CEGUEIRA

Casos de cegueira devem duplicar globalmente, mas mudar hábitos pode frear avanço

Casos de perda de visão por degeneração macular relacionada à idade devem mais do que dobrar até 2050, segundo um levantamento global. Porém, o diagnóstico precoce e a cessação do tabagismo evitam a progressão do problema

Degeneração macular relacionada à idade  -  (crédito: Tmhlee/Divulgação )
Degeneração macular relacionada à idade - (crédito: Tmhlee/Divulgação )

Em um mundo cada vez mais envelhecido, o número de pessoas afetadas pela perda de visão por degeneração macular relacionada à idade (DMRI) deve mais do que dobrar até 2050, atingindo 21,34 milhões globalmente. Terceira principal causa de cegueira, a condição é irreversível, mas a boa notícia é que é possível identificá-la precocemente e prevenir a piora do quadro. Parar de fumar também ajuda a evitar o problema: segundo um estudo publicado na revista The Lancet Global Health, a estimativa de afetados em 25 anos pode ser 10% menor com a eliminação do consumo de tabaco. 

A degeneração macular costuma afetar pessoas acima dos 60 anos. O problema danifica a mácula, área da retina responsável pela visão central, comprometendo atividades cotidianas, como leitura e reconhecimento de rostos. Além do impacto individual, a perda da acuidade visual associada à DMRI influencia a economia e já foi associada ao aumento da mortalidade por todas as causas e à depressão. 

O levantamento também mostra que, entre 1990 e 2021, o número de pessoas com deficiência visual causada pela DMRI saltou de 3,64 milhões para 8,06 milhões. No mesmo período, os anos de vida saudável perdidos para a doença (DALYs) aumentaram 91%. 

Reflexo

Contudo, melhora no acesso a serviços de saúde e redução do tabagismo diminuíram as taxas de prevalência (5,53%) e de DALYs (19,09%) quando os dados foram ajustados para idade. "Os resultados refletem não apenas o envelhecimento da população global, mas o impacto positivo de políticas de saúde pública e de controle do tabaco", reconheceu, em nota, Dong Keon Yon, autor correspondente do estudo e pesquisador da Universidade Kyung Hee, na Coreia do Sul.

Se o consumo de tabaco for eliminado globalmente, estima-se que o número de pessoas afetadas pela degeneração macular em 2050 poderia cair de 21,34 milhões para 19,32 milhões. Os homens seriam mais beneficiados, já que a contribuição do fumo para os casos da doença é maior entre eles. 

O estudo também reforça a importância do acesso a tratamentos avançados, como as terapias anti-VEGF, usadas para formas mais graves da doença. Esses medicamentos atuam bloqueando uma proteína que provoca o crescimento de vasos sanguíneos anormais e vazamentos de fluidos nos olhos. "Uma barreira para o acesso é que os tratamentos retinianos são caros. Os anti-VEGF são medicações biológicas, anticorpos, que exigiram muito investimento em pesquisa para o seu surgimento", explica Renato Braz, membro do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) e oftalmologista do Grupo Inob. 

"O que provavelmente vai acontecer com o tempo é a chegada de biossimilares, que talvez possam ajudar o acesso ao tratamento pela população de baixa renda", acredita Braz. "Mas, claro, sempre terão novas drogas surgindo, e talvez as de última geração acabem ficando reservadas a uma população com acesso à saúde privada."

Disparidade

Dong Keon Yon ressalta que a disparidade no acesso a diagnóstico precoce e medicamento é refletida no estudo — na África Subsaariana, estão os mais baixos níveis de tratamento. Para ele, é preciso desenvolver abordagens que contemplem países de renda baixa e média. "Os custos dos tratamentos atuais limitam o acesso em regiões com menos recursos, por isso é crucial pesquisar estratégias custo-efetivas e focar na prevenção, especialmente com políticas de controle do tabagismo", afirma Yon.

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No estudo publicado na revista The Lancet Global Health, os autores destacam que a maioria dos casos de degeneração macular relacionada à idade correspondem à forma não exsudativa da doença, também conhecida como DMRI seca, para a qual ainda não existem tratamentos amplamente disponíveis. "Existem dois tipos de degeneração macular: a úmida e a seca. Nesse último caso, o tratamento, que visa estabilizar o processo, é feito com aplicações de vitaminas", explica Douglas Pigosso, oftalmologista do CBV-Hospital de Olhos.

Pigosso esclarece que algumas pessoas são mais suscetíveis à degeneração macular: fumantes, quem tem casos na família e as de pele clara. Porém, o médico ressalta que é possível prevenir a evolução da doença. "O ideal é você fazer consulta anual com especialista de retina, fazer o exame de fundo de olho para ver se há alguma alteração na área da mácula", recomenda. "Dessa forma, conseguimos identificar precocemente qualquer sinal da doença e prevenir a piora da qualidade visual."

 


Três perguntas para Wener Cella, oftalmologista da Vision One e especialista pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia

Quais estratégias de rastreamento e triagem precoce para degeneração macular relacionada à idade (DMRI) são mais eficazes? 

