SAÚDE MENTAL

Horóscopo: qual o limite para proteger a saúde mental da crença obsessiva?

Especialista explica que a crença no horóscopo pode interferir na capacidade de autonomia do indivíduo; uma palavra importante para delimitar uma segurança psicológica em relação ao tema é a "responsabilidade"

Cecília Sóter
postado em 25/06/2022 07:00
Para proteger a saúde mental em relação à obsessão pela astrologia, o reconhecimento de que o horóscopo não é determinante de quem o sujeito é (ou continuará sendo) é algo fundamental -  (crédito: Montagem/Pixabay/Unsplash)
Para proteger a saúde mental em relação à obsessão pela astrologia, o reconhecimento de que o horóscopo não é determinante de quem o sujeito é (ou continuará sendo) é algo fundamental - (crédito: Montagem/Pixabay/Unsplash)

Há anos o “horóscopo” passou a fazer parte da rotina das pessoas, mas abrir o jornal (ou o Instagram) e conferir o que os astros revelam para o seu dia pode se tornar um problema.

O Correio conversou com a especialista Ana Cristina de Alencar, Mestre, docente e coordenadora do curso de Psicologia da Universidade Católica, para saber qual o limite da crença saudável e a obsessão.

A psicóloga esclarece que a indicação do limite não é a mesma para todas as pessoas, e a avaliação depende muito da importância que cada pessoa passa a dar às orientações que a consulta ao horóscopo traz para a vida. “Na medida em que a pessoa começa a abrir mão da sua autonomia, do seu poder de decisão pelo que vai fazer, com quem vai se relacionar e quais seus interesses para atribuir ao horóscopo esse poder decisório, isso pode começar a se tornar nocivo para seu desenvolvimento pessoal”, elucida.

Ana Cristina explica que essa dependência — que pode ser criada quanto ao recurso do horóscopo ou outras práticas "adivinhatórias" — pode interferir na capacidade de autonomia do indivíduo. Entre outros efeitos negativos, existe o aumento de sinais de ansiedade frente às expectativas que se cria em relação a soluções para problemas e dificuldades, que surgirão de um terceiro e não da capacidade pessoal.

“Lidar com a necessidade de fazer escolhas e tomar decisões não é um processo fácil, pois exige decidir e se responsabilizar pelo resultado e consequência. A ilusão de que o horóscopo pode fazer isso por nós pode ser tentador, afinal se a escolha não é minha, a responsabilidade pelo que acontece a partir dela também não será”, detalha.

A especialista acrescenta ainda que terceirizar esse processo decisório pode potencializar sintomas de ansiedade, assim como aumentar a vivência de frustrações por esperar resultados “mágicos e rápidos” que não forem atendidas. “Lidar com essa frustração pode ser muito difícil, em especial porque a responsabilização por não ter dado certo deixa de ser do próprio indivíduo e passa a ser, por exemplo, ‘de uma conjunção astral’", diz a especialista.

Segundo a Mestre em psicologia, um funcionamento psíquico mais dependente, a dificuldade em lidar com processos de tomada de decisão ou a dificuldade em responsabilizar-se por resultados ou comportamentos ruins podem justificar a busca excessiva pela lógica determinista do horóscopo.

“Pode ser mais fácil justificar determinado traço de personalidade, como a teimosia, a introspecção, a facilidade em relacionar-se com o outro, entre outras, a partir do signo que foi atribuído ao sujeito a partir do dia de seu nascimento, considerando ser essa uma condição que está muito além da vontade e da capacidade de controle do próprio indivíduo. Se o indivíduo não tem controle sobre tais características como poderá se responsabilizar por comportamentos que resultem delas? Este acaba sendo um lugar seguro para a não reflexão sobre a possibilidade ou necessidade de mudanças pessoal”, afirma.

Como proteger a saúde mental?

Para proteger a saúde mental em relação à obsessão pela astrologia, a psicóloga sugere o reconhecimento de que o horóscopo não é determinante de quem o sujeito é (ou continuará sendo), como uma característica pessoal imutável e irreversível. “Além da reflexão sobre a importância de desenvolvermos nossa autonomia, nossa capacidade de escolha e responsabilidade, e com isso tendo maior clareza de que o horóscopo não será suficiente para definir as características pessoais do indivíduo e nem para determinar, a priori, suas escolhas e decisões”, completa.

Ana Cristina relata que no consultório, em alguns relatos de pacientes, é possível identificar com uma certa frequência a tentativa de justificar o fracasso de alguns relacionamentos amorosos ou interpessoais em função de previsões astrais. “Ideias que indicam que pessoas de signos tão diferentes não poderiam mesmo dar certo, ou que trabalhar sob a gestão de um superior hierárquico que tem tal signo seria impossível, já que tal combinação não poderia nunca ser harmoniosa”, conta.

“Tais relatos podem ser importantes indicativos do quanto esse recurso pode ser utilizado para proteção individual. Pode ser muito mais fácil lidar com a ideia de que o relacionamento não deu certo porque os signos não combinam ou porque aquele não era o momento ideal para tal relação (considerando as conjunções astrais) do que avaliar esse rompimento a partir de uma rejeição do outro”, completa a psicóloga.

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