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Algas marinhas: aplicações são várias, e vão da culinária à cosmética

Pesquisadores investem em estudos para explorar o potencial das algas marinhas. Além das aplicações na cozinha, há experiências bem-sucedidas na oftalmologia, na dermatologia e na cosmética

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Ricas em fibras, as plantas estão presentes em pratos super saudáveis e saborosos que se multiplicam em receitas pelo mundo afora - (crédito: Freepik)
postado em 14/04/2024 06:00

Algas marinhas têm múltiplas aplicações, abrangendo desde a alimentação até a indústria farmacêutica e cosmética. Além de serem fonte de vitaminas, minerais e antioxidantes, seus compostos bioativos têm sido estudados pelas propriedades antivirais, antibacterianas e anti-inflamatórias, levando ao desenvolvimento de medicamentos e produtos de cuidados da pele. Pesquisadores de instituições de vários países investem em estudos para explorar o potencial das algas, que se elevam como uma fonte versátil e sustentável de recursos para atender às necessidades humanas, como no tratamento oftalmológico.

Uma colaboração entre pesquisadores da Universidade de Ciência e Tecnologia de Pohang e do Hospital Universitário Dong-A, na Coreia do Sul, resultou na criação de um corpo vítreo artificial para tratar o descolamento de retina. Essa peça artificial é baseada em um carboidrato natural derivado de algas. Os resultados da pesquisa foram detalhados na revista Biomaterials.

"Existe uma correlação entre o descolamento de retina e a miopia grave e a prevalência do descolamento de retina está aumentando, especialmente em jovens. A incidência de casos de descolamento de retina na Coreia aumentou 50% em 2022 em comparação com 2017", observou o professor Hyung Joon Chá, líder da pesquisa, em comunicado.

O corpo vítreo é uma substância gelatinosa que mantém a integridade estrutural do olho. A abordagem convencional para tratar a condição envolve a remoção dessa parte e sua substituição por preenchimentos, muitas vezes associados a efeitos colaterais.

Candidato ideal

Para contornar esses problemas, os cientistas desenvolveram um hidrogel médico à base de alginato, que tem alta biocompatibilidade e propriedades ópticas semelhantes ao corpo vítreo natural. O gel regula a dinâmica dos fluidos dentro do olho, contribuindo para a estabilização da retina e eliminando bolhas de ar.

Experimentos em modelos animais mostraram que a criação foi bem-sucedida na prevenção da recorrência do descolamento de retina, sem causar efeitos adversos. Conforme a pesquisa, os cientistas estão comprometidos em aprimorar essa tecnologia para tornar o hidrogel adequado para uso clínico em cuidados oftalmológicos humanos.

Vinicius Kniggendorf, oftalmologista especialista em retina e vítreo, no Hospital Oftalmológico de Brasília (HOB), do grupo Opty, frisa que um substituto vítreo de longa duração precisa ter viscosidade alta para cumprir o papel adequadamente. "O hidrogel de alginato de algas tem a viscosidade adequada, que consegue ser injetado com agulhas específicas e dispersar facilmente qualquer bolha de ar formada durante o tratamento, mantendo uma boa qualidade ótica, além do tamponamento adequado por longos períodos. Isso poderá diminuir a necessidade de múltiplas cirurgias."

Woo Jin Jeong, professor do Hospital Universitário Dong-A e coautor do trabalho, estima que o hidrogel criado será útil para cirurgias oftalmológicas no futuro. "O mercado mundial de preenchimentos intraoculares está se expandindo a uma taxa de 3% ao ano. Prevemos que o hidrogel que criamos será benéfico nas próximas cirurgias vitreorretinianas."

Dermatologia

A criação de hidrogéis tem emergido como alternativa para algumas questões de saúde. Pensando no poder das algas, pesquisadores da Universidade de Ciências de Tóquio (TUS), no Japão, decidiram usá-las para cuidar da pele, o maior órgão do corpo humano, que está sujeito a diversos tipos de lesões e feridas físicas, como cortes, arranhões, infecções e úlceras.

Muitos hidrogéis apresentam propriedades adesivas que podem interferir no processo de cicatrização. Isso se deve ao fato de que, ao aderirem à pele e à ferida, eles podem expandir a área machucada, aumentando o desconforto e o risco de infecção. Portanto, a ciência tem se voltado para o desenvolvimento de hidrogéis com base em novas substâncias.

Nesse contexto, o grupo de estudiosos japoneses propôs um novo material para o tratamento de feridas cutâneas. Eles desenvolveram um hidrogel de baixo custo, utilizando algas marinhas. O estudo, liderado por Ryota Teshima, mestrando na TUS, demonstrou resultados promissores em modelos celulares e animais.

A pomada foi preparada de forma simples, utilizando alginato, carbonato de cálcio e água gaseificada. O alginato, extraído de algas marinhas, é biocompatível e não adere fortemente às células ou tecidos da pele. Segundo o trabalho, o hidrogel apresentou condições ideais de pH e umidade para a recuperação de feridas, além de menor adesão e inchaço, comparado a outros curativos.

Ferida

"Mediante experiências com animais, demonstramos que a nossa invenção tem um elevado efeito terapêutico e, ao mesmo tempo, pode suprimir a expansão temporária da área da ferida causada por curativos tradicionais", reforçou, em nota, Teshima.

