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Produtos químicos causam danos eternos no meio ambiente e no corpo humano

Esses compostos conseguem passar por uma determinada barreira do organismo e prejudicar, sobretudo as células responsáveis por processar informações e transmitir impulsos nervosos, afetando a memória, a cognição e o humor

PFAS estão presentes também nas embalagens de alimentos e nas espumas de combate à incêndio, além dos têxteis, por exemplo  -  (crédito: Freepik)
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PFAS estão presentes também nas embalagens de alimentos e nas espumas de combate à incêndio, além dos têxteis, por exemplo  - (crédito: Freepik)

Substâncias alquílicas perfluoradas e polifluoradas (PFAS) são conhecidas como "produtos químicos eternos" em razão da grande capacidade de permanência no meio ambiente e no corpo humano. Esses produtos são encontrados na água, no solo e até mesmo no cérebro, pois conseguem passar pela barreira hematoencefálica —  estrutura que regula o transporte de substâncias entre o sangue e o sistema nervoso central —, acumulando-se no tecido cerebral. Enquanto os químicos eternos continuam contaminando o planeta, a ciência busca compreender melhor seus efeitos no corpo e tenta criar formas de degradá-los.

Um estudo recente realizado por pesquisadores da Universidade de Buffalo, nos Estados Unidos, identificou 11 genes que podem ser essenciais para entender como o cérebro responde a esses produtos químicos, que são comumente encontrados em itens do dia a dia, como panelas, embalagens e roupas. Esses genes, envolvidos em processos vitais para a saúde neuronal, foram afetados pela exposição aos PFAS, se expressando mais ou menos.

Segundo a pesquisa, publicada na revista ACS Chemical Neuroscience, todos os compostos causaram uma diminuição na expressão de um gene crucial para a sobrevivência das células neuronais e aumentaram a expressão de outro associado à morte celular neuronal. O trabalho revelou que, além desses 11 genes, centenas de outros tiveram suas expressões alteradas de diferentes maneiras, dependendo do composto testado. 

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G. Ekin Atilla-Gokcumen, um dos autores principais do estudo, detalhou que os PFAS não são imediatamente tóxicos. Embora a exposição ocorra praticamente todos os dias, por meio da água potável e embalagens de alimentos, o efeito não é sentido na hora. "É necessário encontrar pontos de avaliação mais profundos no processo celular do que simplesmente verificar, se uma célula vive ou morre", afirmou Ekin. O estudo focou na análise da expressão gênica em células neuronais, bem como no impacto dos PFAS nos lipídios, moléculas que compõem a membrana celular. Se submetido a diferentes PFAS por 24 horas causou mudanças distintas nos lipídios e na expressão de mais de 700 genes.

Seis tipos

Os seis tipos de PFAS testados revelaram resultados diferentes. O ácido perfluorooctanoico (PFOA), um composto que era muito utilizado em panelas antiaderentes, foi o mais impactante, alterou a expressão de quase 600 genes, enquanto nenhum outro composto modificou mais de 147. O PFOA, por exemplo, diminuiu a expressão de genes ligados ao crescimento sináptico e à função neural. As modificações ocorreram em vias biológicas relacionadas à sinalização de hipóxia, estresse oxidativo, síntese de proteínas e metabolismo de aminoácidos, processos essenciais para o funcionamento e desenvolvimento neuronal.

Conforme João Lindolfo Borges, endocrinologista e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), estudar como o cérebro responde a esses desreguladores endócrinos é crucial. "As substâncias podem atravessar a barreira hematoencefálica e afetar processos neurofisiológicos, como desenvolvimento neural, inflamação e neurotransmissão", disse. "O estudo envolve toxicologia, genética e neurociência, exemplificando como abordagens multidisciplinares são essenciais para entender os impactos de substâncias químicas complexas, como os PFAS."

Os pesquisadores notaram ainda que 11 genes apresentaram uma resposta consistente aos seis compostos de PFAS testados, com alguns genes ficando muito desregulados, incluindo aqueles cruciais para a sobrevivência das células neuronais. Outros genes foram superexpressos. Para os cientistas, os achados abrem caminho para utilizar esses genes como marcadores no monitoramento da neurotoxicidade induzida pelos PFAS. Contudo, Atilla-Gokcumen ressalta que mais pesquisas são necessárias para entender como esses genes reagem a outros tipos de PFAS.

Conforme Renato Andrade Chaves, neurocirurgião especialista em cérebro e coluna, essas substâncias, que se acumulam no tecido cerebral causam inflamações crônicas e estresse oxidativo. "Esses efeitos podem contribuir para a neurodegeneração, afetando a memória, a cognição e o humor. Estudos mostram que uma exposição prolongada pode alterar os neurotransmissores e causar disfunções sinápticas."

Além disso, Chaves destaca que os PFAS podem interferir no desenvolvimento cerebral, impactando habilidades cognitivas em jovens e exacerbando doenças em idosos. "A longo prazo, pode aumentar a vulnerabilidade a condições como Alzheimer, Parkinson e depressão."

