
"Bota o retrato do velho outra vez / Bota no mesmo lugar. / O sorriso do velhinho / faz a gente trabalhar". Assim cantava a multidão, na tarde do dia 31 de janeiro de 1951, em frente ao Palácio Tiradentes, quando Getúlio, em carro aberto, chegava para tomar posse como presidente da República eleito pelo voto popular, naquela tarde que inauguraria o esplendor de mais uma tragédia brasileira que se anunciava.
Somente em janeiro de 1953, finalizando e acolhendo, parcialmente, o Relatório do general Polli Coelho, a decisão da construção e transferência da nova capital para o Planalto Central é decretada pelo Congresso Nacional, agora de maneira definitiva e com razoável diligência, em que pesem as crises e tensões políticas que inquietaram o país até a posse de Juscelino Kubitschek, em 1956.
Cinquenta vacas para churrasco, vinte capões cozidos e/ou assados, mil litros de chope, mil litros de vinho e 3 mil garrafas de cerveja. Assim amanheceu a estância São Vicente no dia 19 de abril de 1949, aniversário de Getúlio Vargas, que completava 66 anos. Mais de cinco mil gaúchos se deslocaram para a grande festa. João Goulart, promissora liderança política nacional então com trinta anos, era o anfitrião. "Um pouco desambientado da tribuna, não vou discursar, vou conversar com o povo. É apenas uma palestra direta convosco [...] está é uma festa do povo. Eu sei que todos colaboraram para ela. Por isso vim, sabendo que o povo aqui comparece, que ele não dá importância à carantonha dos poderosos do dia, que ele desafia as malquerenças", disse Getúlio sob aplausos. Não era um discurso de campanha, ele não falou nas eleições e menos ainda que era candidato, mas todos que o cumprimentavam e o abraçavam pediam o seu retorno ao Catete. Iniciava-se ali o retorno triunfal!
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Já no final do mandato, incapaz de conduzir a sua sucessão, Dutra faz seu último movimento aceitando a sugestão do governador do Rio Grande do Sul, Valter Jobim, de se construir uma candidatura unindo todas as legendas. Uma candidatura de "continuidade da transição democrática". Os ruídos e rumores inquietavam os quarteis, já habituados a intervir no processo político do país. Estimuladas pelo presidente da República, as lideranças partidárias reuniram-se, no dia 27 de julho daquele mesmo ano, no Palácio Monroe. Decidiram enviar emissários para convencer Adhemar, em São Paulo, e para São Borja, tentar seduzir Vargas.
No dia 10 de agosto, o bimotor Lockheed Electra, da Varig, trazendo Cilon Rosa, do PSD do Rio Grande do Sul, sobrevoou e pousou na fazenda Itu. Às portas fechadas, Vargas ouviu Cilon por cerca de duas horas. Ao final sugeriu: que se elabore um plano que "sintetize as aspirações do povo brasileiro", antes de se definir quem será o candidato. Dias depois, Dutra veta Nereu Ramos, então senador e vice-presidente da República, como eventual candidato da PSD para unir as demais legendas, por considera-lo muito próximo de Vargas. Revoltado, Nereu renuncia à presidência do partido e leva na algibeira o gaúcho João Neves, que também se retirou da executiva nacional do PSD.
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Agora era um Douglas, também da Varig, com Nereu Ramos a bordo, que preparava pouso em São Borja. Com uma sede mais apetrechada do que a da recém-construída da fazenda Itu, Vargas recebeu o vice-presidente da República na Fazenda Santos Reis, do seu irmão Protásio, na manhã do dia 12 de novembro. No amplo salão da estância, sob o olhar dos jornalistas, Vargas e Ramos conversaram amigavelmente. "Vim simplesmente visitar o meu prezado amigo, senador Getúlio Vargas, e com ele conversar sobre a situação política do país. Esse encontro preliminar decorreu sob as melhores perspectivas, estabelecendo por isso mesmo a possibilidade de um amplo entendimento visando uma solução harmônica para a questão sucessória", disse Nereu Ramos para os jornalistas. Vargas manteve as evasivas: "Quero declarar aos senhores que até o presente momento tenho sido um simples expectador da situação politica nacional, com relação ao problema sucessório [...]. Não tenho compromissos com partidos nem com nomes. Também não tenho incompatibilidade com ninguém". No dia 13 de dezembro, encerrando o ano de 1949, Adhemar de Barros, governador de São Paulo, pousa em Santos Reis, para um encontro com Vargas. Em São Borja desde outubro de 1945, entre cavalgadas e baforadas, Getúlio nunca deixou de ser o sujeito oculto do poder no Brasil. Ele não nomeava e nem demitia. Mas tinha a aura mais poderosa da política e do poder: ele era o amanhã!
