SAÚDE

Estudos mostram avanços significativos em tratamento contra câncer

Pesquisas apresentadas no congresso anual da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (Esmo) revelam que combinação de terapias surtiram resultados relevantes no enfrentamento a diversos tumores, com aumento de sobrevida de pacientes

Paloma Oliveto
postado em 26/09/2021 06:00 / atualizado em 27/09/2021 15:31
 (crédito: Eric Gaillard - 5/11/12)
(crédito: Eric Gaillard - 5/11/12)


Depois de quase dois anos de discussões médico-científicas concentradas na covid-19, estudos sobre um outro grupo de enfermidades graves e com mortalidade anual estimada em 10 milhões de pessoas mostraram avanços significativos para o tratamento e a sobrevida dos pacientes de câncer. Encerrado na semana passada, o congresso anual da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (Esmo) apresentou bons resultados de pesquisas para alguns dos mais de 100 tipos de tumores hematológicos e sólidos, caracterizados pela disseminação excessiva de células defeituosas no organismo.

Em uma semana de encontros virtuais, o congresso da Esmo trouxe pesquisas nas fases II e III; ou seja, em estágios próximos da aprovação de agências reguladoras. Os estudos com maior destaque entre a comunidade médica foram aqueles que demonstraram como a combinação de drogas pré-existentes — sozinhas ou conjugadas a técnicas já bem estabelecidas, como radioterapia —, levaram a um aumento na sobrevida de pacientes com doença localizada ou metastática, quando o câncer invade outros órgãos além do primário.

“O estudo mais importante da Esmo foi o que mostrou que a imunoterapia, quando associada à quimioterapia e a drogas antiangiogênicas, aumentou a sobrevida de pacientes de câncer de colo uterino”, aponta o oncologista Fernando Maluf, do Instituto Vencer o Câncer e dos hospitais Albert Einstein e Beneficência Portuguesa, em São Paulo. “No passado, o tratamento era quimioterapia e antiangiogênicos, mas essa pesquisa com 617 pacientes mostrou que a adição de um anticorpo chamado pembrolizumab reduziu o risco de morte em 36%”, afirma o médico.

O uso de anticorpos — a chamada imunoterapia — revolucionou o tratamento do câncer na última década e, apesar de não ser indicado para todas as formas da doença, tem aumentado a qualidade e a expectativa de vida dos pacientes. O estudo citado por Maluf, o Keynote-826, demonstrou que a adição de um anticorpo ao tratamento de primeira linha aumentou em oito meses a sobrevida de mulheres com tumor oncológico cervical recorrente, persistente ou metastático. O câncer cervical é um problema global, com mais de 600 mil novos casos e aproximadamente 340 mil óbitos registrados no ano passado.

O estudo dividiu aleatoriamente 617 mulheres para receber a imunoterapia (pembrolizumabe) ou placebo. Ambos os grupos também fizeram quimioterapia. Adicionar o imunoterápico ao regime reduziu o risco de morte em 33% e diminuiu a probabilidade de progressão da doença em 36%. “Os dados são tão sólidos em termos de incremento na sobrevida global que essa combinação deve ser considerada o novo padrão de tratamento para mulheres com câncer cervical persistente, recorrente ou metastático”, avalia o oncologista da Universidade de Navarra Antonio González-Martín, não envolvido com a pesquisa.

Solução eficiente

Na opinião do oncologista Fernando Maluf, estudos baseados na combinação de tratamentos para câncer de próstata também foram destaques do congresso. Um deles, o Stampede, conduzido pela Universidade College London, na Inglaterra, com 1.974 pacientes, mostrou que uma nova combinação de drogas antigas reduziu significativamente o risco de metástase e óbito durante seis anos de acompanhamento, comparado ao tratamento padrão.

O objetivo do estudo foi verificar o impacto da abiraterona — um inibidor hormonal que funciona de maneira diferente dos medicamentos do tipo — usado sozinho ou com outra droga (enzalutamida), concomitantemente ao tratamento padrão. Entre os voluntários, 988 receberam o tratamento usual: terapia hormonal com ou sem radioterapia, enquanto 986 associaram o abiraterone ao tratamento padrão (desses, 527 também foram tratados com enzalutamida).

