Apesar dos avanços no tratamento de cânceres, muitos tumores apresentam uma forte resistência no organismo e, por meio de mutações, conseguem se manter ativos. Essa é uma das dificuldades enfrentadas no combate à leucemia. Pesquisadores dos Estados Unidos conseguiram driblá-la por meio de uma nova terapia imune e, agora, anunciam que dois homens submetidos a ela estiverem em remissão da doença por mais de uma década. Ambos os voluntários receberam uma abordagem médica baseada nas próprias células de defesa, que foram modificadas por meio de engenharia genética para combater as estruturas doentes. Os resultados animadores da técnica foram apresentados na última edição da revista especializada Nature.
Bill Ludwig e Doug Olson, ambos diagnosticados com leucemia linfocítica crônica (LLC), receberam em 2010 a mesma notícia: o câncer que tinham havia sofrido mutações e não respondia mais à terapia padrão. Após testarem uma série de tratamentos que não geraram melhora, os pacientes se ofereceram como voluntários para testar uma abordagem experimental criada por pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade da Pensilvânia.
O tratamento é baseado no uso de células T do receptor de antígeno quimérico (CAR-T), que são coletadas dos pacientes e, em seguida, modificadas para reconhecer e atacar os agentes cancerígenos. Depois, são devolvidas como uma infusão de sangue. Já no primeiro ano, os dois voluntários alcançaram a remissão completa. Ao longo dos anos seguintes, Olson, um ex-cientista com 75 anos, começou a correr e completou seis meias maratonas. Ludwig, um agente penitenciário aposentado, viajou pelo país com a esposa em um trailer e também comemorou eventos marcantes com a família, como o nascimento de netos. No início do ano passado, porém, morreu devido a complicações desencadeadas pela covid- 19.
Até então, terapias com CAR-T tinham rendido bons resultados em análises curtas. Não havia estudos de longo prazo com humanos, e os desfechos em experimentos com ratos não foram positivos. Devido a esses antecedentes, os dados obtidos agora, uma década depois do início da pesquisa, são bastante animadores, avalia Joseph Melenhorst, professor de patologia na instituição de ensino e principal autor do estudo.
"Essa remissão a longo prazo é notável. Testemunhar pacientes vivendo livres do câncer é uma prova da tremenda potência dessa 'droga viva' que funciona efetivamente contra células cancerígenas. Testemunhar nossos pacientes respondendo bem a essa terapia celular inovadora fez com que todos os nossos esforços valessem a pena. Ser capaz de dar-lhes mais tempo para viver e passá-lo com os entes queridos é algo único", enfatiza, em comunicado.
Segundo a equipe americana, um dos motivos de o tratamento ter dado certo surgiu durante as primeiras observações após o procedimento. Células de defesa chamadas linfócitos CD8, que são as primeiras a agir no combate à doença, se uniram aos linfócitos CD4, que têm uma função mais de controle. A aposta é de que isso pode ter sido essencial para evitar a expansão do câncer.
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Tumores sólidos
O grupo também acredita que o mesmo tipo de estratégia poderá funcionar no combate a outros tumores. "A terapia com células CAR-T se mostrou extremamente eficaz para leucemias e linfomas específicos, e esperamos continuar nossos esforços nesses cânceres ao mesmo tempo em que analisamos seu impacto em tumores sólidos, com pesquisas feitas nos próximos anos", diz David L. Porter, também autor do estudo e professor da Universidade da Pensilvânia. "Costumamos dizer que aprendemos algo com cada paciente que tratamos com essas terapias. Bill e Doug, em particular, nos deram tantas pistas importantes que nos manteremos focados ainda mais nessas novas terapias", acrescenta.
Volney Lara Vilela, coordenador da hematologia e transplante de medula óssea do Hospital Sírio-Libanês em Brasília, explica que a técnica CAR-T, é usada no tratamento de outros tumores hematológicos, mas apenas nos Estados Unidos, e em períodos mais curtos, desde 2017. "Tem aprovação das autoridades americanas para tratar a leucemia linfoblástica aguda, que é uma enfermidade muito agressiva. Em determinados momentos, não há mais opções para tratá-la. É aí que essa tecnologia entra", detalha. "Os pesquisadores da Universidade da Pensilvânia foram pioneiros nessa terapia e, agora, trazem esses resultados positivos em pacientes com a leucemia linfocítica crônica com um efeito duradouro, o que pode fazer com que essa abordagem também seja aprovada para uso em pessoas com esse perfil", acredita.
Alto custo
Segundo o médico, uma das principais vantagens da CAR-T é um resultado eficaz e duradouro com apenas uma sessão de tratamento. "Ao contrário de outras técnicas mais recentes, a infusão é única, não precisa repetir de tempos em tempos. O custo é alto, cerca de US$ 500 mil, mas, quando você vê que o paciente se mantém bem por uma década, isso se torna algo mais compensatório", diz.
Vileta também acredita que mais pesquisas que avaliem a tecnologia no tratamento de outros tipos de câncer devem surgir, mas indica possíveis dificuldades. "No caso de tumores sólidos, fica mais difícil de ter uma melhora, já que essas células são postas diretamente na corrente sanguínea, que é onde está o tumor hematológico", explica.
O hematologista conta que a CAR-T também tem sido estudada por pesquisadores brasileiros. "Já temos trabalhado com esse objetivo, em busca com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de uma autorização, mas também é algo difícil pela estrutura necessária, já que o paciente vai passar também por quimioterapia e avaliações constantes para monitorar possíveis efeitos colaterais. É preciso ter centros especializados para dar todo esse apoio", relata.
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