LONGEVIDADE

Aumento da expectativa de vida impacta relações entre idosos, filhos e netos

O que antes era visto como um período de descanso, hoje se tornou uma fase ativa para muitos idosos, que aproveitam a vida com hobbies, viagens e festas

A expectativa de vida no Brasil alcançou 76,4 anos, um aumento de 0,9 ano em relação a 2022, conforme o IBGE. Esse crescimento tem provocado transformações na estrutura e nas dinâmicas familiares. O que antes era visto como um período de descanso e tranquilidade, hoje se tornou uma fase ativa para muitos idosos, que aproveitam a vida com hobbies, viagens e festas. Essas mudanças impactam diretamente as relações familiares e afetivas entre os idosos, filhos e netos.

Psicóloga clínica e hospitalar do Hospital Anchieta, Izabelle Santos explica que, com o aumento da longevidade, envelhecer deixou de ser sinônimo de parar de viver. Hoje, muitos idosos chegam aos 60, 70 ou 80 anos cheios de disposição, com novos projetos e o desejo de viver suas próprias experiências sem, necessariamente, assumir responsabilidades com os netos.

Nesse contexto, surge uma nova dinâmica familiar: os avós, antes vistos como principais cuidadores, passam a ocupar um lugar marcado pela companhia, pelo afeto e pela presença afetiva, sem a obrigação diária da educação dos netos. "Essa mudança (ou tendência) reflete as novas possibilidades trazidas pela longevidade, pela saúde mais duradoura e por um estilo de vida mais ativo, em que viver plenamente é uma prioridade", destaca Izabelle.

Um exemplo desse novo modo de cuidado é a administradora Ana Beatriz Tallarico, 55 anos, que organiza sua rotina para conciliar os compromissos pessoais com os momentos de lazer ao lado da netinha de um ano e três meses. "Hoje encaixo minha agenda com os dias em que fico com ela. Estou em plena atividade profissional, tenho compromissos com a minha saúde, como a prática de atividades físicas, viajo com amigas, faço cursos de vinho e participo de almoços com os amigos", compartilha.

Arquivo pessoal - Ana Beatriz Tallarico estrutura sua semana de acordo com os compromissos e reserva as quintas-feiras para estar com a neta, mas adora viajar

Para dar conta de tudo, Ana Beatriz estrutura sua semana de acordo com os compromissos e reserva as quintas-feiras exclusivamente para estar com a neta. Ela lembra que, como mãe solo de quatro meninas, a rotina era muito corrida para que tudo funcionasse. "Não havia muito tempo para aproveitar os momentos juntas. Muitas vezes, quando chegava em casa, elas já estavam dormindo. Hoje sei o valor que o tempo tem, e é um privilégio poder dedicá-lo a quem amamos", afirma.

Com clareza sobre o seu papel, ela reforça: "Sei bem a minha função de avó. Não quero assumir a responsabilidade de educá-la, quero apenas curtir minha neta como nunca pude fazer com minhas filhas, por causa da correria e das obrigações diárias", explica.

O mesmo caso é o da psicóloga clínica e sexóloga Jozie Maranhão, de 66 anos. Avó de consideração de seis netos, ela recebeu esse título ainda jovem, aos 32 anos, quando se casou com o marido, pai de seus enteados. As idades dos netos variam: 31, 28, 23 e 22 anos; já do enteado mais novo vieram os dois netos mais recentes, Tereza, de 7 anos, e Tiago, de 10.

Orientação

Jozie conta que, para ela, o papel de avó é aproveitar os momentos ao lado dos netos. "Sempre me lembro dos aniversários, participo das atividades que eles fazem, como formaturas, musicais, apresentações de balé e eventos da escola. Quando me pedem alguma orientação, estou sempre disponível. E adoro visitá-los, isso é algo que realmente me faz bem", afirma.

No entanto, a vida pessoal e social da psicóloga segue um ritmo independente dos netos. "Meu dia a dia social acontece mais com adultos, em almoços, jantares e encontros com amigos, e isso não se mistura com os momentos com os netos. Quando estou com eles, é exclusivamente com eles — junto dos pais, aqui em casa, com meu marido e meus filhos. É tudo bem separado, não costumo conciliar os dois mundos", explica.

Ela ressalta que essa postura foi acontecendo naturalmente. Ao casar com um homem mais velho que já tinha filhos, o casal também construiu sua própria família, e todos seguiram suas vidas.

"Não foi uma escolha do tipo: 'Vou ser essa avó ou aquela avó'. Sempre trabalhei muito e mantive uma rotina cheia. Gosto de pintar, costurar, bordar à mão, já estudei canto várias vezes. Enfim, gosto de estar em movimento, fazendo coisas que me dão prazer", conta. Por isso, Jozie admite que não tinha tanta disponibilidade para participar ativamente da rotina dos netos, que se organizou de forma independente da dela.

Apesar do equilíbrio familiar que construiu, Jozie revela que enfrenta muitas críticas por adotar essa postura. Segundo ela, é comum ouvir que, quando tiver netos de sangue, vai querer assumir um papel central na criação deles. Mas garante que não pretende seguir esse caminho.

"Não quero assumir a rotina de cuidar de criança, ficar com menino em casa, levar e buscar na escola, como eu fazia com meus filhos. Eles têm pai e mãe, e são eles que devem assumir essa responsabilidade. Posso ajudar eventualmente, ficar uma hora ou outra para que os pais possam sair, mas não contem comigo como mão de obra para cuidar de criança. Não tenho mais saúde nem idade para isso", afirma.

Convivência

A psicóloga Izabelle Santos explica que, na dinâmica familiar, essa mudança na postura das avós exige negociação. "Quando os avós escolhem ser mais parceiros afetivos do que cuidadores, alguns filhos podem sentir frustração. No entanto, quando esse lugar é respeitado, a convivência com os netos se torna mais leve, prazerosa e significativa", ressalta.

De acordo com a especialista, ainda existe cobrança em alguns contextos, pois muitos filhos esperam que os avós repitam o modelo antigo. Por outro lado, cresce o número de famílias que compreendem essa nova postura e ajustam suas expectativas, encontrando outras formas de apoio sem sobrecarregar os avós.

"O equilíbrio vem do diálogo. Avós que colocam limites e oferecem ajuda de forma saudável preservam seus próprios projetos e evitam sobrecarga. Quando há clareza e conversa aberta, o cuidado pode ser compartilhado de forma justa e sustentável", declara Izabelle.

 

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