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Semeadura vaginal: entenda como funciona a prática

O método consiste em coletar fluidos da mãe e aplicá-los no recém-nascido para melhorar a microbiota intestinal inicial e o neurodesenvolvimento. Há os que criticam a prática porque defendem mais pesquisas

A técnica polêmica é defendida como forma de aumentar a proteção natural dos bebês, mas os  críticos exigem mais pesquisas  -  (crédito: Anna Hecker/Unsplash)
A técnica polêmica é defendida como forma de aumentar a proteção natural dos bebês, mas os críticos exigem mais pesquisas - (crédito: Anna Hecker/Unsplash)
postado em 23/12/2023 06:00

Conhecida como semeadura da microbiota vaginal, a prática de esfregar fluidos vaginais da mãe no bebê nascido por meio de cesariana, divide opiniões entre médicos. Isso porque as evidências clínicas de segurança e eficácia são limitadas. No entanto, um estudo realizado por um grupo internacional de pesquisadores, publicado, na revista Cell Host & Microbe, sugere que o método pode melhorar a microbiota intestinal inicial e o neurodesenvolvimento dos recém-nascidos.

Jose Carlos Clemente, do Icahn School of Medicine at Mount Sinai, nos Estados Unidos, e pesquisador do trabalho, relata que o ensaio complementa um estudo anterior, em que demonstraram a capacidade de modificar parcialmente os micróbios de bebês nascidos por cesariana. "O que estamos demonstrando aqui, pela primeira vez, é que essa intervenção, a semeadura vaginal, realmente traz um benefício em termos de neurodesenvolvimento", frisou.

Para investigar a eficácia do método, os pesquisadores esfregaram gazes embebidas em fluidos vaginais, nos lábios, na pele e nas mãos de 32 recém-nascidos que vieram ao mundo por cesariana. Outros 36 receberam solução salina como placebo. Os resultados demonstraram que aqueles submetidos à microbiota tinham mais bactérias intestinais, das encontradas no fluido vaginal materno, seis semanas após o nascimento.

Os pesquisadores avaliam que isso sugere que as bactérias vaginais maternas colonizaram com sucesso o intestino dos pequenos. Ademais os nenéns com transferência microbiana tinham bactérias mais maduras, semelhantes aos que nascem por parto normal.

Por meio de um questionário, os estudiosos também avaliaram o neurodesenvolvimento dos bebês. As mães foram perguntadas se seus filhos eram capazes de emitir sons simples ou realizar movimentos como engatinhar. Os resultados mostraram que os nenéns que receberam a semeadura pontuaram significativamente mais alto nesses critérios, atingindo um desenvolvimento semelhante aos nascidos por parto normal.

Segundo Jose Clemente, apesar dos resultados positivos do estudo, é necessário realizar novas pesquisas sobre o tema. "Embora ainda estejamos longe de ver esse procedimento sendo usado rotineiramente na clínica como parte do tratamento-padrão, mostramos que a semeadura pode restaurar o microbioma de bebês e fornecer um benefício mensurável, que é o primeiro passo para esse objetivo", enfatiza.

Segurança

Para Clemente, a ideia de suplementar um recém-nascido com bactérias que possam ser benéficas para o seu desenvolvimento deve ser considerada independentemente do tipo de parto. "Sabemos que alguns bebês nascidos de parto vaginal também começam a vida com um microbioma semelhante ao dos bebês de cesariana e carecem de bactérias específicas, o que os tornaria os mais apropriados para estudar se podemos fornecer esses micróbios para reduzir o risco de futuras complicações", explica.

Clodoaldo Abreu da Silveira Júnior, pediatra do Hospital São Francisco, em Ceilândia, no Distrito Federal, reforça que pesquisas com animais mostram que mudanças no microbioma intestinal podem alterar o comportamento e o desenvolvimento cerebral. "Se a semeadura vaginal realmente fizer o microbioma de bebês de cesariana se parecer mais com os de parto vaginal, isso pode, teoricamente, afetar o neurodesenvolvimento", avalia.

O médico defende mais estudos para comprovar a eficácia e a segurança da semeadura vaginal. "Contudo, essa é uma área de pesquisa nova e complexa. Há muitos outros fatores além do microbioma, como genética, ambiente e interações sociais, que também são importantes para o neurodesenvolvimento", alerta Clodoaldo Júnior.

