Bem-estar

Demência pode ser prevenida com hábitos simples, mostra estudo

Estudo com mais de 2 mil pessoas acima de 60 anos e em risco de declínio cognitivo mostra que conjunto de estratégias estruturadas, como adotar uma dieta saudável e rotina de atividades físicas regulares, ajuda a retardar a neurodegeneração

Idosos fazendo exercíco  -  (crédito: National Concil of Aging/Divulgação )
Idosos fazendo exercíco - (crédito: National Concil of Aging/Divulgação )

Um programa estruturado de mudanças de hábitos, incluindo exercícios físicos, dieta equilibrada e atividades cognitivas, pode melhorar significativamente a função cerebral de idosos com risco elevado de demência. A conclusão é de um estudo norte-americano que acompanhou 2.111 voluntários entre 60 e 79 anos ao longo de dois anos, publicado na revista científica Jama, divulgado na Conferência Internacional de Alzheimer (AAIC), realizada on-line. 

O estudo US Pointer usou dados de cinco centros de pesquisa dos Estados Unidos e considerou abordagens multidisciplinares no enfrentamento à demência. Os pesquisadores compararam duas estratégias de prevenção: uma estruturada, com orientação contínua, atividades em grupo e metas de saúde, e outra autoguiada, com recomendações básicas para mudanças de estilo de vida, mas sem supervisão intensiva.

Segundo os resultados, ambas as abordagens contribuíram para uma melhora na função cognitiva global dos participantes. No entanto, a evolução foi mais acentuada no grupo que seguiu o programa estruturado. A diferença foi de 0,029 desvio padrão — medida estatística usada na pesquisa. Embora pareça pequena, foi considerada significativa e clinicamente relevante pelos cientistas.

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Planejamento

Os ganhos cognitivos foram particularmente visíveis nas funções executivas (capacidade de planejar, organizar e tomar decisões) e na velocidade de processamento das informações. Já a memória episódica apresentou resultados semelhantes entre os grupos. "As intervenções não farmacológicas são promissoras porque atacam diversos fatores de risco de forma simultânea. Estamos falando de medidas de baixo custo, seguras e acessíveis, que podem beneficiar milhões de pessoas", afirma a pesquisadora principal, Laura D. Baker, da Escola de Medicina da Wake Forest University.

No grupo estruturado, os participantes tiveram 38 encontros presenciais em equipe ao longo de dois anos, com acompanhamento de profissionais de saúde e metas de exercícios físicos — como 150 minutos semanais de atividade aeróbica e treino de resistência muscular. Também receberam incentivos para seguir a dieta Mind, que combina elementos do regime mediterrâneo e da Dash (um programa alimentar para saúde cardiovascular), priorizando vegetais, azeite, oleaginosas, grãos integrais e frutos vermelhos, como o mirtilo.

O programa incluiu sessões de treino cognitivo on-line, atividades sociais e monitoramento regular de indicadores cardiovasculares, como pressão arterial, colesterol e glicemia. Já no grupo autoguiado, os voluntários participaram de apenas seis encontros presenciais e receberam materiais educativos, sem acompanhamento sistemático.

Políticas públicas

Os pesquisadores afirmam que o estudo pode orientar políticas públicas voltadas para a prevenção do declínio cognitivo. Programas de saúde comunitários, academias públicas e centros de convivência para idosos poderiam adotar estratégias semelhantes, com foco em quatro pilares: atividade física regular, alimentação balanceada, estímulo mental e engajamento social.

"O potencial de melhorar a cognição com menos recursos e menor sobrecarga para os participantes é convincente", atesta Laura D. Baker. "Isso destaca que, embora nem todos tenham o mesmo acesso ou capacidade de aderir a intervenções comportamentais mais intensivas, mesmo mudanças modestas podem proteger o cérebro."

