Cannabis

Usuários de maconha não são mais preguiçosos e desmotivados, diz estudo

A pesquisa analisou dados de 274 adultos e adolescentes que relataram usar maconha pelo menos uma vez por semana ao longo de três meses, com uma média de quatro dias por semana, e os comparou com não usuários da mesma idade e sexo

Cecília Sóter
postado em 08/09/2022 17:17
 (crédito: GEOFFROY VAN DER HASSELT)
(crédito: GEOFFROY VAN DER HASSELT)

Um estereótipo comum de usuários de cannabis é o 'chapado' — como o Jesse Pinkman em Breaking Bad, The Dude em The Big Lebowski ou, mais recentemente, Argyle em Stranger Things — geralmente descritos como preguiçosos e apáticos.

No entanto, um novo estudo aponta que os usuários de maconha não são mais preguiçosas e desmotivadas do que aqueles que não fazem o uso da substância, desmistificando o estereótipo frequentemente retratado na mídia. O trabalho mostra ainda que os usuários de cannabis também não mostram diferença na apatia ou comportamento baseado em recompensa em comparação com não usuários.

Uma equipe liderada por cientistas da University College London, da Universidade de Cambridge e do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociência do King's College London realizou um estudo examinando se os usuários de cannabis apresentam níveis mais altos de apatia (perda de motivação) e anedonia (perda de interesse em ou prazer de recompensas) quando comparados aos não usuários e se eles estavam menos dispostos a exercer esforço físico para receber uma recompensa. A pesquisa fez parte do estudo CannTEEN.

A pesquisa, publicada no International Journal of Neuropsychopharmacology, analisou dados de 274 adultos e adolescentes que relataram usar maconha pelo menos uma vez por semana ao longo de três meses, com uma média de quatro dias por semana, e os comparou com não usuários da mesma idade e sexo.

Os participantes preencheram questionários para medir a anedonia, onde classificaram afirmações como “Gostaria de estar com a família ou amigos próximos”. Eles também preencheram questionários para medir seus níveis de apatia, classificando características como o interesse em aprender coisas novas ou a probabilidade de ver um trabalho até o fim.

Os usuários de cannabis pontuaram um pouco mais baixo do que os não usuários em anedonia — em outras palavras, eles pareciam mais capazes de se divertir — mas não houve diferença significativa quando se trata de apatia. Os pesquisadores também não encontraram ligação entre a frequência do uso de cannabis e apatia ou anedonia nas pessoas que usaram cannabis.

Martine Skumlien, candidata a PhD no Departamento de Psiquiatria da Universidade de Cambridge, afirma que o resultado foi surpreendente.

“Ficamos surpresos ao ver que havia realmente muito pouca diferença entre usuários e não usuários de cannabis quando se tratava de falta de motivação ou falta de prazer, mesmo entre aqueles que usavam cannabis todos os dias. Isso é contrário ao retrato estereotipado que vemos na TV e nos filmes", afirmou.

Em geral, os adolescentes tendem a pontuar mais alto do que os adultos em anedonia e apatia nos grupos de usuários e não usuários, mas o uso de cannabis não aumentou essa diferença.

Will Lawn, do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociência do King’s College London, afirma que, ao contrário do que se esperava, os adolescentes não estão mais vulneráveis ao uso da maconha.

“Há muita preocupação de que o uso de cannabis na adolescência possa levar a resultados piores do que o uso de cannabis na idade adulta. Mas nosso estudo, um dos primeiros a comparar diretamente adolescentes e adultos que usam cannabis, sugere que os adolescentes não são mais vulneráveis do que os adultos aos efeitos nocivos da cannabis na motivação, na experiência de prazer ou na resposta do cérebro à recompensa", disse.

E completou: “Na verdade, parece que a cannabis pode não ter ligação — ou no máximo apenas associações fracas — com esses resultados em geral. No entanto, precisamos de estudos que procurem essas associações por um longo período de tempo para confirmar esses achados”.

Pouco mais da metade dos participantes também realizou uma série de tarefas comportamentais. O primeiro deles avaliou o esforço físico. Os participantes tinham a opção de pressionar botões para ganhar pontos, que depois eram trocados por chocolates ou doces para levar para casa. Havia três níveis de dificuldade e três níveis de recompensa; testes mais difíceis exigiam um pressionamento de botão mais rápido. Em cada tentativa, o participante poderia optar por aceitar ou rejeitar a oferta; pontos só foram acumulados se o desafio foi aceito e concluído.

Em uma segunda tarefa, medindo quanto prazer eles recebiam das recompensas, os participantes foram instruídos a estimar quanto eles queriam receber cada uma das três recompensas (30 segundos de uma de suas músicas favoritas, um pedaço de chocolate ou um doce e uma moeda de 1 libra) em uma escala de 'não quero nada' a 'quero intensamente'. Eles então receberam uma recompensa por vez e foram solicitados a avaliar o quão prazerosos eles os acharam em uma escala de 'não gosto nada' a 'gosto intensamente'.

Os pesquisadores não encontraram diferença entre usuários e não usuários ou entre grupos etários tanto na tarefa de esforço físico quanto na tarefa de prazer de recompensa real, confirmando evidências de outros estudos que não encontraram nenhuma ou muito pouca diferença.

Skumlien acrescentou: “Estamos tão acostumados a ver ‘chapados preguiçosos’ em nossas telas que não paramos para perguntar se eles são uma representação precisa dos usuários de cannabis. Nosso trabalho implica que isso é em si um estereótipo preguiçoso e que as pessoas que usam cannabis não são mais propensas a não ter motivação ou serem mais preguiçosas do que as pessoas que não usam."

“Suposições injustas podem ser estigmatizantes e podem atrapalhar as mensagens sobre redução de danos. Precisamos ser honestos e francos sobre quais são e quais não são as consequências prejudiciais do uso de drogas”, completou.

A professora Barbara Sahakian, do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Cambridge, disse que as "evidências indicam que o uso de cannabis não parece ter efeito na motivação dos usuários recreativos. Os participantes do nosso estudo incluíam usuários que consumiam cannabis em média quatro dias por semana e não tinham mais probabilidade de falta de motivação. No entanto, não podemos descartar a possibilidade de que o uso maior, como visto em algumas pessoas com transtorno por uso de cannabis, tenha efeito."

“Até que tenhamos pesquisas futuras que acompanhem usuários adolescentes, desde o início até a idade adulta jovem, e que combinem medidas de motivação e imagens cerebrais, não podemos determinar com certeza que o uso regular de cannabis não afetará negativamente a motivação e o cérebro em desenvolvimento", completou.

 

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