Outro estudo sobre substâncias químicas disruptoras endócrinas, como os bifenilos policlorados (PCBs), que também têm sido banidos ao redor do mundo, mas que ainda persistem no ambiente, indicam que a exposição precoce pode levar a problemas comportamentais. Conforme a pesquisa, publicada no Journal of the Endocrine Society, os PCBs são conhecidos por interferirem com o sistema endócrino, afetando desde a reprodução até o comportamento, sendo particularmente prejudiciais durante o período perinatal.

Esses produtos são encontrados em solo contaminado, sedimentos e em alguns peixes devido à contaminação ambiental. Conforme os estudos, as pessoas podem ser mais vulneráveis aos efeitos dessas substâncias entre o período de concepção e até um ano após o parto.

"Descobrimos que ratos expostos a PCBs durante o período perinatal podem ter alterações hormonais e de desenvolvimento", destacou Andrea Gore, cientista da Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos. "Nosso estudo enfatiza e apoia pesquisas anteriores sobre como a exposição aos PCBs pode afetar os resultados neurocomportamentais."

 


COMO EVITAR MAIS EXPOSIÇÃO AOS PFAS

  • Escapar desses compostos é uma tarefa quase impossível, pois estão amplamente difundidos. Todavia, algumas estratégias ajudam a não agravar a contaminação: 

•Substitua panelas e frigideiras antiaderentes feitas com Teflon ou materiais similares por aquelas com aço inoxidável, ferro fundido ou cerâmica.

•Fuja de produtos que contenham “fluoro” ou “perfluoro” nos ingredientes, especialmente em maquiagens e produtos para cabelo. Prefira marcas que se declarem livres de PFAS.

•Use filtros certificados, como os de osmose reversa ou filtros de carbono ativado, projetados para remover PFAS.

•Tente escapar de alimentos embalados em papel resistente a gordura, como sacos de pipoca de micro-ondas, caixas de pizza e embalagens de fast food. 

•Fuja de produtos rotulados como “resistentes a manchas” ou “impermeáveis” em roupas, móveis e tapetes, pois frequentemente contêm PFAS. Escolha produtos naturais, como algodão orgânico ou couro sem tratamentos químicos.

•Opte por produtos de limpeza simples

•Apoie iniciativas e políticas públicas que promovam o banimento de PFAS e incentivem a pesquisa de alternativas seguras.

•Resíduos de PFAS podem estar presentes em carpetes e espumas de combate a incêndio. Evite ambientes recém-tratados com esses materiais.

Fonte: João Lindolfo Borges, endocrinologista e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia




Filtros sensíveis e eficientes

Como o nome sugere, as substâncias químicas eternas têm uma degradação muito difícil, e normalmente, não se decompõem por conta própria, podendo durar séculos. As PFAS têm sido usadas em vários produtos, como têxteis, espumas de combate a incêndio e embalagens de alimentos. A contaminação provocada por esses compostos está em todo lugar. Agora, uma equipe da Universidade Técnica Ulrich Meyer de Munique, na Alemanha, desenvolveu filtros para eliminar esses contaminantes da água.

Os cientistas identificaram compostos de estrutura metal-orgânica que ficavam estáveis em água e funcionavam como filtros PFAS. Jörg Drewes, presidente de engenharia de sistemas de água urbana, destacou o grande significado social dos resultados da pesquisa. "PFAS representam uma ameaça constante à saúde pública. Por muito tempo, os efeitos negativos dos produtos químicos, que, entre outras coisas, garantem que as capas de chuva sejam impermeáveis e respiráveis, foram subestimados. A indústria agora começou a repensar isso, mas o legado dos PFAS continuará a nos afetar por várias gerações futuras."

Conforme Luiz Belo, professor de química, esses materiais são produzidos industrialmente por meio da adição de flúor a moléculas orgânicas. São aplicadas em alguns tipos de embalagens de alimentos, tecidos impermeáveis, espuma para combater incêndios, panelas antiaderentes, maquiagens entre outros produtos. "Até onde li, não vi nenhuma regulamentação sobre o uso desse tipo de substância."

Para Roland Fischer, presidente de química inorgânica e organometálica, ao resolver desafios tão grandes, "especialistas de uma ampla gama de disciplinas precisam trabalhar juntos. Você simplesmente não consegue chegar a lugar nenhum sozinho. Estou muito feliz que esta abordagem tenha provado seu valor aqui novamente."

No entanto, apesar dos bons resultados do trabalho, os pesquisadores destacam que deve demorar um longo período até que esse novo material de filtro seja adotado em larga escala em obras hidráulicas. O princípio recém-descoberto teria que ser implementado com materiais sustentáveis, baratos e seguros em todos os aspectos. Isso exigirá a realização de mais pesquisas e criação de mais soluções de engenharia adicionais.

"Os PFAS são um exemplo claro de como a inovação tecnológica, se não for acompanhada de uma avaliação de risco cuidadosa, pode levar a sérios problemas ambientais e de saúde. Precisamos investir em pesquisa, regulamentação e em alternativas seguras para evitar que novos problemas como este surjam no futuro", completou Belo.  (IA)

Isabella Almeida
postado em 26/01/2025 07:01