QUALIDADE DE VIDA

Alternar o jejum com a alimentação saudável ajuda a perder peso

Fazer jejum por três dias e alternar com a alimentação sem restrições pode reduzir 7% do peso corporal, sem contar calorias nos dias livres

A exigência é de cardápio saudável associado à prática de atividades físicas -  (crédito: Elements pic/Divulgação )
A exigência é de cardápio saudável associado à prática de atividades físicas - (crédito: Elements pic/Divulgação )

Fazer jejum três vezes na semana sem restrição de alimentos nos demais dias pode ajudar mais na perda de peso do que contar calorias, segundo um estudo da Escola de Medicina da Universidade do Colorado. Além disso, a prática da abstinência eventual melhora taxas cardiometabólicas, incluindo pressão arterial, colesterol total, triglicérides e glicemia. Os pesquisadores observaram esses resultados em um estudo publicado na revista Annals of Internal Medicine, que envolveu 165 adultos com sobrepeso ou obesidade. 

Os voluntários foram divididos em dois grupos: jejum intermitente 4:3 (quatro dias livres e três de abstinência, não consecutivos) ou restrição calórica por 12 meses. No primeiro caso, embora não houvesse restrição alimentar, os participantes foram orientados a optar por refeições saudáveis. 

Já o segundo grupo tinha uma meta calórica diária personalizada, para produzir um deficit energético de 34,3%. Todos ganharam uma assinatura gratuita na academia e foram encorajados a se exercitar por pelo menos 300 minutos por semana. Também participaram de terapia em grupo e ganharam um guia para atingir a meta de macronutrientes dietéticos na proporção de 55% de carboidratos, 15% de proteína e 30% de gordura. 

No fim da intervenção, os participantes que fizeram jejum reduziram 7,6% do peso corporal, comparado a 5% dos que contaram caloria. Cinquenta e oito por cento do primeiro grupo alcançaram ao menos 5% de emagrecimento em 12 meses, contra 47% do segundo. 

Adesão

Embora a diferença não tenha sido tão grande, as autoras observam que, entre os que jejuaram, houve mais mudanças favoráveis nas taxas cardiometabólicas. Elas acreditam que, como não há necessidade de contar calorias em todas as refeições, a prática da abstinência eventual de alimentos pode resultar em maior adesão. 

"A mensagem mais importante, para mim, é que esta é uma alternativa baseada em evidências, especialmente para pessoas que tentaram a restrição calórica diária e acharam difícil", comenta Victoria Catenacci, coautora principal do estudo e professora associada de endocrinologia na Faculdade de Medicina da Universidade do Colorado. Especializada em medicina da obesidade, a endocrinologista ressalta a necessidade de se buscar estratégias de perda de peso além do corte de calorias, considerando o avanço da obesidade: uma em cada oito pessoas vivem nessa condição, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde. 

A pesquisadora esclarece que há dois tipos principais de jejum intermitente estudados previamente. "A alimentação com restrição de tempo (TRE) é quando você limita sua ingestão de energia, ou sua alimentação, a uma janela específica todos os dias. Por exemplo, com o que é chamado de plano 16:8, você jejua por 16 horas e faz todas as suas refeições dentro de uma janela de oito horas diariamente." 

Variações

O outro tipo encaixa-se melhor na definição de jejum intermitente: o praticante restringe a ingestão de calorias significativamente, geralmente em mais de 75%, em dias selecionados da semana. "Você pode fazer isso em dias alternados, dois por semana (5:2) ou, como em nosso estudo, três por semana (4:3)", diz Catenacci. Na pesquisa, os participantes restringiram o consumo energético de 400 a 700 calorias, de acordo com o índice de massa corporal, durante três dias. Nos demais, seguiram uma dieta normal, sem restrições ou contagem, mas com foco em alimentos saudáveis e respeitando o tamanho das porções.

