Isoladas por centenas e até milhares de quilômetros do Atlântico Sul, as ilhas oceânicas brasileiras estão entre as mais importantes do mundo em termos da presença de espécies únicas, exclusivas desses hábitats. A conclusão é de um estudo internacional, publicado na revista Peer Community Journal, que analisou mais de 7 mil espécies de peixes recifais em 87 ilhas e arquipélagos em todo o globo.
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Segundo o estudo, pequenas formações rochosas brasileiras, como Fernando de Noronha, Atol das Rocas, Trindade e Martim Vaz, além do remoto arquipélago de São Pedro e São Paulo, eram até agora subestimadas quanto ao endemismo — ou seja, a presença de espécies que só existem naqueles locais. Os autores do estudo, liderado por Hudson T. Pinheiro, do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (USP), destacam que a descoberta tem impactos diretos nas políticas de conservação desses verdadeiros cofres da biodiversidade marinha.
"Percebemos que as ilhas brasileiras possuem uma importância muito maior do que pensávamos. Elas quase não eram citadas quando se falava em endemismo, mas nossos dados e novas interpretações mostram que são verdadeiros laboratórios naturais da evolução das espécies", afirma Pinheiro, que, além de pesquisador da USP, é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN). A pesquisa, que teve apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, foi realizada em parceria com Luiz A. Rocha, da Academia de Ciências da Califórnia, e Juan Pablo Quimbayo, da Universidade de Miami.
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Museus
As ilhas oceânicas brasileiras funcionam como berços — gerando novas espécies —, e museus, pois preservam linhagens antigas que desapareceram em outros lugares. Os cientistas explicam que o isolamento geográfico, aliado a fatores oceanográficos singulares, cria condições para que organismos se diferenciem e mantenham populações estáveis, mesmo diante de grandes mudanças ambientais.
Trindade e São Pedro e São Paulo, por exemplo, revelam padrões de endemismo que impressionam os cientistas. Estudos mostram que parte significativa de seus peixes recifais não existe em nenhum outro local do planeta. Essas ilhas também têm espécies que se distribuem entre arquipélagos distantes, mas não alcançam o litoral continental. É o caso de peixes e corais que formam conexões invisíveis, revelando um caminho oceânico que une as ilhas brasileiras a ambientes tão distantes quanto o Caribe.
Um dos avanços do estudo é a proposta de uma nova maneira de medir o endemismo: o chamado endemismo provincial-ilha. A ideia é não se limitar às espécies daquele local, mas também reconhecer aquelas restritas a uma província biogeográfica — conjunto de ilhas que compartilham barreiras ecológicas comuns.
Proximidade
No caso brasileiro, isso significa que espécies presentes em mais de uma ilha oceânica, mas ausentes no continente, também devem ser consideradas endêmicas. "Algumas espécies endêmicas de Fernando de Noronha ocorrem também no Atol das Rocas ou na Ilha de São Pedro e São Paulo, e vice-versa. Mas são espécies que não colonizaram a região costeira. Portanto, como são ilhas que estão relativamente próximas, as espécies que ocorrem por lá são consideradas endêmicas pelo critério que propomos", explica Huson Pinheiro.
Apesar de sua riqueza, as ilhas oceânicas brasileiras estão longe de estar plenamente protegidas. A pesca, tanto comercial quanto recreativa, já provocou quedas populacionais significativas em espécies de recife em locais como Trindade e São Pedro e São Paulo. Além disso, o comércio internacional de aquário chegou a pressionar peixes ornamentais raros, como anjos-marinhos de colorações únicas. Embora algumas medidas de proteção tenham sido implementadas, a vulnerabilidade persiste.
Outro desafio é o impacto das mudanças climáticas. Espécies de distribuição restrita, como as endêmicas, estão mais suscetíveis a colapsos populacionais quando ocorrem eventos extremos. O desaparecimento de um peixe endêmico das Galápagos após o El Niño de 1982/83 serve de alerta para o Atlântico Sul. Nas ilhas brasileiras, os pesquisadores já observam sinais de gargalos populacionais e declínios de abundância em várias espécies.
Desequilíbrio
"Pequenas alterações em ilhas oceânicas podem causar grandes consequências para espécies que vivem somente ali", destaca Juan Pablo Quimbayo. "O desaparecimento de cada espécie pode gerar um efeito cascata, provocando desequilíbrio ecológico, especialmente em locais mais isolados, onde há um número reduzido de espécies em comparação à costa."
Os resultados do estudo podem ajudar a redefinir políticas de conservação marinha no Brasil, argumentam os cientistas. Considerando o critério de endemismo provincial-ilha, locais como Trindade, São Pedro e São Paulo e Fernando de Noronha emergem como áreas prioritárias para proteção.
Segundo os autores, nos últimos anos, o país criou grandes áreas marinhas protegidas que incluem essas ilhas. No entanto, especialistas alertam que muitas delas não contemplam efetivamente os recifes costeiros, onde vive a maioria dos peixes endêmicos. "Entender quanto da diversidade de uma ilha corresponde a espécies de distribuição restrita é o primeiro passo para definir sua vulnerabilidade e prioridade de conservação", enfatizam os autores.