Atuando no tratamento de doenças neurodegenerativas, o neurocirurgião funcional e pesquisador da Universidade de Campinas (Unicamp) Marcelo Valadares destaca que, mesmo na terceira idade, é possível adiar a demência. Segundo o médico, um dos pilares da prevenção é manter-se ativo fisicamente, embora com limitações. Acompanhamento de quadros como perda auditiva, depressão e doenças cardiovasculares deve ser intensificado, ensina. "Ficar isolado, sem propósito ou sem conversa faz o cérebro envelhecer mais rápido."

Externos

O neurocirurgião destaca que fatores externos também podem contribuir para a demência. A exposição cumulativa à poluição atmosférica é um deles. Histórico de traumatismo craniano também influencia, pois cicatrizes neurológicas tendem a enfraquecer as defesas do cérebro ou desencadear processos degenerativos de forma silenciosa. 

Marcelo Valadares lembra que é importante se dedicar a atividades diversas. "A interação de diferentes estímulos é o que mais fortalece o cérebro", diz. O médico cita outro estudo, além do publicado no Jama, realizado com idosos em situações de risco de demência. Assim como a de agora, a pesquisa demonstrou que a combinação de alimentação saudável, exercícios, treino cognitivo e controle clínico reduziu em até 30% o declínio cognitivo em dois anos de acompanhamento.

Próxima fronteira

"À medida que a incidência da demência cresce em todo o mundo, o estudo US Pointer reforça uma mensagem vital para a saúde pública: o comportamento saudável tem um impacto poderoso na saúde do cérebro. Esta é uma oportunidade crucial para a saúde pública. A intervenção foi eficaz em um grupo amplo e representativo — independentemente de sexo, etnia, risco genético ou estado de saúde cardíaca — demonstrando sua aplicabilidade e escalabilidade. Os resultados positivos nos incentivam a considerar o potencial de uma combinação de um programa de estilo de vida e tratamento medicamentoso como a próxima fronteira em nossa luta contra o declínio cognitivo e, possivelmente, a demência."

Joanne Pike, doutora em Saúde Pública, presidente e CEO da Associação de Alzheimer

 

Poluentes afetam o cérebro

Uma análise de estudos com dados de quase 30 milhões de pessoas destacou o papel que a poluição do ar — incluindo a proveniente das emissões de escapamentos de automóveis — desempenha no aumento do risco de demência. Estima-se que o declínio cognitivo afete mais de 57,4 milhões de pessoas em todo o mundo, número que deverá quase triplicar para 152,8 milhões de casos até 2050. 

A poluição do ar foi recentemente identificada como um fator de risco para demência, com vários estudos apontando o dedo para uma série de poluentes. No entanto, a força das evidências e a capacidade de determinar um efeito causal têm sido variáveis. Em um artigo publicado na revista The Lancet Planetary Health, uma equipe liderada por pesquisadores da Unidade de Epidemiologia do Conselho de Pesquisa Médica (MRC) da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, realizou uma revisão sistemática e meta-análise da literatura científica existente para examinar essa ligação mais a fundo. 

Os pesquisadores encontraram uma associação positiva e estatisticamente significativa entre três tipos de poluentes atmosféricos e demência. Foram eles: matéria particulada com diâmetro de 2,5 mícrons ou menos (PM2,5); dióxido de nitrogênio (NO2) e fuligem. 

Emissões

As PM2,5 vêm de diversas fontes, incluindo emissões de veículos, usinas de energia, processos industriais, fogões e lareiras a lenha e poeira da construção civil. Elas também se formam na atmosfera devido a reações químicas complexas que envolvem outros poluentes, como dióxido de enxofre e óxidos de nitrogênio. Já o NO2 é um dos principais produtos resultantes da queima de combustíveis fósseis. É encontrado nos gases de escape de veículos, especialmente de diesel, e nas emissões industriais, bem como nas de fogões e aquecedores a gás. 

Por fim, a fuligem, que vem de fontes como emissões de escapamento de veículos e queima de madeira, pode reter calor e afetar o clima. Quando inalada, pode penetrar profundamente nos pulmões, agravando doenças respiratórias e aumentando o risco de problemas cardíacos. 

