Em um ano e oito meses de mandato, o presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), Waldir Leôncio, apostou em tecnologia e incentivos a conciliações e mediações como estratégia para desafogar a tramitação dos processos e acelerar a entrega de resultados para demandas no tribunal.
Em 2026, começa a funcionar o Stela, ferramenta de apoio à decisão do magistrado, com análise de dados objetivos e precedentes para auxiliar na triagem de recursos. O uso de inteligência artificial será uma das marcas de sua gestão que se encerra em abril.
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Sobre os temas nacionais, o magistrado compartilha da opinião do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, sobre a necessidade de criação de um Código de Ética e Conduta para os tribunais. "Um Código de Ética e Conduta claro e atual fortalece a confiança da população no Judiciário, preserva a independência judicial e oferece maior segurança aos próprios magistrados quanto aos limites e deveres inerentes à função", afirma.
O presidente do STF, Edson Fachin, propõe a criação de um Código de Ética e Conduta para magistrados. O senhor concorda com esse ponto de vista?
Concordo plenamente. A magistratura já se orienta por sólidos princípios éticos, consagrados na Constituição, na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e no Código de Ética da Magistratura Nacional. Contudo, a atualização e sistematização desses parâmetros, à luz dos novos desafios institucionais, tecnológicos e comunicacionais, é salutar. Um Código de Ética e Conduta claro e atual fortalece a confiança da população no Judiciário, preserva a independência judicial e oferece maior segurança aos próprios magistrados quanto aos limites e deveres inerentes à função.
Um dos temas que desperta controvérsia é a atuação de cônjuges ou parentes de magistrados nos tribunais em que estes decidem. Como o senhor vê essa questão?
Trata-se de um tema sensível, que exige equilíbrio e observância rigorosa da legalidade. O ordenamento jurídico brasileiro veda o nepotismo e estabelece regras claras sobre impedimento e suspeição, justamente para preservar a imparcialidade e a credibilidade das decisões judiciais. Mais do que evitar situações ilegais, é fundamental também afastar quaisquer percepções de conflito de interesses. A transparência e o cumprimento estrito das normas são essenciais para a legitimidade institucional.
Por que, na sua opinião, o STF hoje é alvo de tantas críticas e tanto protagonismo na solução de problemas que deveriam ser tratados pelo Legislativo?
O protagonismo do Supremo Tribunal Federal decorre, em grande medida, de lacunas normativas e da dificuldade do Legislativo em enfrentar temas complexos e sensíveis da agenda nacional. A Constituição de 1988 conferiu ao Supremo um papel central na guarda da Constituição, o que naturalmente o coloca no centro de grandes debates. As críticas fazem parte do ambiente democrático, mas é importante reconhecer que o Judiciário atua, em regra, quando provocado, cumprindo o dever constitucional de dar resposta a conflitos que não encontraram solução em outras instâncias.
O senhor está há um ano e oito meses à frente do TJDFT. Quais são os principais avanços da sua gestão?
Destaco o fortalecimento da governança institucional, os avanços na modernização tecnológica, a ampliação do uso responsável da inteligência artificial, a melhoria na gestão de pessoas e o foco permanente na eficiência da prestação jurisdicional. Houve também significativo investimento em planejamento estratégico, alinhamento às diretrizes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e aprimoramento dos serviços ao cidadão.
Quais indicadores o senhor destacaria para demonstrar melhorias na prestação jurisdicional?
Podemos destacar a redução do tempo médio de tramitação de processos em diversas unidades, o aumento das taxas de congestionamento reverso, a elevação dos índices de produtividade e o desempenho consistente do Tribunal nos indicadores nacionais do CNJ, como o Justiça em Números e os selos de qualidade, que refletem eficiência, governança e inovação.
O cidadão do DF sente hoje um Judiciário mais rápido e acessível?
