Comorbidade

Risco de obesidade é 48% maior em adolescentes que comem ultraprocessados

Adolescentes que comem ultraprocessados também têm mais probabilidade de sofrerem complicações como diabetes e pressão alta, mostra estudo da USP

Vilhena Soares
postado em 13/04/2022 06:00
 (crédito:  KENZO TRIBOUILLARD)
(crédito: KENZO TRIBOUILLARD)

Uma pesquisa brasileira revela que o risco de obesidade é 45% maior entre adolescentes que comem ultraprocessados regularmente. Os especialistas chegaram a essa conclusão após avaliarem dados relacionados à dieta de mais de 3 mil jovens. E os dados obtidos, acreditam, servem como um alerta para familiares e autoridades de saúde sobre a importância da adoção de ações que ajudem a melhorar os comportamentos alimentares de indivíduos dessa faixa etária. Detalhes do trabalho foram publicados na revista especializada Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics.

A equipe da Universidade de São Paulo (USP) analisou dados de 3.587 adolescentes, com 12 a 19 anos, participantes do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES), um estudo realizado nos Estados Unidos, entre 2011 e 2016. Os participantes tiveram que descrever todos os alimentos e bebidas consumidos diariamente, detalhando quantidades, horários e locais, foram divididos em grupos de acordo com a quantidade de alimentos ultraprocessados consumidos. Dados antropométricos dos participantes, como peso, altura e circunferência da cintura, também foram coletados.

Toda essa diversidade de dados disponíveis levou a equipe brasileira a usar, na análise, os dados de jovens estadunidenses. "O Brasil não realiza pesquisas de nutrição de adolescentes que também coletam dados antropométricos pessoalmente. Pesquisas desse tipo em todo o país são muito caras e exigem financiamento contínuo. Temos alguns estudos semelhantes, mas eles são mais simples", explica Daniela Neri, uma das autoras do estudo e membro do Núcleo de Estudos Epidemiológicos em Nutrição e Saúde (Nupens), da Faculdade de Saúde Pública da USP, em entrevista à Agência Fapesp de notícias.

Ao comparar os jovens com o nível mais alto de consumo de ultraprocessados (64% da dieta total, em média) com aqueles com nível mais baixo (18,5%), a equipe descobriu que os integrantes do primeiro grupo tinham 45% mais risco de serem obesos e 52% mais risco de terem obesidade abdominal (excesso de gordura ao redor da cintura). Outro dado chamou ainda mais atenção dos cientistas: esses jovens também tinham uma probabilidade 63% maior de sofrerem com obesidade visceral, que é o excesso de gordura sobre e ao redor dos órgãos abdominais, incluindo fígado e intestinos. A complicação está relacionada ao desenvolvimento de enfermidades preocupantes, como pressão alta, doença arterial coronariana, diabetes tipo 2 e colesterol alto, além de um risco aumentado de morte.

Segundo os autores do estudo, as descobertas também retrataram a realidade dos adolescentes brasileiros, que são expostos a ultraprocessados desde muito cedo, embora em menor proporção do que os americanos. Elas também ajudam, avaliam, a enxergar melhor um problema que preocupa especialistas há alguns anos. "Existem evidências científicas substanciais do papel negativo dos ultraprocessados na pandemia da obesidade. Isso é muito bem estabelecido para adultos. Com relação aos jovens, já havíamos constatado que o consumo desses produtos é alto, representando cerca de dois terços da dieta dos adolescentes nos Estados Unidos, mas pesquisas sobre a associação entre o consumo de ultraprocessados e desfechos de saúde, incluindo a obesidade, eram escassas e inconsistentes", detalha Neri.

Dietas deterioradas

O mesmo grupo de pesquisadores avaliou dados sobre a dieta de adolescentes brasileiros, considerando a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2017/2018, conduzida pelo IBGE, e os comparou com informações semelhantes de jovens que vivem em Argentina, Austrália, Chile, Colômbia, México, Reino Unido e Estados Unidos. Constatou-se uma porcentagem de ingestão de ultraprocessados entre os brasileiros de 27% — maior do que a dos colombianos (19%) e menor do que as taxas britânicas (68%) e estadunidenses (66%).

Nesse estudo, os jovens também foram divididos em grupos de acordo com o consumo de ultraprocessados. "Observamos uma deterioração na qualidade da dieta à medida que cresce a proporção desses alimentos, aumentando a densidade energética e o teor de açúcar e reduzindo o teor de fibras. O efeito negativo é muito semelhante em todos os países, independentemente da proporção de alimentos ultraprocessados, região ou cultura", diz Neri.

A cientista alerta que, mesmo os alimentos ricos em proteínas e nutrientes, como o arroz e o feijão, constituírem a maior parte da dieta básica da maioria dos brasileiros, os ultraprocessados têm sido cada vez mais comuns na dieta de crianças. "Ao serem expostos a esses alimentos obesogênicos, crianças e adolescentes estão sendo programados para futuros problemas de saúde. É extremamente preocupante", enfatiza.

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Perigosa praticidade

Quando começaram a dominar as prateleiras, os ultraprocessados estavam muito associados a um discurso de mais autonomia alimentar, lembra Mariana Melendez, nutricionista e doutoranda em nutrição humana pela Universidade de Brasília (UnB) na área de obesidade e cirurgia bariátrica. "Lembro que, quando entraram na moda, todos adolescentes comiam não só pelo sabor diferente, mas pela praticidade. Esses alimentos eram vendidos nessa época como produtos mais práticos, que você poderia levar dentro da bolsa", diz. "Esse estudo mostra que esse hábito se manteve, mesmo a gente sabendo, agora, dos riscos envolvidos. E os prejuízos mostrados são muito relevantes, principalmente a obesidade visceral, relacionada a uma série de riscos à saúde."

A nutricionista também considera que os resultados acendem uma luz de alerta que não pode ser ignorada. "Todos esses resultados mostram uma urgência necessária para modificar os hábitos alimentares dessa faixa etária da população. Por mais que não seja possível cortar o consumo de todos os ultraprocessados, é importante diminuir a quantidade deles, e isso precisa ser corrigido no dia a dia, é um trabalho constante", diz Melendez.

Daniela Neri, uma das autoras do estudo, pontua a importância também de políticas públicas que favoreçam a adoção de novos hábitos. "Devemos ir além da educação do consumidor (…) Diferentes estratégias são possíveis, como colocar restrições à publicidade, especialmente quando dirigida ao público infantil, aumentar a tributação de alimentos ultraprocessados e, ao mesmo tempo, melhorar o acesso a produtos frescos", sugere. "Outra medida de vital importância seria exigir que os fabricantes desses produtos incluíssem informações mais claras nos rótulos para ajudar os consumidores a fazerem melhores escolhas." 

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