Patrícia Fernandes Abbade, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e integrante da área de publicação oficial da SBD, pontua haver outros hidrogéis feitos a partir de algas marinhas marrons, utilizados para feridas.

"Eles têm propriedade de hidratação do leito da ferida. São muito utilizados para machucados mais secos, com tecido necrótico. A novidade aqui é a forma de fazer o hidrogel com o alginato, combinando carbonato de cálcio e água gaseificada. Conforme a especialista, essa nova fórmula evita a expansão quando a substância é colocada na ferida. "Embora temporária, é um dos efeitos adversos que podem causar dor nos pacientes. Essa tecnologia nova pode realmente ser interessante."

Alimentação

O consumo da erva aquática é milenar, sobretudo entre os asiáticos. Na Coreia, existe um tabu em torno do consumo de sopa de algas marinhas antes de provas, devido à crença de que a natureza escorregadia dessas algas pode causar deslizes durante os testes. Essa característica é atribuída ao alginato, uma substância mucilaginosa presente nesses organismos simples. Recentemente, um estudo explorou o uso de alginato no tratamento do descolamento de retina, uma condição oftalmológica grave.

Alimento conhecido por alto valor nutricional 

As algas marinhas são apreciadas pelos sabores ricos e nutrientes valiosos. Apesar das vantagens para a saúde, há preocupações quanto à exposição a contaminantes, que podem se acumular antes da coleta. Reconhecendo a relevância desses organismos, um recente estudo, publicado na revista ACS Food Science & Technology, investigou a composição nutricional e a presença de metais pesados em seis espécies de algas coletadas no Havaí.

Os pesquisadores analisaram amostras cultivadas ou colhidas na natureza. Conforme o artigo, a equipe descobriu que quatro das seis espécies testadas eram excelentes fontes de minerais essenciais, como ferro, manganês, cálcio e magnésio, fornecendo mais de 20% do valor diário recomendado por porção.

Dois tipos selvagens, S. aquifolium e S. echinocarpum, apresentaram níveis preocupantes de compostos contendo arsênio, enquanto duas espécies cultivadas, H. formosa e G. parvispora, tinham altos teores de chumbo.

Para os cientistas, esses resultados destacam a importância de entender os fatores que influenciam a presença de metais pesados e nutrientes nas algas marinhas. Eles esperam que as descobertas contribuam para regulamentações e garantam a produção de alimentos seguros à base de algas marinhas.

Durval Ribas Filho, nutrólogo, endocrinologista, Presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran) e membro da Obesity Society, nos Estados Unidos, detalha que o recomendado para consumo de algas varia de 70 a 100 gramas diários. "Logicamente o ideal seria que na rotulagem estivesse escrito se contém ou não metais pesados. Os órgãos regulatórios que obrigatoriamente deveriam fazer, por meio de análises laboratoriais."

Mais benefícios

Em um estudo liderado pela Universidade Yeungnam, na Coreia, e divulgado na revista British Journal of Nutrition, pesquisadores avaliaram o impacto da ingestão de algas marinhas no risco de diabetes tipo 2 (DM2). Os resultados revelaram que consumir mais desse alimento diminui em 7% as chances de DM2.

A avaliação do consumo pelos 148.404 participantes foi feita a partir de questionários, enquanto o diagnóstico de DM2 baseou-se em critérios médicos, como níveis de glicose em jejum.

Além de analisar a ingestão, o ensaio considerou uma série de outros fatores ao avaliar o risco da condição. Os voluntários foram acompanhados por cerca de cinco anos. A pesquisa destacou a importância de trabalhos futuros considerarem os nutrientes presentes nesses alimentos, como iodo, fibras e carboidratos, para entender melhor a relação entre a ingestão e a prevenção do diabetes.

Ribas Filho ressalta que essas comidas são fontes de fibras e dão saciedade. "Por terem uma grande quantidade de fibras, principalmente insolúveis, a absorção de carboidratos é mais lenta, com isso os picos de insulina que não são fisiológicos não acontecem isso diminui a possibilidade de desenvolver diabetes. Elas têm muitas vitaminas dos complexos B e C, e compostos antioxidantes, diminuindo a oxidação celular." (IA)

 

Palavra de especialista//À luz do conhecimento

"A utilização de materiais simples, naturais, biodegradáveis e a versatilidade do hidrogel criado por meio de um processo químico extremamente inteligente, utilizando o carbonato de cálcio na formação do hidrogel, tem inúmeras vantagens frente a outros hidrogéis no tratamento de feridas. O conhecimento dos processos, reações químicas e da composição de substâncias faz com que novas descobertas sejam possíveis, mesmo que usando materiais 'antigos', já conhecidos. Isso mostra como a pesquisa pode abrir infinitas janelas para aplicação de materiais e que isso nunca se satura. É comum que novas substâncias sejam patenteadas ou compradas por grandes companhias farmacêuticas, o que gera monopólio e elevação do custo de aplicação, principalmente em redes públicas. Acredito que o principal entrave será no preço dos produtos finais."

Alberto de Andrade Reis Mota,
doutor em química e professor do
curso de farmácia do Centro Universitário Uniceplac, em Brasília.

 

 

 

 

 

 

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