
Em um ciclo que se retroalimenta, o desmatamento da Mata Atlântica contribui diretamente para a desregulação climática nas regiões sul e sudeste do Brasil — impedindo que grande parte dos esforços de reflorestamento do bioma tenha sucesso. Segundo o MapBiomas, fatores como déficit hídrico e temperaturas elevadas, classificados como estresse abiótico, comprometem cerca de 46% das iniciativas de restauração no país. O cenário ameaça o cumprimento da meta nacional de restaurar 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030, conforme estabelecido pelo Decreto Nacional nº 8.972, de 2017.
Diante do desafio, o projeto NAPI Biodiversidade: RESTORE (natuRe-basEd SoluTions for imprOving REforestation), sediado no Paraná, investe em uma abordagem biotecnológica baseada na nanotecnologia. A equipe desenvolveu “nanoaliados”: compostos capazes de otimizar a resposta das plantas aos estresses ambientais.
A técnica utiliza a nanoencapsulação de doadores de óxido nítrico — molécula sinalizadora fundamental em processos biológicos vegetais — com nanomateriais biodegradáveis como a quitosana, um subproduto da indústria pesqueira. A encapsulação permite a liberação prolongada do óxido nítrico, aumentando sua eficácia e fortalecendo a resistência das plantas.
Em experimentos recentes, pesquisadores do RESTORE testaram nanopartículas de quitosana contendo compostos de óxido nítrico em mudas de três espécies nativas da Mata Atlântica: jatobá-da-mata (Hymenaea courbaril), amburana (Amburana cearensis) e jatobá-do-cerrado (Hymenaea stigonocarpa). Após um período de aclimatação em sombra moderada, as plantas foram expostas a diferentes concentrações da solução nanoestruturada e à versão do composto em estado livre.
Os resultados indicaram benefícios significativos em parâmetros fisiológicos como fotossíntese, condutância estomática e acúmulo de biomassa. Embora as respostas tenham variado entre espécies, a maior parte dos tratamentos com nanopartículas superou os resultados obtidos com plantas não tratadas, demonstrando o potencial do óxido nítrico nanoencapsulado como indutor de mecanismos protetores.
A abordagem é particularmente relevante em um cenário no qual 70% das áreas previstas para restauração apresentam solos degradados, baixa disponibilidade de água e invasão por espécies exóticas. O professor Halley Caixeta de Oliveira, da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e coordenador do NAPI RESTORE, explica que os bioinsumos nanotecnológicos podem oferecer o impulso necessário para o desenvolvimento inicial das mudas: “Ao melhorar a eficiência no uso da água e otimizar a capacidade fotossintética, esses compostos ajudam a compensar as deficiências do ambiente a ser restaurado e a acelerar a regeneração ecológica”.
Além da eficácia, a sustentabilidade da solução se destaca. A quitosana utilizada é um polímero natural, biodegradável, de baixo custo e oriundo de resíduos da indústria pesqueira. Isso possibilita uma liberação controlada e ambientalmente responsável de compostos bioativos, promovendo inovação aliada aos princípios da economia circular — com conservação ambiental e reaproveitamento de recursos naturais.
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“Ao fortalecer a resiliência fisiológica de mudas nativas frente ao estresse hídrico e térmico, os ‘nanoaliados’ representam não apenas uma inovação científica, mas uma ponte promissora entre a biotecnologia e a regeneração dos ecossistemas ameaçados”, reforça o coordenador do NAPI RESTORE, professor Halley Caixeta de Oliveira.
Segundo Caixeta, inicialmente o projeto voltava-se ao estado do Paraná. Atualmente, estão sendo implantados experimentos em campo nas cidades de Londrina e Ponta Grossa, com o objetivo de validar essa tecnologia em dois ambientes distintos. Para expandir a tecnologia a outros estados, estão sendo buscados parceiros que viabilizem a aplicação em diferentes condições, considerando variações de solo, clima e espécies.
“O interesse não se limita às espécies destinadas ao reflorestamento, mas também se estende à agricultura. Há intenção de aplicar a tecnologia em culturas agrícolas, como milho, soja e trigo. Portanto, há uma perspectiva clara de expansão para outros estados e para diferentes tipos de cultivo”, explica Caixeta.
O principal desafio técnico está no escalonamento da produção, mas a aplicação concentrada e diluída em água exige pouco volume, o que reduz os custos, conforme o coordenador. Testes em campo indicaram aumento na assimilação de CO? e bom retorno econômico. A expansão em larga escala depende agora de parcerias com empresas para uso de reatores industriais.
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