combate a doenças

Contato com a natureza diminui risco de ansiedade e diabetes, diz estudo

Relatório de organização composta por mais de 15 mil cientistas reforça a importância de preservar as florestas para se ter saúde física e emocional. Estudos indicam que o contato com áreas preservadas reduz o risco de doenças como ansiedade e diabetes

Isabella Almeida
postado em 26/03/2023 06:00
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

Além de beleza, sombra e água fresca, florestas e espaços verdes oferecem benefícios ao corpo e à mente, afirma novo relatório publicado, neste mês, pela União Internacional de Organizações de Pesquisa Florestal (Iufro). A pesquisa concluiu que o bem-estar e a qualidade de vida, assim como a prevenção e o combate a doenças como depressão, fazem parte da complexa relação entre humanos, florestas, árvores e áreas verdes.

Entre as evidências dos múltiplos benefícios indicados no relatório, intitulado Florestas e árvores para a saúde humana: caminhos, impactos, desafios e opções de resposta, estão o estímulo ao neurodesenvolvimento e à saúde mental, redução de distúrbios ligados ao envelhecimento cognitivo e combate ao diabetes. Segundo Cecil Konijnendijk, um dos editores do painel, o documento deve ser disseminado mundialmente para que as informações cheguem ao maior número de pessoas e possam ajudar na adoção de novas atitudes de proteção ao meio ambiente.

"O relatório será amplamente divulgado, por exemplo, entre tomadores de decisões sobre florestas, saúde e outros em níveis global, nacional e subnacional. Esperamos que isso aumente a conscientização sobre as relações floresta/saúde ao mesmo tempo em que leve a novas políticas e iniciativas que promovam resultados na saúde das florestas", diz.

O estudo demonstra que, além de criar ambientes mais saudáveis, as florestas são fonte de alimentos e matérias-primas para medicações. Por exemplo, 70% das plantas medicinais utilizadas nos cuidados básicos de saúde da população mundial representam papel de destaque para os povos indígenas e comunidades locais. Já nos ambientes urbanos, árvores e espaços verdes conseguem diminuir a temperatura local, evitando queimaduras de pele e estresse causados por ondas de calor.

Também conforme o documento, 24% das mortes no mundo e 28% dos óbitos de crianças com menos de 5 anos estão ligados a fatores ambientais insalubres — entre eles, a poluição do ar e os eventos climáticos extremos. "Viver próximo a ambientes arborizados está relacionado a melhor peso ao nascer, enquanto que quem vive longe desses locais tem maior risco de ter crianças com baixo peso. Há a redução da mortalidade principalmente decorrente de doenças respiratórias e cardiovasculares", explica o médico psiquiatra Leonardo Rodrigues da Cruz.

Ecoansiedade

Marco Aurélio Bilibio, diretor do Instituto Brasileiro de Ecopsicologia, comenta a relação da natureza com a saúde mental, que, por consequência, desencadeia reações no bem-estar físico. "Existem estudos na área dos chamados 'sofrimentos contemporâneos', como a ansiedade ambiental, da qual se tem relatos, estudos e literatura. Há a constatação de que muitas pessoas estão em estado de sofrimento psíquico com as expectativas de catástrofes ambientais."

Desde os anos de 1990, existem registros de psicoterapeutas que prescrevem a natureza como complemento a outros tratamentos, conta Bilibio. "Mais recentemente, esses efeitos passaram a ter uma fundamentação científica, na medida em que vários estudos revelaram os efeitos no cérebro — sobre o sistema nervoso simpático, parassimpático, imunológico — promovidos pela proximidade com a natureza. Em 2015, um estudo da Universidade de Stanford revelou que o contato com árvores tem efeito antidepressivo, reorganizando áreas do cérebro com depressão", detalha.

Leonardo Rodrigues reforça que, além de diminuir os níveis de ansiedade, depressão e estresse, estar regularmente em ambientes verdes pode impactar no tratamento de problemas metabólicos e do coração. "É observada a redução dos níveis de resistência à insulina e diabetes tipo 2 naqueles que frequentam esses locais. Caminhar em um parque reduz mais a frequência cardíaca e a pressão arterial diastólica do que caminhar em uma rua tipicamente urbana", compara.

"Maravilha"

Valter Pereira Gomes, 46 anos, sabe bem disso. Ele uniu duas práticas que colaboram com a saúde física e mental: o esporte e o contato com a natureza. Em 2020, com o início da pandemia da covid-19, o garçom decidiu começar a andar de bicicleta em trilhas naturais. No começo, as distâncias percorridas eram curtas. "Não conseguia praticamente subir a rua de casa", lembra.

Agora, Valter consegue pedalar durante horas, admirando a paisagem e cuidando da mente e do corpo. "É prazeroso. Você consegue ficar oito horas pedalando, ainda mais o pedal de bike que você faz ao ar livre em meio à natureza", conta. O garçom pedala, em média, 30 quilômetros por dia no meio da natureza. "Acordo às 5h e faço uma hora e meia, duas horas de pedal. É mais saúde. Minha pressão estava alterada e, hoje, está tudo normal. É uma maravilha, quero levar para o resto da vida. O pedal ao ar livre, na natureza, é excelente. Recomendo a todos."