A ampliação dos serviços digitais, o fortalecimento do balcão virtual, o estímulo à conciliação e à mediação, além da modernização dos fluxos processuais, têm tornado o TJDFT mais acessível e responsivo. Ainda há desafios, mas a percepção de maior proximidade e agilidade é real e mensurável. Estamos muito empenhados em reduzir os prazos de solução definitiva dos processos e na melhoria da qualidade dos nossos trabalhos. Vale dizer, reduzir o tempo dos processos e melhorar a qualidade dos serviços.
Há algum projeto ou política implementada que o senhor considera um marco da sua gestão?
Destaco a consolidação do uso estratégico da inteligência artificial, o fortalecimento das políticas de governança e integridade, e as iniciativas voltadas à equidade, diversidade e proteção dos direitos fundamentais, sempre em consonância com as diretrizes do CNJ.
O TJDFT tem o Stela, inteligência artificial usada para analisar o cabimento de recursos. Como funciona e quais avanços proporcionou?
O Stela atua como ferramenta de apoio à decisão, analisa dados objetivos e precedentes para auxiliar na triagem e no exame de admissibilidade de recursos constitucionais para o STF e o STJ. Ele não substitui o magistrado, mas qualifica o trabalho jurisdicional, promove maior celeridade, padronização e segurança jurídica. Está em fase de testes para a implantação no início de 2026.
O uso de inteligência artificial no TJDFT já apresenta impactos mensuráveis?
Sim. Os impactos são perceptíveis na redução do tempo de análise, no aumento da produtividade e na racionalização do trabalho, ao permitir que magistrados e servidores se dediquem a atividades de maior complexidade intelectual.
Há riscos ou limites no uso dessas tecnologias no Judiciário?
Certamente. Por isso, o uso da inteligência artificial deve observar princípios como transparência, explicabilidade, controle humano, proteção de dados e não discriminação. A tecnologia é ferramenta de apoio, jamais substituto da função jurisdicional, que é indelegável.
Qual foi o maior desafio administrativo ou institucional enfrentado nesses quase dois anos?
Conciliar inovação e eficiência com responsabilidade fiscal, valorização das pessoas e respeito às limitações estruturais foi um grande desafio. Além disso, lidar com o aumento da demanda judicial em um contexto de profundas transformações sociais exigiu planejamento e capacidade de adaptação. Nosso lema é Justiça e tecnologia.
A sobrecarga de processos ainda é um problema? O que efetivamente mudou?
Ainda é um desafio, mas houve avanços importantes. A redistribuição racional de força de trabalho, o uso intensivo de tecnologia, a padronização de rotinas e o estímulo à autocomposição contribuíram para melhorar o enfrentamento do acervo processual. Mas o desafio é grande e constante, afinal na mesma proporção que melhoramos os nossos índices, aumenta o volume das demandas.
Algumas varas — especialmente nas áreas cível, família, fazenda pública e violência doméstica — ainda enfrentam acúmulo significativo de processos. O que pode ser feito para mudar essa realidade?
A resposta passa por múltiplas frentes: especialização de unidades, reforço estrutural, uso inteligente de dados, ampliação de métodos consensuais e políticas públicas integradas, especialmente em áreas sensíveis como família e violência doméstica.
Como o TJDFT tem contribuído para ajudar a sociedade a enfrentar a epidemia de feminicídios?
O Tribunal atua de forma firme por meio do fortalecimento das varas especializadas, da capacitação permanente de magistrados e servidores, da articulação com a rede de proteção e da priorização absoluta dos processos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, em consonância com a legislação e as diretrizes do CNJ.
A resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre paridade de gênero tem sido cumprida pelo tribunal? O que o senhor destaca como evolução neste sentido?
Sim. O TJDFT vem implementando de forma progressiva e responsável as diretrizes da Resolução CNJ nº 525, que trata da paridade de gênero, com atenção à meritocracia, à transparência e à igualdade de oportunidades. Destaco o avanço na ocupação de espaços decisórios por mulheres, o fortalecimento de políticas institucionais de equidade e a consolidação de uma cultura organizacional mais inclusiva.
