Entrevista

Câncer: Nobel de Medicina aposta na combinação de novos tratamentos

Laureado em 2019, William Kaelin acredita que os avanços no combate ao câncer virão de combinações de terapias, como remédios inteligentes e imunoterapia

Remédios começam a ser criados a partir da pesquisa premiada de William Kaelin  -  (crédito:  Ed Alves/CB/DA.Press)
Remédios começam a ser criados a partir da pesquisa premiada de William Kaelin - (crédito: Ed Alves/CB/DA.Press)
Paloma Oliveto
Isabella Almeida
postado em 02/09/2023 06:00

Considerada uma abordagem revolucionária no tratamento do câncer, a imunoterapia, baseada no fortalecimento do sistema imunológico do paciente, poderá não funcionar contra todos os tumores, diz William Kaelin, um dos vencedores do Nobel de Medicina de 2019. Na avaliação do também professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, nesse cenário, o caminho para cuidar de alguns casos da doença é a combinação de diferentes medicamentos inteligentes e imunoterapia adaptada ao tipo específico de câncer.

Kaelin foi laureado com os colegas de trabalho Sir Peter Ratcliffe e Gregg Semenza pela investigação sobre como, mecanicamente, as mutações que afetam os genes supressores de tumor causam câncer. A pesquisa gerou informações a respeito da forma que as células percebem e respondem a alterações na quantidade de oxigênio, além de reverberar em outras áreas da saúde, permitindo o aprofundamento de complicações como anemia, infarto do miocárdio e derrame.

Em entrevista ao Correio, Kaelin também deu palpites sobre quais tipos de investigações poderiam render o Nobel. "Se eu estivesse apostando, diria que o desenvolvimento das CAR-T, provavelmente, um dia receberá o prêmio", diz. O cientista está no Brasil participando do Nobel Prize Inspiration Initiative, um programa global da AstraZeneca com o objetivo de inspirar jovens e mais experientes interessados pela ciência pelo contato com estudiosos aclamados. Na quarta-feira (30/08), ele ministrou uma palestra na Universidade de Brasília (UnB) e almoçou com os estudantes — encontros em que reforçou a importância do investimento na pesquisa básica.

De que maneira a descoberta que rendeu ao senhor o Nobel de Medicina pode levar a novos tratamentos para o câncer e outras doenças?

Agora que conhecemos o mecanismo de detecção de oxigênio, existem maneiras de usar drogas para modular esse sistema. Por exemplo, para doenças em que há um problema com o fornecimento do oxigênio, seja devido à anemia ou a uma interrupção no fluxo sanguíneo, como em um ataque cardíaco ou em um acidente vascular cerebral, há, agora, novos medicamentos que os pacientes podem tomar e que, basicamente, ativam esse sistema. Essas drogas agem efetivamente enganando o corpo, fazendo-o pensar que está em grandes altitudes e sem receber oxigênio suficiente. Assim, são superativados genes que, normalmente, agem quando uma célula ou um tecido não está recebendo oxigênio como deveria. Há também remédios para o tratamento da anemia. Os pacientes tomam uma pílula e estimulam o corpo a produzir mais glóbulos vermelhos, responsáveis pelo transporte do oxigênio. Por outro lado, sabemos que certos tipos de câncer sequestram esse mecanismo para induzir o corpo a fornecer oxigênio ao tumor. Então, gostaríamos de fazer o oposto. Queremos evitar que o gás seja entregue ao tumor. Já temos medicamentos que bloqueiam a formação de novos vasos sanguíneos na região afetada.

Quais as limitações de abordagens mais recentes contra o câncer, como a imunoterapia e as células CAR-T, e como seria possível contorná-las?

Nem todos os pacientes serão tratados dessa forma. Há muitos tumores que não são atingidos por essas imunoterapias, temos de compreender o porquê e encontrar alternativas. Mesmo que se olhe um determinado tipo de câncer, ainda há vários subtipos e, se analisá-los e fizer o sequenciamento de DNA, verá que dois tumores não são geneticamente idênticos. Esse é um dos desafios que enfrentamos até entendermos melhor o motivo de alguns pacientes responderem à imunoterapia e outros, não. Ainda não posso dizer se a próxima descoberta será uma forma de tratar todos os tipos de câncer com imunoterapia, independente da origem do câncer e de sua genética. Penso que um cenário mais provável é que, para cuidar de tumores diversos, necessitaremos de diferentes combinações de medicamentos inteligentes e, talvez, de imunoterapias adaptadas ao tipo específico de câncer ou a sua composição genética específica.

Quais as expectativas para o futuro dos tratamentos para o câncer?

Espero que tenhamos cada vez mais exemplos de medicamentos inteligentes contra o câncer. Remédios projetados ou descobertos com base no conhecimento de quais genes são realmente alterados em determinados tipos da doença e quais são os produtos desses genes. Honestamente, o tumor de cada paciente deveria ser sequenciado para ver quais genes estão alterados naquele câncer específico. Anseio que continuemos nos afastando daquilo que costumávamos chamar de citotóxicos de ação ampla porque, quando as pessoas pensam em quimioterapia, são remetidas ao cabelo caindo e ao enjoo causado por essas substâncias.

A forma como o mundo vê a ciência mudou após a pandemia de covid-19?

Inicialmente, pensei que, vendo a rapidez com que a ciência foi mobilizada para enfrentar o vírus da covid-19, os cientistas seriam respeitados e admirados, da mesma forma que aconteceu quando eu era apenas uma criança, durante os anos de 1960, no auge da corrida espacial, por exemplo. Então, ingenuamente, acreditei que as pessoas estariam celebrando a ciência pela forma como ela foi capaz de responder à pandemia. Em muitos países ao redor do mundo, incluindo o Brasil e, certamente, os Estados Unidos, as pesquisas e os esforços científicos tiveram, realmente, um efeito divisor. Algumas pessoas celebraram a ciência, mas outras duvidaram e ficaram cada vez mais desconfiadas.

O que falta para que haja mais incentivo a novas pesquisas?

Durante a maior parte da minha carreira, me beneficiei por fazer pesquisas básicas e fundamentais, e esses tipos de estudos devem ser fomentados. Uma coisa que aconteceu na última década foi que, lentamente, os jovens cientistas são cada vez mais solicitados a justificar o seu trabalho em termos da sua potencial aplicabilidade. Acho que essa é uma visão um pouco pequena e que vai contra a produção científica: colocar vendas nos jovens cientistas e dizer que eles só serão financiados se estiverem fazendo algo que já está muito próximo de ser aplicado. A grande transformação e as descobertas, muitas vezes, vêm de observações inesperadas e de cientistas talentosos que recebem a liberdade e os recursos para seguirem a própria curiosidade.

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