"As evidências epidemiológicas desempenham um papel crucial para nos permitir determinar se a poluição do ar aumenta ou não o risco de demência e em que medida", comentou, em nota, a autora senior, Haneen Khreis, da Unidade de Epidemiologia do MRC, afirmou. "Nosso trabalho fornece evidências adicionais para apoiar a observação de que a exposição prolongada à poluição do ar externo é um fator de risco para o desenvolvimento de demência em adultos previamente saudáveis."

 

 

 

Próxima fronteira

"À medida que a incidência da demência cresce em todo o mundo, o estudo US Pointer reforça uma mensagem vital para a saúde pública: o comportamento saudável tem um impacto poderoso na saúde do cérebro. Esta é uma oportunidade crucial para a saúde pública. A intervenção foi eficaz em um grupo amplo e representativo — independentemente de sexo, etnia, risco genético ou estado de saúde cardíaca — demonstrando sua aplicabilidade e escalabilidade. Os resultados positivos nos incentivam a considerar o potencial de uma combinação de um programa de estilo de vida e tratamento medicamentoso como a próxima fronteira em nossa luta contra o declínio cognitivo e, possivelmente, a demência."

Joanne Pike, doutora em Saúde Pública, presidente e CEO da Associação de Alzheimer

Poluentes de carros podem afetar o cérebro

Uma análise de estudos com dados de quase 30 milhões de pessoas destacou o papel que a poluição do ar — incluindo a proveniente das emissões de escapamentos de automóveis — desempenha no aumento do risco de demência. Estima-se que o declínio cognitivo afete mais de 57,4 milhões de pessoas em todo o mundo, número que deverá quase triplicar para 152,8 milhões de casos até 2050. 

A poluição do ar foi recentemente identificada como um fator de risco para demência, com vários estudos apontando o dedo para uma série de poluentes. No entanto, a força das evidências e a capacidade de determinar um efeito causal têm sido variáveis. Em um artigo publicado na revista The Lancet Planetary Health, uma equipe liderada por pesquisadores da Unidade de Epidemiologia do Conselho de Pesquisa Médica (MRC) da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, realizou uma revisão sistemática e meta-análise da literatura científica existente para examinar essa ligação mais a fundo. 

Os pesquisadores encontraram uma associação positiva e estatisticamente significativa entre três tipos de poluentes atmosféricos e demência. Foram eles: matéria particulada com diâmetro de 2,5 mícrons ou menos (PM2,5); dióxido de nitrogênio (NO2) e fuligem. 

Emissões

As PM2,5 vêm de diversas fontes, incluindo emissões de veículos, usinas de energia, processos industriais, fogões e lareiras a lenha e poeira da construção civil. Elas também se formam na atmosfera devido a reações químicas complexas que envolvem outros poluentes, como dióxido de enxofre e óxidos de nitrogênio. Já o NO2 é um dos principais produtos resultantes da queima de combustíveis fósseis. É encontrado nos gases de escape de veículos, especialmente de diesel, e nas emissões industriais, bem como nas de fogões e aquecedores a gás. 

Por fim, a fuligem, que vem de fontes como emissões de escapamento de veículos e queima de madeira, pode reter calor e afetar o clima. Quando inalada, pode penetrar profundamente nos pulmões, agravando doenças respiratórias e aumentando o risco de problemas cardíacos. 

"As evidências epidemiológicas desempenham um papel crucial para nos permitir determinar se a poluição do ar aumenta ou não o risco de demência e em que medida", comentou, em nota, a autora senior, Haneen Khreis, da Unidade de Epidemiologia do MRC, afirmou. "Nosso trabalho fornece evidências adicionais para apoiar a observação de que a exposição prolongada à poluição do ar externo é um fator de risco para o desenvolvimento de demência em adultos previamente saudáveis."

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postado em 29/07/2025 05:50
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