Catenacci esclarece que, para determinar o total de calorias permitidas durante o jejum, as pesquisadoras mediram o gasto energético em repouso dos participantes. "Calculamos quais eram suas necessidades energéticas no início do estudo para estabilidade de peso, e eles obtiveram uma meta individualizada de calorias para produzir a restrição energética semanal de 34%." A maioria das pessoas do grupo de contagem calórica teve como objetivo diário de 1,3 mil a 1,8 mil calorias/dia (mulheres) e 1,5 mil a 2 mil (homens). Já entre os que fizeram jejum, o limite ficou entre 400 a 600 (mulheres) e 500 a 700 (homens).

Danielle Ostendorf, coautora do estudo e pesquisadora da Universidade do Tennessee, em Knoxville, destaca o componente comportamental das abordagens. "Os encontros em grupo foram muito importantes porque forneceram uma fonte de responsabilidade e apoio social", diz. Os participantes se encontraram semanalmente nos primeiros três meses, orientados por um nutricionista. Depois, as reuniões foram quinzenais. 

Gabriel Resende, médico pós-graduado em nutrologia, medicina do esporte e nutrição esportiva, ressalta que, para fazer jejum, é indispensável a prescrição por um profissional de saúde. "A estratégia deve ser muito bem acompanhada e prescrita. Isso porque o jejum realizado de maneira incorreta pode predispor episódios de compulsão alimentar nos períodos de janela alimentar, ou até mesmo induzir a perda de músculo significativa", alerta (leia entrevista).

 

 Três perguntas para Gabriel Resende, médico pós-graduado em nutrologia, medicina do esporte e nutrição esportiva

 

De que forma o jejum intermitente promove a perda de peso?

O jejum intermitente promove a perda de peso, principalmente pela redução calórica espontânea e pelas adaptações hormonais e metabólicas induzidas pelo período de jejum. No modelo de jejum alternado, como no estudo citado, indivíduos alternam dias com consumo calórico restrito (-25% das necessidades) com dias sem restrição. Curiosamente, nos dias "livres", os participantes não compensam totalmente as calorias não ingeridas no dia anterior, levando a um deficit calórico semanal significativo. Estudos metabólicos controlados demonstram que a compensação calórica nesses dias tende a ser incompleta — geralmente apenas 10% a 20% acima da média habitual, o que ainda resulta em um saldo negativo no fim da semana.

Quais os mecanismos fisiológicos que explicam a perda de peso no jejum?

Durante o jejum, ocorre a diminuição da insulina plasmática e o aumento da sensibilidade insulínica; aumento do glucagon e da norepinefrina, que estimulam a lipólise; ativação da autofagia e modulação da via mTOR, com possíveis efeitos benéficos sobre inflamação e metabolismo; redução da leptina e aumento da adiponectina, que favorecem a oxidação de ácidos graxos. Esses mecanismos atuam em sinergia para favorecer a mobilização de estoques lipídicos, além de induzir adaptações metabólicas que sustentam a perda de peso ao longo do tempo. No artigo,  tanto o grupo de jejum quanto o de restrição calórica perderam peso (cerca de 5% do peso corporal), mas o grupo do jejum teve ligeiramente maior perda e menor taxa de abandono, sugerindo que o fator comportamental pode ser tão importante quanto o fisiológico.

 Qualquer pessoa pode fazer esse tipo de regime?

Apesar de promissor, o jejum intermitente não é uma abordagem universal e deve ser considerado em um contexto clínico individualizado. Existem contraindicações absolutas e relativas que precisam ser respeitadas. Pacientes que devem tomar cuidado com jejum: diabéticos tipo 1 ou diabetes tipo 2 com uso de insulina, pelo alto risco de hipoglicemia; gestantes e lactantes, devido à demanda energética aumentada; crianças e adolescentes, em fase de crescimento e desenvolvimento; indivíduos com histórico de transtornos alimentares (anorexia, bulimia, compulsão); pacientes com caquexia, desnutrição, ou doenças crônicas graves sem acompanhamento especializado. A supervisão médica e nutricional é fundamental para adequar o protocolo ao estilo de vida e às necessidades clínicas do paciente, além de evitar riscos como hipoglicemia, fadiga extrema, ou desregulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal.

postado em 02/04/2025 06:01
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