INSETOS

Começou a temporada das cigarras; saiba porque elas fazem tanto barulho

Calor e primeiras chuvas anunciam a cantoria desses insetos. Após longo período sob o solo, os machos emitem esse som estridente para atrair as fêmeas. Para alguns moradores, é uma sinfonia, para outros, um incômodo

Com o início da chuva, o som de água caindo não é o único que ressoa na capital. Chegou a temporada das cigarras. Com um canto que pode chegar a 120 decibéis, as cigarras marcam presença na vida dos brasilienses, anunciando a chegada da estação chuvosa. 

Para alguns moradores do Distrito Federal, a cegarrega — ruído produzido pelas cigarras — traz boas memórias. "O som das cigarras resgata lembranças maravilhosas: começo de chuvas e oportunidade de comer bolinhos de chuva, chamados também de folhões pela minha mãe", lembra Edson Bezerra, de 57 anos, vigilante de edifício no Plano Piloto.  

Nem todos, porém, compartilham do mesmo entusiasmo com o canto estridente. Isadora Tallarico, 19, estudante de direito, confessa que o som a incomoda. "Parece um liquidificador com defeito, então, não consigo achar agradável", afirma. Ela se lembra de uma tentativa inusitada de lidar com o barulho: "Quando era criança, irritada com o som, começava a gritar igual a elas para ver se paravam. Jurava que ia funcionar, mas nunca funcionou", conta, rindo.

Minervino Júnior/CB/D.A.Press - Isadora Tallarico não gosta do barulho: "Parece um liquidificador quebrado"

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Clima e reprodução

O aparecimento das cigarras coincide com um momento específico do clima brasiliense. Segundo o professor e especialista em climatologia da Universidade de Brasília (UnB), Rafael França, os meses de setembro e outubro são os mais quentes do ano no Distrito Federal. "É um período de transição entre a seca e o início das chuvas, com temperaturas muito altas, insolação forte e umidade ainda baixa", explica.

França acrescenta que as primeiras pancadas que antecedem a estação chuvosa são típicas dessa época: "O período chuvoso aqui, no Brasil Central, se estende de novembro até março. Outubro é um mês de passagem. Ainda há dias muito secos e quentes, mas começam a ocorrer chuvas isoladas, muitas delas devido ao calor intenso".

Para o professor de ciências biológicas do Centro Universitário de Brasília (Ceub), Fabrício Escarlate, no Cerrado brasileiro a sazonalidade pluvial e a oferta de alimentos desempenham um papel crucial no período de procriação das cigarras. "Essa relação entre cigarras e chuva pode variar em diferentes regiões e biomas, dependendo das condições ambientais específicas", ressalta.

Segundo Escarlate, o processo de conexão entre as chuvas e as cigarras é complexo, ao envolver respostas fisiológicas intrínsecas à regulação hormonal e à idade desses insetos: "Quando o ambiente sinaliza a chegada das chuvas, o sistema nervoso das cigarras interpreta essa mudança e estimula a transição para a fase adulta. Isso ocorre por meio dos hormônios da muda e o juvenil, que regulam a transição entre a forma jovem e a fase adulta das cigarras". 

Bióloga e especialista em entomologia, Larissa Queiroz explica que os indivíduos da família cicadidae, conhecidos comumente por cigarras, possuem diversos gêneros e espécies, assim, algumas características gerais podem variar de acordo com cada grupo. Um exemplo, é a recente descoberta publicada por pesquisadores da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e da Unidade Federal de Goiás (UFG) que revela uma espécie que se reproduz na seca do Cerrado — a Ariasa iporaensis — sendo esta uma exceção ao comum ciclo reprodutivo desses animais. 

Canto

A cegarrega (cantoria) é um elemento vital na fase reprodutiva da espécie, sendo utilizado pelos machos para atrair as fêmeas para a cópula. "O canto das cigarras é mais do que uma simples melodia. É a história da adaptação desses insetos à sua busca pela sobrevivência na natureza", afirma Escarlate.

Professor e especialista do Departamento de Zoologia da UnB, Paulo César Motta explica como o som é produzido pelo inseto: "Na parte central do corpo, no ventre, perto de onde as alas se instalam, a cigarra macho tem uma membrana que é como um tambor, chamada tímbalo, que é quase oco por dentro. Então, é como se fosse uma câmara de ressonância interna, o bichinho flexiona o corpo para frente e para trás, bem sutilmente, e produz o som".

O ruído produzido pelas cigarras varia de acordo com a espécie. A professora de biologia e entomologia da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Maria Fernanda Peñaflor, explica como ocorre o processo: "Cada espécie tem um padrão próprio de som, que varia tanto no ritmo da emissão quanto na frequência. Conseguimos identificar qual espécie está cantando apenas pelo som, visto que cada uma emite um canto específico para atrair as fêmeas de seu grupo. Assim, conseguem se comunicar e realizar uma sinalização característica dentro da mesma espécie."

Curiosidades

O Brasil abriga cerca de 160 espécies de cigarras registradas, oito delas encontradas no Distrito Federal. Com tamanhos que vão de um a sete centímetros, esses insetos chamam atenção por suas características peculiares.

De acordo com o Manual do Biodetetive (2017), desenvolvido pelo Centro Educacional Agrourbano Ipê Riacho Fundo (CAUB I) em parceria com a Educação Ambiental do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), algumas espécies de cigarras podem passar de quatro a 17 anos enterradas, se alimentando da seiva de raízes. Quando sai do solo, a cigarra sobe em uma árvore e se transforma, abandonando sua casca (exúvia) e tornando-se adulta. Na fase adulta as cigarras sobrevivem de dois a três meses. Os machos morrem após a fecundação, e as fêmeas, depois de colocar os ovos no chão.

A entomóloga Larissa Queiroz explica que nesse curto período, os insetos se alimentam de seiva que retiram do caule da planta. "Como possuem esse hábito alimentar, muitas vezes podem ser consideradas pragas em plantações", revela.

Apesar disso, a especialista afirma que esses insetos possuem função ecológica fundamental: "Elas servem de alimento para diversos animais, exercendo um importante papel nas cadeias alimentares; ajudam a aerar o solo, uma vez que vivem boa parte da vida embaixo da terra, se locomovem e escavam túneis em sua fase de ninfa (imaturo); ajudam na ciclagem de nutrientes; e podem ser bons indicadores da qualidade do ambiente".

Nesse contexto, com o crescimento da capital, surge uma problemática — a diminuição das cigarras. Larissa explica por que isso ocorre: "O aumento das áreas urbanas, normalmente, está associado à supressão vegetal. Consequentemente, também vai diminuir a biodiversidade nessa área, o que inclui as cigarras".

 *Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira

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