante por brigadas florestais, fiscalização ambiental rigorosa e pesquisas científicas voltadas à conservação ambiental. Além de ações preventivas contra incêndios em períodos amenos", destaca Gutemberg Gomes.
Monitoramento
Para minimizar os riscos durante o período de seca, uma série de medidas preventivas é colocada em prática ainda na transição entre as estações, por meio do Plano de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (PPCIF). O plano, coordenado pela Sema, é uma articulação interinstitucional que reúne órgãos ambientais, forças de segurança e instituições de gestão hídrica e territorial do DF.
Entre as ações previstas no PPCIF estão atividades de educação ambiental, blitzes educativas, queimadas prescritas — nas quais o fogo é usado de forma controlada para eliminar o excesso de material combustível — e a construção de aceiros, faixas sem vegetação que funcionam como barreiras físicas contra a propagação do fogo. Neste ano, mais de 2 mil hectares foram manejados no Parque Nacional de Brasília e na Reserva Biológica da Contagem com esse objetivo.
O ICMBio também atua em conjunto com a Companhia de Água e Esgotos de Brasília (Caesb), especialmente na área da Barragem de Santa Maria, que fica dentro do Parque Nacional. "Atualmente há trabalho conjunto na manutenção de estradas e acessos e no reflorestamento da área onde se localiza a barragem", afirma o instituto. As áreas de nascentes e mananciais que abastecem a Santa Maria, o reservatório do Torto e o Lago Paranoá estão entre as prioridades das queimadas prescritas e de outras ações de conservação.
A Caesb também reforçou a existência de um programa de monitoramento de corpos hídricos que detecta qualquer anormalidade na qualidade da água dos mananciais em caso de incidentes. Durante o período crítico de seca e queimadas, são intensificadas as ações de monitoramento e fiscalização ambiental nas áreas de manancial. Além disso, anualmente é elaborado pela Sema o Plano de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais que contempla: educação ambiental; treinamentos e capacitação de brigadas florestais; ações de manejo de vegetação e aceiros preventivos; e campanhas de conscientização junto às comunidades rurais e urbanas.
Contratação
Diretor de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), Erisom Cassimiro afirma que a prevenção de incêndios florestais envolve uma série de ações, desenvolvidas em parceria com as instituições que compõem o PPCIF, no Distrito Federal. "Entre as iniciativas, destacam-se campanhas educativas, que visam informar a população sobre os riscos das queimadas e a importância da preservação ambiental, além do treinamento e capacitação de brigadas voluntárias para prevenção e combate a incêndios", detalha.
Segundo ele, uma ação central é a contratação de 150 profissionais, incluindo brigadistas e chefes, que irão desempenhar um papel fundamental na proteção das unidades de conservação e parques. "Eles são treinados para identificar riscos, agir rapidamente em caso de incêndios e realizar atividades de conscientização com a população sobre a necessidade de proteger nosso bioma", observa. "A presença desses profissionais em áreas vulneráveis é essencial para coibir práticas ilegais que podem resultar em queimadas, garantindo assim a proteção dos nossos ecossistemas", avalia Cassimiro.
Três perguntas para Gutemberg Gomes, secretário de Meio Ambiente do DF
Há alguma atuação conjunta com órgãos de abastecimento e fiscalização hídrica para prevenir ou reduzir os impactos?
Existem ações conjuntas e integradas entre os órgãos responsáveis pelo abastecimento de água e fiscalização ambiental para mitigar os impactos causados pelos incêndios florestais. E também ações como termos de colaboração e iniciativas com políticas públicas. Essas ações abrangem, entre outras: monitoramento e fiscalização de áreas de risco; utilização de imagens de satélite, drones, dados geoespaciais e patrulhamento terrestre; educação ambiental e sensibilização; e campanhas educativas direcionadas à população local, especialmente em áreas de mananciais.
A secretaria monitora o risco de incêndios em regiões de proteção de mananciais? Há dados recentes?
O monitoramento do risco de incêndios em áreas de proteção de mananciais é realizado pelos órgãos gestores de cada unidade de conservação, responsáveis também pela produção e atualização dos dados georreferenciados. Entre as ferramentas utilizadas estão mapas de acúmulo de combustível, pontos de calor, cicatrizes de fogo e áreas de risco.
Como é feita a preservação dos mananciais e das nascentes nessa época do ano?
Durante o período crítico de estiagem, a preservação dos mananciais e nascentes é reforçada por meio de: ações intensificadas de fiscalização ambiental, realizadas pelos órgãos gestores das unidades de conservação; atuação das brigadas florestais, com foco em prevenção e combate aos incêndios florestais; restrições de acesso a áreas sensíveis, visando à proteção dos recursos hídricos e à minimização de riscos de ignição; e manejo de vegetação e aceiros em áreas estratégicas para conter o avanço do fogo.
O que é o PPCIF?
Sistema de parcerias institucionais que visam à proteção do Cerrado coordenado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente do DF. O plano conta com uma estratégia de ação própria e possui como princípios a integração e a cooperação mútua, objetivando a otimização da aplicação dos recursos humanos e materiais disponíveis. O PPCIF foi reformulado pelo Decreto 37.549 de agosto de 2016, que criou o Sistema Distrital de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais, com o objetivo de promover a articulação entre os órgãos visando à otimização dos recursos humanos e materiais para execução do PPCIF.
Fique atento
- Não queime lixo, folhas secas ou restos de poda;
- Evite o uso do fogo para limpeza de terrenos;
- Não descarte bitucas de cigarro acesas em áreas com vegetação seca ou beira de estrada;
- Se estiver acampando, só faça fogueiras em locais permitidos e sempre apague totalmente ao sair;
- Em propriedades rurais, mantenha aceiros (faixas sem vegetação) ao redor de plantações, pastos e construções;
- Evite o acúmulo de vegetação seca próximo a casas, postes, cercas e estradas;
- Converse com familiares, vizinhos e funcionários sobre os riscos e formas de prevenção;
- Só tente apagar o fogo se tiver equipamento e treinamento. Não se coloque em risco.
Fonte: CBMDF
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