No dia 10 de agosto de 1950, depois de apoteótica recepção em Porto Alegre, Getúlio Vargas e sua comitiva, em três aviões Douglas, voam em direção a São Paulo. Recepcionado por Adhemar de Barros, no vale do Anhangabaú diante de uma grande multidão, Getúlio inaugura a primeira grande campanha eleitoral brasileira com trabalhador, classes médias, pequenos e médios comerciantes. As eleições e os votos passavam a ser, também, expressões da expectativa, do desejo e da rebeldia. Viviam esse novo momento, os candidatos ao parlamento e aos governos estaduais.
Entre a criação da Comissão Polli Coelho, em novembro de 1946, e a Resolução da Câmara dos Deputados n. 227, de 1952, que criou uma nova Comissão Especial de Mudança da Capital da República — similar àquela criada em 1946 para analisar o Relatório Polli Coelho — o país assiste a um longo debate sobre a mudança da capital que, na verdade, expressava um tensa divergência regional entre Minas e Goiás sobre a localização da nova capital e, certamente, os ganhos políticos, econômicos e macroeconômico que ensejariam essa decisão. No mesmo ano em que o presidente Dutra encaminhou ao Congresso Nacional o Relatório do general Polli Coelho, o IBGE publica A Localização da Nova Capital da República, um documento, em larga medida, ambíguo em relação à posição defendida pela Comissão de Estudos da Presidência da República. No dia 7 de dezembro de 1948, o relator da Comissão Parlamentar, deputado Eunápio de Queiroz (PSD-BA), apresenta o seu parecer, de certo modo, contrário às teses defendidas por Polli Coelho. Toda a visão geopolítica do general — um conceito à época recente na reflexão militar — é criticada pelo parlamentar da Bahia, sobretudo no que se refere à função de expansão da ocupação e domínios territoriais, geográficos, econômicos e políticos. Para Queiroz, essas atribuições não são, necessariamente, dependentes e/ou consequentes da construção de uma nova capital de um país. Ainda em seu relatório, Eunápio de Queiroz sugere que a nova capital deveria ser edificada numa região próxima a Anápolis, praticamente ao lado de Goiânia, contrariando todas as opções majoritárias consideradas pela Comissão de Estudos para a Localização da Nova Capital. O projeto de Lei apresentado pelo relator, com 10 artigos, redefinindo os paralelos e meridianos, ensejaria um mapa diferente do futuro Distrito Federal e um outro local para definição do projeto urbanístico da nova capital.
Em janeiro de 1949, num texto forte, em documento da Diretoria do Serviço Geográfico do Exército, sob o titulo "A Propósito do Parecer do Relator da Comissão Especial da Mudança da Capital, na Câmara dos Deputados", o general Polli Coelho contesta o relatório de Queiroz: "O parecer do deputado Eunápio Queiroz, relator da Comissão Especial, contém três erros essenciais: 1º — confundiu os trabalhos da Comissão Técnica com os dos funcionários do Conselho Nacional de Geografia que auxiliam o engenheiro Christovam Leite de Castro. A Comissão Técnica é a que foi nomeada pelo presidente da República. O seu parecer é o que foi publicado como Relatório Técnico. Tudo o mais são meros subsídios, que não devem ser levados em consideração sob o ponto de vista constitucional; 2º — deu uma interpretação imprópria ao que foi resolvido durante os trabalhos da Comissão sobre o conceito do 'planalto central do país'; 3º — diz que a Comissão Técnica opinou por intuição, como se intuição não fosse um meio conveniente para decidir um problema como o de que se trata. O relator menospreza a intuição e exalta o que chama de 'seleção' e de 'dedução'. Sobre o primeiro erro não vou tecer comentários. O relator provavelmente não leu os documentos que recebeu, pois de outro modo não teria incidido em tão lamentável equívoco [...] O que a maioria da Comissão Técnica fez, no seu relatório, foi escolher uma área que contivesse a parte central do planalto brasileiro (Quadrilátero Cruls) e ampliar essa área, 'dentro do conceito do planalto brasileiro', para dentro da bacia amazônica, até a confluência dos rios Tocantins e Paranã".
Como as datas sugerem, os debates técnicos e políticos nas Comissões da Presidência da República e do Congresso Nacional vão até 1952. No Congresso Nacional, o debate não cessa, ainda que não tenha tido, até o presente momento, a devida atenção dos historiadores e pesquisadores sobre esse assunto. Os embates entre Israel Pinheiro (MG) e Jalles Machado (GO), são contínuos. O deputado Benedito Costa Neto, presidente da Comissão Especial, chefiou uma delegação parlamentar, em novembro de 1949, que visitou o Planalto Central e o Triângulo Mineiro. Os parlamentares estiveram em Uberaba, Araguari, Uberlândia, Ituiutaba, Patos de Minas, Araxá, Goiânia, Anápolis, Planaltina, Formosa e Chapada dos Veadeiros.
Os anais do Congresso registram debates e apresentação de emendas ao projeto inicial de Eunápio Queiroz até 1952, quando é apresentado o PL 671-E/1949 que será aprovado 13 de dezembro de 1952 e transformado na Lei 1803/53, em 8 de janeiro de 1953. O Congresso autorizava o Poder Executivo a realizar estudos definitivos sobre a localização da nova Capital da República.
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