Na tentativa de que histórias como a de Valter se espalhem pelo país, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) lançou, em 2021, em parceria com o Instituto Brasileiro de Ecopsicologia, a agenda Saúde e Natureza. As instituições trabalham em busca de evidências científicas dos benefícios do contato com áreas verdes à saúde humana e incentivando a prática do chamado "banho de floresta" em áreas naturais públicas e privadas do Brasil.

Rede mundial

A Iufro é uma rede mundial que reúne mais de 15 mil cientistas de 630 organizações. O novo relatório foi feito por 44 profissionais, especialistas em silvicultura, ecologia, paisagismo, psicologia, medicina, epidemiologia e saúde pública. Graças ao corpo multidisciplinar, os estudos foram desenvolvidos com um olhar amplo para o bem-estar físico, mental, espiritual e social, além de considerar a saúde de outros seres e ecossistemas.

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Ameaça de novas pandemias

 (crédito: SAM PANTHAKY)
crédito: SAM PANTHAKY

Uma relação harmoniosa com a natureza também é condição para prevenir o surgimento de novas crises de saúde, como a da covid-19, indica a União Internacional de Organizações de Pesquisa Florestal. O novo relatório da Iufro calcula que, desde 1960, o surgimento de 30% de novas doenças esteja ligado a mudanças no uso da terra.

Segundo o documento, intercorrências climáticas e ambientais estão relacionadas a epidemias e pandemias fatais, como o ebola, com surtos registrados entre 2013 e 2016 e um novo reportado em 2022. A gripe aviária, que de tempos em tempos ressurge para assolar diferentes países, também é indicada pelos autores, que enfatizam que pandemias e mudanças climáticas são desafios globais que "intensificam a importância das relações entre florestas e saúde humana".

A equipe ainda lembra do avanço da malária, sinal de que a eliminação dos habitats florestais e pantanosos dos mosquitos transmissores da doença não é uma solução para conter a doença. Ao contrário, o desmatamento, na verdade, pode aumentar o risco da malária, destacam. A saída, dizem, é "investir no manejo florestal sustentável e em processos de urbanização que evitem a perda de habitats naturais."

Incêndios e pragas

Além dos impactos na saúde humana, as mudanças no uso da terra colocam em risco as florestas e as árvores, mostra o relatório. Isso porque causam problemas como incêndios florestais, fortes tempestades e pragas florestais. Divulgado, neste mês, na revista Nature, um estudo detalha essas influências na Amazônia, na Bacia do Congo e no Sudeste Asiático.

"Poderíamos chegar a um ponto em que as florestas tropicais já não poderiam se renovar", alertou o autor principal do texto, Callum Smith. A área de maior risco é a africana, onde o regime de chuvas pode diminuir 10% até o fim do século, segundo os pesquisadores.

Maior bioma tropical do planeta, a Amazônia pode se tornar um "caminho sem volta", se transformando em praticamente uma savana, em razão do desmatamento. A estimativa é de quedas dos índices anuais de precipitação de 8,1% para 1,4% devido ao desmatamento em grande escala até 2050. Segundo Smith, a recuperação das áreas destruídas pode reverter esse fenômeno, mas é preciso um aumento dos esforços de preservação.

Cecil Konijnendijk, um dos editores do relatório da Iufro, diz que o painel apresenta uma série de opções do que deve ser adotado pelos países a fim de evitar o agravamento de questões desencadeadas pelos impactos ambientais. "Nós oferecemos diversas opções de respostas. Por exemplo, precisamos de políticas e programas que conectem os setores de medicina e silvicultura", ilustra. "Também damos sugestões do que fazer em planejamento espacial, paisagismo, manejo florestal e comunicação e educação. É importante restaurar as frequentemente perturbadas relações entre pessoas e florestas, também para limitar o surgimento de doenças zoonóticas." 

 

Atenção plena

"Viver em contato com a natureza pode trazer muitos benefícios tanto para a saúde física quanto para a emocional. Primeiro que estar em um ambiente com florestas e natureza nos permite respirar ar fresco, o que é extremamente benéfico para a saúde respiratória, já que muitas doenças físicas, como asma e alergias, são ocasionadas pelo excesso de poluição dos ambientes urbanos. Além disso, pode aumentar os benefícios de atividades físicas, como caminhar, andar de bicicleta ou fazer trilhas, o que ajuda a fortalecer o corpo e manter um estilo de vida saudável. A paisagem natural, a luz do Sol e os sons da natureza ajudam a reduzir o estresse e a ansiedade, melhoram o humor e a criatividade e promovem uma sensação geral de bem-estar. Isso se dá porque todos esses estímulos contribuem para um estado de atenção plena, técnica que tem sido demonstrada em vários estudos como positiva para ansiedade e prevenção de recaída de depressão."

Luan Diego Marques, médico psiquiatra do Instituto Meraki

 

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