Passados seis anos, a proporção de homens cujo câncer não se espalhou após seis anos no grupo de terapia à base de abiraterona e tratamento padrão (com ou sem enzalutamida) foi de 82%. Já entre os que ficaram apenas com a terapia usual, esse índice foi de 69%. Quanto à sobrevivência, 86% e 77% dos pacientes, respectivamente, estavam vivos após o período de acompanhamento.

Forte potencial

Na área de câncer de mama, o oncologista Max Mano, do Grupo Oncoclínicas, aponta três estudos que, segundo ele, têm potencial de mudar o tratamento padrão. Um deles, o Keynote 522, avaliou a associação do imunoterápico pembrolizumabe à quimioterapia em mais de mil pacientes com tumor triplo negativo, o de pior prognóstico.

“O estudo mostrou que, além de aumentar a resposta do tumor ao tratamento, a droga diminui de maneira muito significativa a taxa de recorrência da doença, tanto nas piores formas — de metástase —, quanto em outros tipos de recorrência. Foi um grande acréscimo para os pacientes e vai representar um novo padrão de tratamento do triplo negativo.”

Mano também destaca o Keynote 355, que avaliou a associação do pembrolizumabe à quimioterapia para pacientes com metástases e, portanto, sem chance de cura, que também aumentou a sobrevida e o tempo de controle da doença.

Por fim, o oncologista cita o Monalisa 2, estudo que demonstrou um ganho de mais de um ano de vida para mulheres na pós-menopausa e com câncer de mama avançado, ao associar, ao tratamento de primeira linha, o ribociclibe, um inibidor de enzimas que estimulam as células cancerosas.

“Não são drogas novas, o riboclicibe já está no mercado, mas agora vemos um desfecho do estudo sobre o tempo de sobrevida. Antes, já tínhamos visto o aumento no tempo do controle da doença. As pacientes tomando riboclicibe vivem mais de um ano do que as que não tomam, recebem menos quimioterapia e demoram mais de um ano para precisar da quimioterapia”, ressalta Max Mano.

Duas perguntas / Carlos Gil Ferreira - oncologista e presidente do Instituto Oncoclínicas

Quais estudos apresentados no congresso da Esmo foram os mais importantes, na opinião do senhor?
Esse congresso vem se tornando a cada ano um evento cada vez mais relevante, em que dados inéditos e que mudam condutas são apresentados. Houve avanços no tratamento de alguns tumores, como o câncer de colo uterino, com a comprovação de que a imunoterapia tem papel no tratamento das pacientes com doenças avançadas. Também foram apresentados dados importantes sobre o câncer de mama e tumores geniturinários. Então, é realmente um congresso que veio para marcar a era. Embora a gente não tenha nenhuma mudança completa de paradigma, os estudos mostram, com certeza, avanços para vários tipos de tumores.


Várias companhias apresentaram estudos sobre câncer de pulmão, o que mais mata no mundo. Algum pode ser considerado, de fato, promissor?
Houve vários dados interessantes. O primeiro é na população de pacientes com câncer de pulmão com alterações de HER2, o mesmo receptor alterado em câncer de mama, e que ocorre em entre 2% e 4% dos pacientes. O uso de uma droga chamada trastuzumabe deruxtecano mostrou um resultado muito promissor, que pode representar uma nova opção de tratamento para esses pacientes. Talvez o estudo mais desafiador tenha sido o apresentado durante o Simpósio Presidencial. É sobre o uso de imunoterapia, no caso, o atezolizumabe, em pacientes operados ou tratados com radiocirurgia. Ainda é imaturo em termos de resultado final, mas que mostra uma tendência de benefício; ele não muda a conduta ainda, mas a gente deve acompanhar pelos próximos anos pelo potencial que demonstrou.

