SAÚDE

Remédio usado em cães é aposta de pesquisadores para tratar covid-19

Usado em cães, o masitinibe reduz em mais de 99% a carga do Sars-CoV-2 em ratos e células humanas infectados em laboratório

Correio Braziliense
postado em 24/07/2021 06:00
Equipe avaliou um banco com 1,9 mil medicamentos clinicamente seguros para chegar ao mais promissor: ensaio com humano está previsto -  (crédito: Rob Engelaar/AFP - 4/3/20)
Equipe avaliou um banco com 1,9 mil medicamentos clinicamente seguros para chegar ao mais promissor: ensaio com humano está previsto - (crédito: Rob Engelaar/AFP - 4/3/20)

Novo estudo da Universidade de Chicago (Uchicago) descobriu que um medicamento de uso veterinário, o masitinibe, pode ser eficaz no tratamento da covid-19. A droga — que passou por vários ensaios clínicos, mas ainda não recebeu aprovação para tratar humanos — inibiu a replicação do Sars-CoV-2 em culturas de células humanas e em camundongos, levando a cargas virais muito mais baixas. O estudo foi publicado, nesta semana, na revista Science.

Os pesquisadores da Faculdade Pritzker de Engenharia Molecular da UChicago, trabalhando com colaboradores no Laboratório Nacional Argonne, nos EUA, e de outros países, também descobriram que a droga poderia ser eficaz contra outros tipos de coronavírus e picornavírus. Por causa da forma como o medicamento inibe a replicação viral, também se demonstrou que ele permanece eficaz em face das diversas variantes do Sars-CoV-2.

“Os inibidores da principal protease do Sars-CoV-2, classe de drogas como o masitinibe, podem ser uma nova forma potencial de tratar pacientes com covid, especialmente nos estágios iniciais da doença”, disse Savas Tay, que liderou a pesquisa. “A covid, provavelmente, estará conosco por muitos anos, e novos coronavírus continuarão a surgir. Encontrar drogas existentes que tenham propriedades antivirais pode ser parte essencial do tratamento dessas doenças”, completou.

Quando os lockdowns começaram nos EUA, em março de 2020, Tay e Nir Drayman, pós-doutorado especializado em virologia, começaram a pensar em como poderiam ajudar no combate à crise sanitária. Em busca de um tratamento melhor para a covid-19, eles começaram a examinar uma biblioteca composta por 1,9 mil medicamentos clinicamente seguros contra o OC43, um coronavírus que causa o resfriado comum e pode ser estudado em condições normais de biossegurança. A equipe usou culturas de células para determinar o efeito dos medicamentos na infecção.

Como resultado desse trabalho inicial, entregaram os 30 melhores candidatos ao professor de microbiologia Glenn Randall, que os testou em culturas de células contra Sars-CoV-2. As medições — feitas no Laboratório Howard Taylor Ricketts e no Laboratório Nacional Argonne, ambientes de alta segurança — revelaram quase 20 drogas que inibem o Sars-CoV-2. A equipe também enviou os candidatos a medicamentos a outros colaboradores para testar a ação contra a protease 3CL, a enzima dentro dos coronavírus que permite que eles se repliquem nas células.

Descobriu-se que, dos candidatos a medicamentos, o masitinibe inibiu completamente a enzima viral 3CL dentro das células, um fato que foi confirmado por cristalografia de raios X pelo grupo de Andrzej Joachimiak, no laboratório em Argonne. A droga se liga especificamente ao sítio ativo da protease 3CL e inibe a replicação viral posterior. “Isso nos deu uma forte indicação de como essa droga funciona, e ficamos confiantes de que ela tem uma chance de funcionar em humanos”, disse Drayman.

Em seguida, os pesquisadores trabalharam com colegas da Universidade de Louisville, nos EUA, para testar a droga em um modelo de camundongo. Descobriram que o medicamento reduziu a carga viral em mais de 99% nas cobaias e diminuiu os níveis de citocinas inflamatórias. Paralelamente, os cientistas também começaram a investigar a molécula em culturas de células contra outros vírus, e detectaram que ela também era eficaz contra os picornavírus, grupo que inclui hepatite A, poliomielite e rinovírus que causam o resfriado comum.

Variantes

Em outra frente do estudo, a equipe testou a droga em culturas de células para avaliar a ação contra três variantes do Sars-CoV-2 — Alfa, Beta e Gama. O medicamento funcionou igualmente bem contra as cepas, uma vez que se liga à protease e não à superfície do vírus. Agora, a equipe trabalha com a empresa farmacêutica que desenvolveu o medicamento, a AB Science, para ajustá-lo e torná-lo um antiviral ainda mais eficaz. Enquanto isso, o próprio masitinibe pode ser levado para ensaios clínicos em humanos, a fim de testar seu efeito em um tratamento para a covid-19, disseram os cientistas.

“O masitinibe tem potencial para ser um antiviral eficaz agora, especialmente quando alguém é infectado pela primeira vez. As propriedades antivirais da droga terão o maior efeito”, afirmou Drayman. “Esse não é o primeiro novo surto de coronavírus e não será o último. Além das vacinas, precisamos ter novos tratamentos disponíveis para ajudar aqueles que foram infectados.”

Embora a droga seja aprovada apenas para tratar tumores de mastócitos em cães, ela foi submetida a testes clínicos em humanos para várias doenças, incluindo melanoma, Alzheimer, esclerose múltipla e asma. Foi demonstrado que é segura, mas causa efeitos colaterais, incluindo distúrbios gastrointestinais e edema, e pode, potencialmente, aumentar o risco de doenças cardíacas.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação