Saúde bucal

Enxágue bucal poderá ser prescrito como exame de rotina do coração

Material expelido quando se enxágua a boca tem sinais de inflamação ligada a maior risco para problemas cardiovasculares, mostra pesquisa canadense. Para autores, o exame poderá ser adotado em checapes cardiológicos

A facilidade do exame permite o monitoramento cardiovascular em locais simples, apostam os cientistas -  (crédito: RONALDO SCHEMIDT)
A facilidade do exame permite o monitoramento cardiovascular em locais simples, apostam os cientistas - (crédito: RONALDO SCHEMIDT)
Isabella Almeida
postado em 18/08/2023 05:28 / atualizado em 18/08/2023 05:28

O diagnóstico precoce de doenças cardiovasculares melhora as chances de sucesso do tratamento. Pensando nisso, cientistas da Mount Royal University, no Canadá, desenvolveram uma forma prática e inusitada de identificar problemas de saúde relacionados ao coração quando eles estão no começo: por um simples enxague bucal. A ideia é detalhada na edição desta sexta-feira (18/08) da revista Frontiers in Oral Health.

"O teste de enxágue bucal pode ser usado em seu checape anual feito no médico ou no dentista. É fácil de implementar como uma ferramenta de medição de inflamação oral em qualquer clínica", sugere Michael Glogauer, coautor do estudo e membro da Universidade de Toronto, também no Canadá.

No ensaio, os pesquisadores decidiram verificar a relação entre uma inflamação comum na boca e o diagnóstico cardiovascular. Escolheram apostar no exame bucal para analisar se os níveis de glóbulos brancos — um indicador da saúde gengival — na saliva de adultos saudáveis poderiam estar ligados a sinais de alerta para doenças cardiovasculares.

Os resultados mostraram que altos níveis dessa célula de defesa estavam interligados a um indicador precoce de saúde arterial comprometida: a dilatação mediada por fluxo. "Mesmo em jovens adultos saudáveis, baixos níveis de carga inflamatória oral podem ter impacto na saúde cardiovascular, uma das principais causas de morte na América do Norte", enfatiza, em nota,Trevor King, cientista da Mount Royal e um dos autores do estudo.

Ilana Marques, odontologista da IGM Odontopediatria, em Brasília, explica que inflamações na gengiva podem levar à periodontite, condição que a ciência já relaciona a doenças cardiovasculares. "A inflamação crônica causada pela doença periodontal pode liberar mediadores inflamatórios na corrente sanguínea. Eles contribuem para o desenvolvimento e progressão de doenças cardiovasculares", detalha.

Segundo a especialista, várias outras condições de saúde têm sido associadas à saúde bucal inadequada. "A boca é uma porta de entrada para o corpo, e problemas na cavidade oral podem ter impactos em várias áreas da saúde. Alguns dos riscos associados à saúde bucal incluem diabetes, complicações na gravidez e problemas respiratórios", lista.

Ker-Yung Hong, primeiro autor do artigo, acredita que novas complicações deverão ser associadas. "Estamos começando a ver mais relações entre a saúde bucal e o risco de doenças cardiovasculares. Se notarmos que isso pode ter um impacto no risco de desenvolver problemas para o coração, mesmo em indivíduos jovens e saudáveis, essa abordagem pode ser implementada mais cedo", pontua, em nota, o também estudante da Western Ontario.

Glóbulos brancos

Para o estudo, a equipe avaliou 28 jovens saudáveis, sem problemas periodontais diagnosticados, não fumantes, com idade entre 18 e 30 anos e que não usavam medicamentos que afetassem o risco cardiovascular. Antes de visitar o laboratório para o experimento, os voluntários foram orientados a fazer jejum por seis horas, podendo ingerir somente água.

Ao chegar ao local da pesquisa, os participantes enxaguaram a boca com água. Em seguida, repetiram a ação usando soro fisiológico, que foi coletado para análise. Após essa primeira etapa, os voluntários foram submetidos a um eletrocardiograma e tiveram a pressão arterial aferida.

A análise mais detalhada mostrou a ligação entre a maior concentração de glóbulos brancos na saliva e a má dilatação mediada pelo fluxo — um indicador de risco elevado para doença cardiovascular. Não houve, porém, relação entre os glóbulos brancos e a velocidade da onda de pulso, um sinal de impactos a longo prazo na saúde das artérias.

Na avaliação de Thiago Germano Oliveira de Siqueira, cardiologista do Hospital Anchieta, o estudo canadense traz luz para um diagnóstico mais ágil da relação entre a saúde bucal e a do coração. "Quanto mais precoce a gente diagnosticar a gengivite no paciente, mostrando que ele tem lesão periodontal ainda inicial, mais rápido conseguimos tratar essa pessoa. Assim, ela estará menos propensa ao desenvolvimento de processo inflamatório, que pode trazer prejuízo do ponto de vista cardiovascular", afirma.

King também reforça a importância de medidas preventivas: "A higiene bucal ideal é sempre recomendada, além de visitas regulares ao dentista, especialmente agora com essas evidências", reforça o pesquisador. Ele e os colegas planejam aumentar a população avaliada, com o objetivo de ampliar também o entendimento sobre esse fenômeno. "Esperamos incluir indivíduos com gengivite e periodontite mais avançada para entender mais profundamente o impacto de diferentes níveis de inflamação gengival nas medidas cardiovasculares."

 


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