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Duas perguntas / Carlos Gil Ferreira - oncologista e presidente do Instituto Oncoclínicas

 (crédito:  Grupo Oncoclínicas/Divulgação)
crédito: Grupo Oncoclínicas/Divulgação


Quais estudos apresentados no congresso da Esmo foram os mais importantes, na opinião do senhor?
Esse congresso vem se tornando a cada ano um evento cada vez mais relevante, em que dados inéditos e que mudam condutas são apresentados. Houve avanços no tratamento de alguns tumores, como o câncer de colo uterino, com a comprovação de que a imunoterapia tem papel no tratamento das pacientes com doenças avançadas. Também foram apresentados dados importantes sobre o câncer de mama e tumores geniturinários. Então, é realmente um congresso que veio para marcar a era. Embora a gente não tenha nenhuma mudança completa de paradigma, os estudos mostram, com certeza, avanços para vários tipos de tumores.


Várias companhias apresentaram estudos sobre câncer de pulmão, o que mais mata no mundo. Algum pode ser considerado, de fato, promissor?
Houve vários dados interessantes. O primeiro é na população de pacientes com câncer de pulmão com alterações de HER2, o mesmo receptor alterado em câncer de mama, e que ocorre em entre 2% e 4% dos pacientes. O uso de uma droga chamada trastuzumabe deruxtecano mostrou um resultado muito promissor, que pode representar uma nova opção de tratamento para esses pacientes. Talvez o estudo mais desafiador tenha sido o apresentado durante o Simpósio Presidencial. É sobre o uso de imunoterapia, no caso, o atezolizumabe, em pacientes operados ou tratados com radiocirurgia. Ainda é imaturo em termos de resultado final, mas que mostra uma tendência de benefício; ele não muda a conduta ainda, mas a gente deve acompanhar pelos próximos anos pelo potencial que demonstrou.

Vacina mostra eficácia em doentes

Embora pesquisas sobre tratamento sejam o foco do maior congresso de oncologia clínica da Europa, um dos destaques do evento, segundo especialistas, foi uma pesquisa que demonstrou a eficácia da vacina para covid-19 em pacientes de câncer. Havia uma preocupação de que, devido aos medicamentos, que baixam a imunidade, as substâncias não fossem tão efetivas.

Porém, a produção de anticorpos neutralizantes — aqueles capazes de impedir a replicação do vírus — foi tão abundante nessas pessoas quanto nas que não estão sob tratamento de câncer. Outro estudo, também apresentado no congresso, mostrou, contudo, que a proteção diminui mais cedo, sugerindo a prioridade desse público para a aplicação de uma dose de reforço da vacina.

“Esses dois trabalhos foram muito relevantes”, define o oncologista Fernando Maluf, um dos fundadores do Instituto Vencer o Câncer e médico dos hospitais Albert Einstein e Beneficência Portuguesa, em São Paulo. “Essa imunidade pode cair mais rapidamente em pacientes com câncer, talvez por um efeito dos tratamentos de imunossupressão. Portanto, mostra a relevância de uma terceira dose de vacina para pacientes que têm diagnóstico de câncer”, diz.

A eficácia da vacina para covid-19 em pacientes oncológicos foi identificada por pesquisadores holandeses e apresentada no congresso da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (Esmo) na semana passada. O estudo mostrou que as pessoas com câncer têm uma resposta imune protetora de acordo com que se espera da vacina, sem passar por efeitos colaterais diferentes que a população em geral.

Para explorar o impacto potencial da quimioterapia e da imunoterapia na proteção conferida pelos imunizantes, o estudo Voice inscreveu 791 pacientes de vários hospitais na Holanda em quatro grupos distintos: indivíduos sem câncer, os com câncer tratados com imunoterapia, os submetidos à quimioterapia e, finalmente, os tratados com uma combinação de quimioimunoterapia, para medir suas respostas à vacina de mRNA (a norte-americana Moderna, que usa o mesmo protocolo da Pfizer) no regime de duas doses.

Vinte e oito dias após a administração da segunda dose, níveis adequados de anticorpos contra o vírus no sangue foram encontrados em 84% dos pacientes com câncer recebendo quimioterapia, 89% daqueles na quimioimunoterapia em combinação, e 93% dos em imunoterapia isolada. “Fica realmente a mensagem de que pacientes com câncer em tratamento imunossupressor devem ser prioritários em termos de vacinação, porque eles, de fato, podem se beneficiar dessa vacinação”, destaca o oncologista brasileiro Carlos Gil Ferreira, presidente do Instituto Oncoclínicas. (PO)

 

 

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