aquecimento global

Relatório da ONU mostra que indicadores de mudanças climáticas bateram recordes

Relatório das Nações Unidas mostra que principais indicadores bateram recorde em 2021, agravando o aquecimento global. Cientistas pedem urgência na adoção de medidas que interrompam trajetória catastrófica e investimento em energia limpa

Vilhena Soares
postado em 19/05/2022 06:00
 (crédito: PAUL ELLIS)
(crédito: PAUL ELLIS)

No ano passado, o mundo bateu uma série de recordes que não devem ser comemorados, pois refletem o agravamento de indicadores cruciais relacionados às mudanças climáticas. Essas marcas preocupantes foram apresentadas, ontem, na última edição do relatório Estado do clima mundial em 2021, desenvolvido por especialistas da Organização Meteorológica Mundial (OMM). No documento, os cientistas da agência das Nações Unidas também alertaram para a importância de adoção de medidas que revertam esse cenário, como a troca de combustíveis fósseis por fontes de energia mais limpas. Segundo os especialistas, é necessário tomar providências urgentes para evitar uma situação ainda mais dramática no futuro, capaz de conduzir a humanidade a uma catástrofe.

No relatório, a OMM destaca degradação de quatro indicadores-chave que anunciam um cenário climático extremamente inquietante — altas concentrações de gases do efeito estufa, a acidificação dos oceanos e o aumento do nível do mar e das temperaturas, que "registraram valores sem precedentes" no ano passado, revelaram os especialistas. Segundo a organização, a atividade humana provocou alterações em escala planetária: na terra, no oceano e na atmosfera, com "ramificações nefastas e duradouras" para os ecossistemas.

O documento mostra que, de acordo com os registros disponíveis, os últimos sete anos foram os mais quentes da história. Apesar de os fenômenos meteorológicos vinculados a La Niña, registrados no início e no fim de 2021, terem provocado um efeito de resfriamento das temperaturas do planeta, o ano foi um dos mais sufocantes da história, com média global de quase 1,11°C acima do nível pré-industrial.

Esse número é alarmante, já que o Acordo de Paris pretende limitar o aumento da temperatura no planeta a 1,5°C na comparação com a era pré-industrial. "Seguimos agora para um aquecimento de 2,5°C a 3°C graus, ao invés de 1,5°C", declarou Petteri Taalas, secretário-geral da OMM, em uma entrevista coletiva realizada em Genebra, na Suíça.

Efeito estufa

Além dos recordes de calor, a OMM chama a atenção para a alta concentração de gases do efeito estufa. Em abril de 2020, a taxa foi de 416,45 partes de dióxido de carbono (CO2) por milhão (ppm) no mundo. No mesmo mês de 2021, estava em 419,05ppm, alcançando 420,23ppm em abril deste ano. O relatório também mostra que o buraco na camada de ozônio sobre a Antártida se tornou mais "extenso e profundo", atingindo a marca de 24,8 milhões de quilômetros quadrados, superfície equivalente ao tamanho da África. "Nosso clima está mudando diante de nossos olhos. Os gases de efeito estufa induzidos pelo homem aquecerão o planeta por muitas gerações vindouras", frisou Taalas.

Outro ponto de destaque é o calor crescente nos mares. Grande parte do oceano experimentou pelo menos uma forte onda de calor marinha em 2021, informou a OMM. O nível global do mar também atingiu um novo recorde em 2021 — aumentou 10 centímetros desde 1993 —, e esse crescimento está se acelerando, impulsionado pelo derretimento das camadas de gelo e geleiras, frisaram os especialistas no documento.

Segundo os cientistas, essa situação põe em perigo centenas de milhões de moradores do litoral, já que torna ainda mais grave os danos causados por furacões e ciclones. "O clima extremo tem um impacto imediato em nossas vidas diárias. Estamos vendo uma emergência de seca se desenrolando no Chifre da África, recentes inundações mortais na África do Sul e o calor extremo na Índia e no Paquistão", ressaltou o dirigente da OMM.

Os autores do levantamento explicam que os oceanos são responsáveis por absorver quase 23% das emissões anuais de origem humana de CO2. Apesar de eles desacelerarem o aumento das concentrações desse gás tóxico na atmosfera, ao reagir com a água o gás carbônico leva à acidificação dos mares, pondo em risco a vida selvagem.

Segundo a agência das Nações Unidas, os oceanos estão, agora, mais ácidos do que há pelo menos 26 mil anos. "O aumento do nível do mar, a acidificação dos oceanos e o aumento do calor nessas áreas marítimas continuarão durante séculos, a menos que sejam inventados mecanismos para eliminar o carbono da atmosfera", destacou Taalas.

Novos rumos

"O relatório é uma confirmação sombria do fracasso da humanidade para afrontar os transtornos climáticos", declarou António Guterres, secretário-geral da ONU. Ele advertiu que o mundo se aproxima cada vez mais de uma "catástrofe climática" devido a um "sistema energético mundial" que está quebrado. Guterres pediu a adoção de medidas urgentes para uma transição para energias renováveis — "fácil de alcançar" — e que pode afastar o mundo do "beco sem saída" que os combustíveis fósseis representam.