Para Mariana Mendes, ginecologista e obstetra do Hospital Santa Lúcia Sul, em Brasília, os resultados podem influenciar na realização de partos por cesariana. "Quando esse estudo demonstra que tanto o parto vaginal quanto a semeadura tem efeitos benéficos ao neurodesenvolvimento infantil, reforça ainda mais os benefícios desse tipo de parto, desde que ocorra de maneira saudável para mãe e bebê", aponta.

O próximo passo da equipe é determinar se as descobertas do estudo são generalizáveis para uma população maior e quais outros fatores podem influenciar o benefício apresentado. "Gostaríamos de caracterizar os mecanismos pelos quais tais bactérias são benéficas, embora tenhamos alguns resultados iniciais sobre metabólitos associados à intervenção e à maturação intestinal", antecipa Jose Clemente.

 Covid-19

Pesquisa realizada pela Koç University bank Center for Infectious Diseases, na Turquia, apontou o risco de parto prematuro causado pela mudança na microbiota vaginal devido ao Covid-19. Os resultados do estudo, publicado na revista Journal of Medical Virology, mostraram que o vírus SARS-CoV-2 pode influenciar na prematuridade. De acordo com o artigo, o desequilíbrio da microbiota causa proliferação de organismos nocivos e leva a certos riscos, como o parto prematuro.

Com a palavra, o especialista

Lepeng Zhou, um dos autores do estudo, Southern Medical University

1. Como a semeadura vaginal possivelmente está relacionada ao neurodesenvolvimento dos bebês? O estudo apresenta hipóteses para essa relação?

A semeadura vaginal tem o potencial de influenciar o neurodesenvolvimento por meio de várias vias, embora os mecanismos exatos permaneçam obscuros. Um caminho possível é através do impacto da semeadura vaginal nos metabólitos microbianos intestinais. Em nosso estudo, observamos que a semeadura vaginal acelerou a maturação da microbiota intestinal, o que foi significativamente associado à melhoria do neurodesenvolvimento infantil. Entre os principais metabólitos fecais, a L-carnitina mostrou uma forte correlação negativa com a maturação da microbiota intestinal e também foi negativamente associada ao neurodesenvolvimento, sugerindo seu papel potencial no neurodesenvolvimento. Além disso, o GABA, um metabólito significativo correlacionado com a maturação da microbiota intestinal em nosso estudo, é um importante neurotransmissor inibitório no sistema nervoso central.

2. A semeadura vaginal também pode ser interessante em bebês nascidos de parto normal?

De um modo geral, os bebês nascidos de parto normal adquirem naturalmente uma gama diversificada de microbiota vaginal materna durante o processo de parto. Acredita-se que essa exposição desempenhe um papel crucial na colonização inicial do microbioma intestinal do bebê e no desenvolvimento de um sistema imunológico saudável. Portanto, a semeadura vaginal normalmente não é considerada necessária para bebês nascidos de parto normal. No entanto, permanece a incerteza se as variações na composição dominante da microbiota vaginal materna podem influenciar a colonização da microbiota intestinal do bebê e os subsequentes resultados de saúde.

3. A semeadura vaginal em bebês pode ter um efeito adverso no futuro?

Quando as mães carregam patógenos em potencial, a prática da semeadura vaginal pode representar riscos adicionais de infecção ou outros eventos adversos em bebês. Em nosso estudo piloto, tomamos precauções excluindo mães que carregavam potenciais Streptococcus do Grupo B ou patógenos de infecção sexualmente transmissíveis. Os resultados não mostraram eventos adversos graves e os eventos adversos observados, como pápulas, eritema, pústulas e febre, não foram significativamente diferentes entre os grupos VMT e controle. Esses achados sugerem que a semeadura vaginal pode ser segura para bebês saudáveis nascidos por cesariana, desde que medidas de triagem apropriadas sejam implementadas. No entanto, é importante observar que nosso estudo foi limitado em tamanho e duração da amostra, e pesquisas mais extensas com amostras maiores e acompanhamento de longo prazo são necessárias para estabelecer a segurança da semeadura vaginal, mesmo quando patógenos maternos são rastreados.

*Estagiária sob supervisão
de Renata Giraldi

 

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