Maturidade

Menopausa: apenas 15% de quem sofre com os sintomas recebe a atenção adequada

A partir deste domingo, o Correio começa uma série sobre essa fase da vida da mulher. Na primeira reportagem, uma pesquisa mostra que apenas 15% das pacientes no mundo recebem a atenção adequada nesse período

 Malu Silva, 62 anos, a Vovó Blogueira, celebra a superação  -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
 Malu Silva, 62 anos, a Vovó Blogueira, celebra a superação - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
postado em 24/12/2023 06:00

"Não encontrei médico para tratar meus sintomas de menopausa até hoje", confidencia Maria das Graças de Freitas de Abreu, 59 anos. A educadora social voluntária narra que ainda não se adaptou a essa fase da vida, que já dura 10 anos. "O mais complicado é lidar com uma nova realidade muito desconfortável e cheia de incertezas." Essa situação é comum a muitas mulheres no Brasil e em outros países. Uma pesquisa, liderada pela Universidade de Monash, na Austrália, mostra que apenas 15% das pacientes ao redor do mundo recebem a atenção necessária nesse período.

O trabalho, publicado em setembro, na revista Cell, que analisou fontes durante sete décadas para sintetizar o que se sabe sobre a menopausa, culminou em uma série de recomendações do que precisa mudar na saúde e na ciência para que seja oferecido um acompanhamento eficaz a quem vive esse período. "O reconhecimento de que a menopausa, para a maioria das mulheres, é um evento biológico natural, não dispensa o uso de intervenções para aliviar os sintomas", destacaram em nota os cientistas.

De acordo com os estudiosos, há uma complexidade envolvendo as fases da menopausa, etapas que variam de uma pessoa para outra. Os autores argumentam que as restrições de idade atualmente aplicadas às prescrições de terapias abrem espaço para discussões. Embora os sintomas geralmente surjam durante a perimenopausa — período que antecede a menopausa, quando os ovários começam a diminuir a produção de hormônios, como o estrogênio e a progesterona —, atualmente, poucas terapêuticas são aprovadas para pacientes que vivem esse momento.

Hormônios

Leandro Resende, ginecologista e membro da Sociedade de Ginecologia de Brasília, explica que a menopausa ocorre de forma natural pela ausência da produção de hormônios pelos ovários. "Acontece o que chamamos de falência ovariana. A menopausa representa uma data temporal, quando a mulher fica um ano sem apresentar fluxo menstrual. A idade para acontecer é entre os 40 e 55 anos. Por isso, mulheres na menopausa antes dos 40 anos ou se persistirem com fluxo menstrual após os 55 anos devem ser avaliadas."

Conforme o trabalho, os sintomas variam entre os indivíduos e ao longo do processo. Os mais comuns são ondas de calor, suor, vertigens, cansaço muscular e distúrbios do sono. Algumas pessoas experimentam situações graves, enquanto outras não sentem quase nada. Todavia, os estudiosos reforçam que mesmo na ausência de sintomas visíveis, podem ocorrer "consequências silenciosas para a saúde", como perda óssea e um aumento do risco de diabetes, doenças cardiovasculares e cânceres específicos.

Maria das Graças reclama dos sintomas."Muito calor em momentos diversos durante o dia e à noite, indisposição, tristeza, sonolência alternada com insônia e outros."

A equipe sublinha que dificuldades, como a perda de memória de curto prazo, podem ser temporários, enquanto outros, como depressão e ansiedade, em certos casos, são condições pré-existentes erroneamente atribuídas à menopausa devido ao estigma associado a ela. Eles enfatizam a importância da prática regular de exercícios e uma dieta nutritiva, rica em proteínas, como medidas para reduzir o risco de complicações sintomáticas de saúde (Leia mais amanhã).

A digital influencer Malu Silva, 62 anos, narra que se consultava no posto de saúde desde antes da menopausa e que mantém o acompanhamento. Segundo a Vovó Blogueira, como é conhecida no Distrito Federal, o começo da nova fase foi desafiador. "No início atrapalhava. Eu trabalhava e, muitas vezes, ficava molhada de suor, era constrangedor."

Malu ressalta que tudo começou aos 45 anos, maximizando outras questões de saúde. "Entre as coisas mais complicadas está a impaciência e a dificuldade para dormir. Esta é uma fase crucial na vida de toda mulher, é sofrido e estressante. Cada uma reage de uma forma, no meu caso, potencializou o problema de insônia que já tinha. Também me dá muito calor."

