
O uso de celular em sala de aula teria sido uma das causas de um episódio de violência em uma escola pública no Guará. Após repreender uma aluna que utilizava o aparelho de forma indevida, um professor da unidade de ensino foi agredido pelo pai dela, que havia ido ao colégio tirar satisfações. Imagens mostram o momento em que o educador recebe chutes e socos por parte do agressor, que precisou ser contido pela própria filha, com a ajuda de funcionários e colegas da instituição. A secretária de Educação, Hélvia Paranaguá, repudiou o ocorrido. "Não se pode partir para a violência em nenhum ambiente. Muito menos no ambiente escolar, que é um espaço de paz, tranquilidade, aprendizado e socialização", destacou.
Tudo começou por volta das 9h dessa segunda-feira, de acordo com o boletim de ocorrência. Ao ser advertida pelo professor, a aluna, insatisfeita, teria entrado em contato, por mensagem, com o pai, Thiago Lênin Sousa Silva Batista, alegando ter sido xingada pelo educador. Então, Thiago Lênin dirigiu-se à escola para saber o que aconteceu.
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Ele foi informado de que "as devidas providências seriam tomadas" pela direção. No entanto, quando ia embora, ele avistou o docente e partiu para a agressão. O professor disse que foi golpeado com chutes e socos no rosto, além de ter os óculos quebrados. O educador enfatizou que não revidou em nenhum momento. A situação só parou quando a própria aluna interveio e segurou o pai. Uma equipe do Batalhão Escolar (BPESC) foi acionada e encontrou a situação controlada, mas conduziu os envolvidos à 1ª Delegacia de Polícia (1ª DP).
Versões
Na delegacia, o professor associou a violência ao fato de ter chamado a atenção da aluna pelo uso do celular. O autor das agressões, Thiago Lênin, sustentou que agiu movido pela defesa da filha. Ele afirmou à polícia que a jovem o contatou informando que estava sendo xingada pelo professor. Ao chegar à escola, uma amiga da filha teria identificado o docente.
Thiago Lênin admitiu que "partiu para cima do professor". Porém, negou ter proferido xingamentos ou ameaças. O pai tentou justificar a ação alegando, por intermédio da mesma amiga da filha, que o professor "costuma xingar os alunos". O caso foi registrado sob os crimes de lesão corporal, injúria e desacato. O pai pagou fiança e foi liberado.
O professor manifestou interesse em representar judicialmente contra Thiago Lênin. Ao Correio, a vítima disse estar profundamente abalada. "Jamais imaginaria que algo dessa gravidade aconteceria comigo ou com qualquer outro colega", afirmou. O docente contou que não pretende retornar à escola nos próximos dias. "É uma escola na qual eu gosto de trabalhar, falta pouco para me aposentar, e espero que essa pessoa seja punida pelos seus atos", concluiu.
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Repúdio
A secretária de Educação, Hélvia Paranaguá, afirmou que a pasta tem intensificado ações de enfrentamento à violência nas unidades de ensino. Segundo Hélvia, a pasta mantém iniciativas voltadas à promoção da cultura de paz por meio da Assessoria de Cultura de Paz, setor responsável por desenvolver projetos específicos em cada escola e disseminar o Caderno de Boas Práticas — material que orienta gestores e professores sobre a construção de ambientes mais seguros e acolhedores.
Hélvia citou estudo em andamento sobre a instalação de detectores de metais nas entradas das escolas, em parceria com a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF). A medida, segundo ela, tem o objetivo de reforçar a segurança sem comprometer o fluxo de entrada e saída dos estudantes. Outro ponto abordado por Paranaguá foi o debate na Câmara Legislativa sobre o uso de câmeras em salas de aula, tema que divide opiniões entre professores e sindicatos. "O importante é ouvir o professor. É ele quem está na sala de aula e sabe o que vive ali dentro", destacou. Em nota oficial, a secretaria informou que a Coordenação Regional de Ensino do Guará está acompanhando o caso com a gestora da escola.
Tensão
A psicóloga, educadora, especialista em gestão de pessoas e diretora operacional da MiniMe Educação Infantil, Diana Quintella, avalia que o aumento de episódios de violência nas escolas do Distrito Federal é um reflexo direto das tensões vividas pela sociedade. "A violência nas escolas não ocorre de forma isolada. Ela é reflexo de uma sociedade que vive sob fortes tensões sociais, emocionais e econômicas", afirmou.
Diana destacou que a falta de diálogo entre famílias e escolas é um dos principais gatilhos para situações extremas, como a agressão registrada no Guará. "Quando a relação entre escola e famílias se baseia apenas em momentos de conflito, sem construção de confiança ao longo do tempo, qualquer desentendimento vira gatilho para reações desproporcionais", analisou.
De acordo com ela, a ausência da chamada aliança educativa — a percepção de que professor e família estão do mesmo lado — contribui para o aumento das tensões no ambiente escolar. "Sem essa base de respeito, algumas pessoas interpretam a orientação pedagógica como ofensa pessoal. O diálogo contínuo, antes, durante e depois dos conflitos, é o que impede que situações cotidianas terminem em violência", ressaltou.
O Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF) enfatizou que o episódio reflete um cenário de crescente violência contra profissionais da educação. Em nota, a entidade destacou que o episódio causa consternação e deve servir como ponto de reflexão sobre as causas da hostilidade direcionada a professores e professoras, agravada nos últimos anos pelo enfraquecimento do respeito à categoria e pela disseminação de discursos de intolerância.
Da sala de aula ao cenário de conflito
José Ivaldo de Lucena, mestre em educação e especialista em direitos humanos na Universidade Católica de Brasília
O recente episódio de agressão a um professor no Guará revela uma realidade preocupante: a escalada da violência nas escolas, especialmente contra os profissionais da educação. Embora pareçam casos isolados, esses episódios expõem falhas estruturais na proteção dos servidores e exigem respostas urgentes.
Além dos desafios pedagógicos, os professores enfrentam riscos físicos, emocionais e psicológicos. A escola, que deveria ser um espaço de aprendizado e acolhimento, tem se tornado, em muitos contextos, um ambiente hostil e inseguro. A ausência de protocolos eficazes de segurança, a carência de equipes multidisciplinares e o deficit de formação para lidar com conflitos tornam o cotidiano escolar vulnerável.
Esse cenário contribui para o aumento dos casos de adoecimento mental entre docentes, provocado por comportamentos inadequados de estudantes, exposição à violência e pela ausência de reconhecimento social quanto à relevância e à complexidade da profissão docente. Nesse contexto, contribuir para o desenvolvimento das competências socioemocionais dos docentes da educação básica é fundamental para a promoção de uma educação que tenha como fundamento o cuidado e a empatia, permitindo que os educadores não apenas sejam mediadores de conhecimentos, como também cultivem ambientes de aprendizagens seguros e acolhedores.
Além disso, investir em políticas públicas que garantam segurança, apoio emocional e valorização profissional é urgente. A presença de psicólogos, assistentes sociais e programas de mediação de conflitos e cultura de paz pode transformar a escola em um ambiente mais seguro e saudável. Campanhas de conscientização e fortalecimento da parceria entre famílias, estudantes, gestores e comunidade em geral também são fundamentais.
A violência contra professores não pode ser normalizada nem ignorada. Proteger quem educa é proteger o futuro da sociedade.

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