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Enxerto vascular aumenta a eficácia em cirurgias do coração

Com células-tronco capazes de se diferenciar em tecidos diversos, pesquisadores dos Estados Unidos criam um enxerto para cirurgias de revascularização cardíaca. Além de evitar rejeição, a abordagem promete ser duradoura

John Maufort, com a colega Marcella Diana Tabima, no Instituto de Pesquisa Mordgridge: bioegenharia é opção promissora -  (crédito: Instituto Morgridge de Pesquisa / Fotografia de David Nevala)
John Maufort, com a colega Marcella Diana Tabima, no Instituto de Pesquisa Mordgridge: bioegenharia é opção promissora - (crédito: Instituto Morgridge de Pesquisa / Fotografia de David Nevala)

Desde que James Thomson isolou a primeira célula-tronco embrionária humana, em 1998, a pesquisa nessa área não parou de evoluir. Agora, cientistas da Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, conseguiram criar um enxerto vascular à base desse material para aumentar a eficácia de cirurgias cardiovasculares. Conforme o estudo, publicado ontem na revista Cell Reports Medicine, a inovação promete abrir o leque para operações bypass, empregadas no tratamento da doença arterial coronariana.

Segundo os pesquisadores, o trabalho foca na utilização de células endoteliais arteriais (AECs), derivadas de células-tronco pluripotentes humanas, para fabricar enxertos vasculares que possam ser mais facilmente adaptados e utilizados em procedimentos de revascularização do coração. Igor Slukvin, professor de patologia e medicina laboratorial da universidade e coautor do estudo, disse que, apesar de dispositivos sintéticos terem sido utilizados com sucesso em clínicas para reparo de vasos sanguíneos grandes, "as opções para vasos de pequeno diâmetro, usados frequentemente em cirurgias de bypass coronário, são limitadas." 

Atualmente, a única opção para realizar enxertos de bypass vascular de pequeno diâmetro é a remoção de um vaso sanguíneo de outra parte do corpo do paciente. Embora essa abordagem seja funcional, ela é invasiva e limitada. Além disso, pode ser ineficaz para quem tem comorbidades. Como alternativa, é possível recorrer a doadores, mas a rejeição imunológica impede frequentemente o sucesso do procedimento. 

Demora

De acordo com John Maufort, cientista associado e coautor do estudo, terapias celulares personalizadas podem ser caras e demoradas. "Nosso objetivo foi criar um enxerto arterial de pequeno diâmetro 'pronto para uso', que pudesse ser utilizado de forma imediata em ambientes clínicos." Para isso, os pesquisadores combinaram ePTFE — material poroso similar ao teflon — com células endoteliais arteriais derivadas de células-tronco, criando um novo tipo de enxerto vascular. 

O uso de células-tronco pluripotentes é uma grande estratégia, já que essas estruturas se autorrenovam e se diferenciam em qualquer tipo, incluindo nas endoteliais necessárias para a criação de enxertos vasculares. Contudo, um desafio técnico surgiu quando os cientistas perceberam que o ePTFE, que repele água, dificultava a fixação celular no material.

Os pesquisadores, então, se inspiraram em proteínas adesivas produzidas por mexilhões e utilizaram um revestimento de camada dupla com dopamina e vitronectina, uma proteína que auxilia na adesão celular. "Nós usamos esse revestimento para garantir que as células endoteliais se fixassem com sucesso à superfície dos enxertos", detalhou Jue Zhang, autor principal do estudo. 

Aplicação satisfatória

Em testes com macacos rhesus, os pesquisadores implantaram os enxertos nas artérias femorais. Para avaliar a resistência dos implantes à rejeição, os cientistas alteraram a expressão das proteínas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC), indispensáveis na resposta imune. 

Segundo os autores, os resultados foram surpreendentes. Os enxertos com células modificadas para não expressar as proteínas MHC falharam em 50% dos casos. Por outro lado, os demais mantiveram a funcionalidade por seis meses, sem sinais de erros. Além disso, foi observado um repovoamento celular saudável, o que contribuiu para o sucesso, a longo prazo, do tratamento.

Poliana Requião, cardiologista e docente do Instituto de Educação Médica (Idomed), destaca que há vários desafios associados ao uso de enxerto, como rejeição do organismo, trombose e complicações relacionadas ao local de retirada do tecido. "As células-tronco são uma opção promissora, pois parecem induzir menos reação imunológica. A cirurgia também poderia ser feita em uma só vez, ao passo que, nos enxertos de veias autógenas, é necessário um primeiro tempo para a retirada do fragmento do vaso sanguíneo que será usado."

Conforme Marcelo Bergamo, cardiologista do Hospital Santa Bárbara, em São Paulo, e responsável técnico da Correa & Bergamo Clínica Médica e Cardiologia, pacientes que hoje em dia não são elegíveis para cirurgias por falta de enxerto seriam beneficiados. "Ou mesmo aqueles que têm enxertos, mas de qualidade duvidosa, também se enquadrariam bem na indicação do uso de enxertos da bioengenharia. Existe um campo muito grande para as indicações de tais materiais que beneficiariam muitas pessoas ao redor do mundo, e esperamos que os estudos tragam resultados robustos para a aplicação prática dessa tecnologia."

Processo longo

Samuel Poore, presidente da divisão de cirurgia plástica da UW-Madison e coautor do estudo, ficou satisfeito com os resultados. "É um projeto colaborativo e emocionante, com o potencial de avançar do laboratório diretamente para o leito do paciente." Poore também acredita que os enxertos vasculares baseados em células-tronco poderiam expandir as possibilidades de cirurgia, reduzir a morbidade associada aos procedimentos atuais e abrir novas opções para doenças cardiovasculares e para áreas de cirurgia plástica e reconstrutiva. 

Para Nestor Sabatovicz Junior, cirurgião cardiovascular do Hospital Anchieta, em Brasília, apesar do retorno positivo da pesquisa, esse tipo de enxerto deve demorar para ser utilizado. "Continuam na fase inicial, esses enxertos precisam se mostrar viáveis, de fácil utilização, baratos, que estejam amplamente disponíveis. Tem que ser provado que eles funcionam e que funcionam tão bem, ou melhor, do que os enxertos utilizados atualmente. Serão necessários muitos e muitos anos para chegar a uma conclusão."

Avanço lento 

"A pesquisa com células-tronco na cirurgia cardiovascular já existe há mais de 20 anos, mas até o momento, todas as tentativas com essas células permaneceram na fase experimental. A transição para os testes clínicos é muito difícil, pois, embora o objetivo seja ter enxertos disponíveis de forma acessível, os artificiais funcionam bem para grandes vasos, mas apresentam limitações para vasos menores. Em todos os estudos realizados até hoje, os enxertos artificiais para vasos pequenos acabam obstruindo em menos de seis meses. Se essa pesquisa se mostrar bem-sucedida, ela poderá beneficiar não só os pacientes com doenças coronárias, mas também outras áreas da medicina. Portanto, é fundamental que os estudos continuem, pois, se forem bem-sucedidos, podem trazer soluções mais eficazes e acessíveis para todos."

Leonardo Esteves Lima, cardiologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, mestre e doutor em cirurgia cardiovascular pela universidade René Descartes, na França, e membro da Academia de Medicina de Brasília

 

 

Isabella Almeida
postado em 11/03/2025 06:01
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