O rastreamento precoce da degeneração macular relacionada à idade (DMRI), assim como da retinopatia diabética (RD), é essencial para minimizar os efeitos deletérios da perda visual, por vezes incapacitante, dos pacientes. A medida mais correta é a avaliação anual com o oftalmologista, mas nem sempre a população brasileira tem fácil acesso aos serviços médicos. Assim, são cada vez mais frequentes as iniciativas de saúde pública na forma de mutirões, em parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS), para detecção dessas alterações. Infelizmente, essa não é a estratégia mais adequada para a população em situação de vulnerabilidade econômica, mas atualmente é a mais adotada no Brasil.

Como é feita a detecção? Há tratamento? 

O exame oftalmológico do fundo de olho associado ao exame de tomografia da retina conseguem detectar alterações precoces da degeneração macular e da retinopatia diabética. Nos Estados Unidos, por exemplo, já há iniciativas para que tomógrafos portáteis possam ser adquiridos pelos pacientes, para que eles mesmos façam o exame em casa. Infelizmente, no Brasil, essa é uma tecnologia ainda bastante cara. O tratamento da degeneração macular, quando apresenta hemorragia ou inchaço nas células da retina, e da retinopatia diabética, é baseado em injeções intraoculares de medicamentos anti-inflamatórios (conhecidos como antiangiogênicos). Apesar desses medicamentos terem aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o SUS ainda não facilita a sua ampla utilização devido ao custo financeiro, sendo que, muitas vezes, é necessária a judicialização para o paciente conseguir iniciar o tratamento.

Quais iniciativas de saúde pública podem reduzir a sobrecarga econômica da DMRI?

A facilitação do acesso aos serviços públicos ou parceiros do SUS com profissionais e equipamentos adequados ao diagnóstico é essencial para que os pacientes não cheguem ao ponto de perder sua condição de independência funcional devido à cegueira legal. Além disso, a disponibilização do tratamento adequado com o fornecimento regular da medicação a ser utilizada é ponto imprescindível para evitar a cegueira. Afinal, não adianta diagnosticar se não há como tratar. (PO)

Auxílio da inteligência artificial

Grande parte das doenças de retina, como a degeneração macular, as oclusões venosas e as tromboses retinianas, estão relacionadas ao envelhecimento, então é esperado que a prevalência aumente. Algo que pode ser realmente muito importante na prevenção é a inteligência artificial, pois diversos exames podem ser feitos a distância. Estão surgindo equipamentos, para triagem de retinopatia diabética, então você pode levar um retinógrafo com inteligência artificial acoplada, que tira uma foto do fundo de olho e consegue dizer se o paciente tem retinopatia diabética ou não. Em caso positivo, o paciente é encaminhado para um grande centro de diagnóstico e tratamento. Isso pode ser feito em áreas isoladas. aumentando o acesso ao diagnóstico precoce.

Renato Braz, oftalmologista
do grupo Inob 

Diabetes descontrolada aumenta risco de retinopatia

Pessoas com diabetes que não mantêm os níveis de açúcar no sangue baixos têm três vezes mais risco de desenvolver doenças oculares, comparadas àquelas com glicemia adequada. A constatação é de um estudo publicado na revista BMJ Open, com dados de 5,6 mil indivíduos acima de 52 anos.  

Os pesquisadores descobriram que os participantes com diabetes descontrolado no início do estudo tinham 31% de chance de desenvolver doenças oculares associadas ao problema metabólico ao longo de 14 anos. Já aquelas com mesmo diagnóstico, mas níveis de açúcar dentro da faixa normal, apresentavam risco de 9% no mesmo período. 

O grupo com diabetes e níveis elevados de açúcar no sangue (acima de 6,5% em um teste de HbA1c) também tinha maior probabilidade de desenvolver duas outras doenças oculares: glaucoma e degeneração macular. Além disso, pessoas com o distúrbio metabólico não diagnosticado tiveram maior risco de desenvolver complicações oftalmológicas. 

Manejo

"Essas descobertas mostram a importância de que as pessoas com diabetes sejam diagnosticadas e apoiadas no manejo da doença, pois isso reduzirá a chance de doenças oculares potencialmente debilitantes", comentou, em nota, o coautor do estudo, Stephen Jivraj, do Instituto de Epidemiologia e Cuidados de Saúde da Universidade College London. Segundo o pesquisador, na década de 2000, a proporção de pessoas em idade produtiva com diagnóstico de diabetes mais do que dobrou na Inglaterra, país onde o estudo foi realizado, passando de 2,8% para 6,8%.

A doença ocular diabética refere-se mais comumente à retinopatia diabética, na qual altos níveis de açúcar no sangue danificam a retina na parte posterior do olho. Pessoas com o distúrbio metabólico também apresentam risco aumentado de glaucoma (dano ao nervo óptico), degeneração macular (quando a parte central da retina, a mácula, é danificada) e catarata (quando o cristalino fica opaco). (PO)

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postado em 27/07/2025 05:01 / atualizado em 27/07/2025 10:22
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