Para os pesquisadores, existem diversas opções de tratamento, desde terapias hormonais até produtos à base de plantas. Eles ressaltam haver potenciais efeitos colaterais e riscos à saúde associados a cada tipo de tratamento."Otimizar a saúde na menopausa é a porta de entrada para o envelhecimento saudável das mulheres", salientam em nota os autores.

João Lindolfo Borges, endocrinologista e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), reitera que a eficiência dos tratamentos não hormonais também varia conforme o quadro da paciente. "É importante discutir as opções com um profissional de saúde. Entre as alternativas estão terapia comportamental e mudanças no estilo de vida, suplementos alimentares e fitoterápicos, psicoterapia, hidratantes vaginais e medicamentos específicos."

Na próxima reportagem, os bons hábitos e o equilíbrio, junção ideal, para ultrapassar os desafios impostos pela menopausa.

Climatério, o início de tudo

O climatério é um período de transição que abrange vários anos antes e depois da menopausa. Ocorrem mudanças hormonais significativas, incluindo a diminuição gradual dos níveis de estrogênio e progesterona. Uma série de sintomas aparecem, como ondas de calor (fogachos), suores noturnos, alterações de humor, dificuldades para dormir, entre outros. O climatério marca o fim gradual da fase reprodutiva da mulher. A menopausa é um evento específico que marca o fim da menstruação e da capacidade reprodutiva. Os especialistas diagnosticam a menopausa quando cessa a menstruação por pelo menos 12 meses consecutivos. Os sintomas podem ser associados aos do climatério, como ondas de calor, bem como secura vaginal, mudanças na libido e alterações na densidade óssea.

João Lindolfo Borges, endocrinologista e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)

Reposição hormonal, uma opção

Apesar de controvertida, a terapia de reposição hormonal (TRH) é a principal terapêutica atualmente. Um estudo da Associação Médica Canadense, publicado na revista da instituição, em maio, recomenda a TRH como primeira opção de tratamento para aqueles que não têm fatores de risco.

"É uma terapêutica de primeira linha para sintomas vasomotores na ausência de contra-indicações", salienta em nota Iliana Lega, pesquisadora da Universidade de Toronto e coautora do ensaio.

Conforme os estudiosos, os receios em torno da abordagem e a falta de conhecimento sobre outras opções muitas vezes impedem as pacientes de fazer o acompanhamento adequado. Segundo os pesquisadores, entre os benefícios da reposição estão a redução das ondas de calor em até 90% das pacientes com sintomas moderados a graves, melhoria dos níveis de lípidos no sangue e uma possível redução do risco de diabetes e menos fraturas por fragilidade do quadril, coluna e outros ossos.

Leandro Resende, ginecologista e membro da Sociedade de Ginecologia de Brasília, a terapia hormonal é indicada quando a menopausa ou climatério são sintomáticos. "Porém é necessária uma avaliação específica para não ter nenhuma condição que contra indique o uso de hormônio. Normalmente os principais fatores impeditivos para TRH estão relacionados a causas oncológicas ou risco de doença trombo embólica, que levam a embolias. A reposição hormonal atua justamente como um fator para que a redução ou ausência da produção de hormônios pelos ovários prejudique menos a qualidade de vida da mulher."

O ensaio pontua ainda que os riscos podem ser calculados conforme a condição de cada mulher. Apesar de evidências anteriores terem demonstrado chances aumentadas de câncer de mama, o risco é muito menor em pessoas com idades entre os 50 e os 59 anos e naquelas que iniciam a terapia nos primeiros 10 anos da menopausa.

Segundo os cientistas, há, ainda, estudos que mostram chances elevadas de acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI) em mulheres com mais de 60 anos que iniciam a terapia uma década após o início da menopausa, mas que essa taxa é baixa para aquelas com menos de 60 anos.

"Após o estudo da Women's Health Initiative, evidências crescentes mostram uma possível redução na doença arterial coronariana com a terapia hormonal na menopausa entre pacientes mais jovens, especificamente aquelas que iniciam a terapia hormonal na menopausa antes 60 anos ou dentro de 10 anos após a menopausa", salientaram os autores, em comunicado. Leia amanhã a segunda reportagem da série sobre equilíbrio hormonal.

 

  •  10/11/2023 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF -  Materia sobre menopausa, Malu Silva.
    10/11/2023 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Materia sobre menopausa, Malu Silva. Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
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