O secretário-geral da ONU propôs ainda uma série de ações para estimular a transição para energias renováveis, incluindo incentivar um maior acesso a tecnologias, triplicar os investimentos privados e públicos em opções energéticas menos agressivas e acabar com os subsídios aos combustíveis fósseis. "O único futuro sustentável é o renovável. A boa notícia é que a tábua de salvação está bem na nossa frente. A energia eólica e solar estão prontamente disponíveis e, na maioria dos casos, são mais baratas que o carvão e outros combustíveis fósseis. Se agirmos juntos, essa transformação pode ser o projeto de paz do século 21", defendeu Guterres.

Na avaliação de Alexandre Costa, cientista do clima e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), os dados vistos no relatório servem como mais um alerta da área científica para o grave diagnóstico do clima global. "A última edição desse documento, que é publicado anualmente, segue a mesma linha do mostrado no relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que havia revelado o agravamento do aquecimento global. Resumindo, podemos dizer que a parte da ciência já foi feita, os avisos estão dados. Agora, é preciso botar em prática as medidas necessárias para conter essa situação", destaca o especialista.

De acordo com Costa, trocar os combustíveis fósseis por energias renováveis é uma das melhores medidas a serem tomadas para frear o aquecimento global. " É muito evidente o que precisamos fazer, que é tornar o nosso sistema energético mais limpo, e não só em relação à eletricidade, precisamos incluir o transporte", frisa o professor. "Muitas pessoas dizem que o Brasil tem uma matriz energética limpa, mas isso não é verdade. Nossa locomoção é apoiada no petróleo, assim como ocorre em outros países. É preciso pensar em outras opções, como os biocombustíveis, por exemplo", acrescenta.

O cientista assinala que essas mudanças precisam ser adotadas por toda a sociedade, que deve repensar seus hábitos. "Esse é um apelo que já foi feito também pelo IPCC, de que nós precisamos mudar a forma como consumimos. É necessário reduzir as nossas demandas, para não exigir mais do que precisamos do meio ambiente, e esse é um recado que vale principalmente para as nações mais ricas. Só dessa forma conseguiremos de fato 'caber' no planeta", ressalta o especialista.

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Apelo às autoridades brasileiras

 (crédito: MAURO PIMENTEL / AFP)
crédito: MAURO PIMENTEL / AFP

Durante a apresentação do relatório anual da Organização Meteorológica Mundial (OMM), os especialistas das Nações Unidas fizeram um apelo aos governantes brasileiros. Petteri Taalas, secretário-geral da instituição, pediu para que os líderes do país tomem providências para cessar o desmatamento e compensem os danos gerados pelas queimadas como o reflorestamento das regiões atingidas. "Existem pressões econômicas e locais para continuar a desmatar. Mas, a longo prazo, será muito danoso ao país perder o seu ecossistema. Acabar com o desmatamento na Amazônia é um dos grandes desafios do mundo", frisou o dirigente da OMM na entrevista coletiva.

O documento apontou como um exemplo de desequilíbrio do clima o excesso de chuvas no primeiro semestre de 2021 em regiões da América do Sul, principalmente na bacia norte amazônica, o que desencadeou enchentes diversas na região. Taalas explicou que a criação de gado é uma das principais causas do desmatamento na floresta tropical, assinalando que essa cultura de consumo precisa ser combatida por contribuir ativamente para a crise climática. O líder da OMM advertiu para a possibilidade da Amazônia deixar de ser um grande sumidouro de carbono e passar a ser uma "fonte de emissões de carbono".

O cientista do clima Alexandre Costa, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), enfatiza que a preservação da Amazônia é um dos principais pilares para conter os danos verificados no relatório da OMM. Ele insistiu que os prejuízos registrados na região já assustam os especialistas da área.

"O desmatamento zero é um ponto crucial. A destruição de áreas verdes até agora foi imensa, já perdemos quase metade do cerrado. Estamos chegando em um estágio perigoso, em que a floresta não vai conseguir mais se recuperar. Os especialistas o definem como 'o ponto de não retorno', e estudos recentes têm mostrado que estamos cada dia mais próximos dele", destacou.

Para o professor é indispensável investir com urgência em ações que cessem a destruição da área e ajudem a recuperar o que já foi destruído. "Além de repensar a forma como usamos essas regiões, é importante ir por um caminho inverso ao que temos hoje, em que taxas altas de queimadas têm sido registradas. É necessário acabar com o desmatamento e recuperar o ambiente já degradado por meio do reflorestamento, antes que seja tarde demais", frisou o cientista.

Karen Oliveira, diretora para Políticas Públicas e Relações Governamentais da ONG The Nature Conservancy (TNC) Brasil, também aponta a relevância do alerta feito pela OMM é importante, frisando que os danos ambientais gerados na Amazônia têm chamado a atenção de todo o mundo. "Hoje, o Brasil é um líder global no ranking do desmatamento. Essa não é uma posição para se orgulhar. Isso mostra a fragilidade do país em usar as suas florestas de forma sustentável e harmônica, em parceria com os povos que vivem na região, de modo a explorar o enorme potencial dessas áreas, e assim nos ajudar no combate às mudanças climáticas", explicou.

Para a especialista, nem tudo está perdido. "O Brasil tem todas as condições para modificar esse cenário e passar a ser um protagonista. É fundamental que estudos internacionais, como o publicado pela OMM, ressaltem essa necessidade e reforcem a capacidade do país de assumir o enfrentamento às mudanças climáticas, se concentrando na manutenção de suas florestas", opinou. 

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