ESTUDO

Bactérias resistentes são encontradas em aves selvagens no Brasil

As duas aves colonizadas estavam no centro de reabilitação do Orquidário Municipal de Santos, no litoral paulista

Coruja-listrada (Strix hylophila) identificada no estudo como portadora de Escherichia coli multirresistente  -  (crédito: Tamires Aparecida Serra Lorenzi/Unesp, campus São Vicente)
Coruja-listrada (Strix hylophila) identificada no estudo como portadora de Escherichia coli multirresistente - (crédito: Tamires Aparecida Serra Lorenzi/Unesp, campus São Vicente)

Pesquisadores encontraram clones de bactérias resistentes a antibióticos em aves silvestres de um centro de reabilitação. Os clones de Escherichia coli identificados têm sido encontrados em infecções humanas comunitárias e hospitalares no mundo todo e estavam presentes no trato intestinal de um urubu e de uma coruja. Os impactos das cepas no organismo dos animais ainda não são conhecidos, mas em humanos elas produzem infecções em pacientes com sistema imune debilitado.

Escherichia coli é uma bactéria comum do trato intestinal de muitos animais, inclusive nos humanos. Ela passa a ser um problema quando entra na corrente sanguínea ou causa infecções do trato urinário ou dos rins, principalmente quando acomete pessoas com sistema imune comprometido e em ambiente hospitalar. Nessas pessoas, clones multirresistentes como esses frequentemente levam à morte”, explica Fábio Sellera, professor da Universidade Metropolitana de Santos (Unimes) e um dos coordenadores do estudo.

O trabalho chama a atenção para a necessidade de estabelecer protocolos para a manutenção de animais nesses centros de reabilitação e para a posterior soltura na natureza. “Essas instalações têm uma grande importância para mitigar os efeitos da ação humana sobre a fauna, mas em nenhum lugar do mundo existem procedimentos baseados em evidências científicas para monitorar, evitar e tratar a colonização por microrganismos resistentes a antibióticos dos animais resgatados e reintroduzidos”, alerta Fábio.

As aves

As duas aves colonizadas estavam no centro de reabilitação do Orquidário Municipal de Santos, no litoral paulista. “Por terem sido resgatados em área periurbana [transição entre área urbana e rural], esses animais estão mais expostos ao impacto humano, podendo ter contato com lixo, esgoto e poluição das cidades do entorno. Isso pode contribuir para a colonização por bactérias comumente encontradas em ambiente hospitalar humano”, aponta o pesquisador coordenador do estudo.

Os animais não tinham sinais clínicos de infecção, o que reforça a hipótese de que conviviam com o patógeno sem adoecer. O urubu teve a amostra colhida assim que foi admitido no centro, apontando que já chegou colonizado pelo clone resistente. Por ter múltiplas fraturas, o animal teve que ser eutanasiado 24 horas depois de chegar.

Já a coruja vive há dez anos no local, após sofrer uma colisão. Uma vez que tem sequelas neurológicas, o animal não pode voltar para a natureza. Na admissão, a ave foi tratada com antibiótico por suspeita de clamidiose. Pouco antes da coleta para o estudo, teve outro antimicrobiano administrado após uma cirurgia. Por isso, não se sabe se já chegou colonizada ou adquiriu a bactéria no local.

“Os centros de reabilitação oferecem uma oportunidade valiosa para o monitoramento da presença desses agentes em nossa fauna. É preciso uma mobilização global e maiores investimentos financeiros para ampliar a vigilância epidemiológica e estabelecer protocolos para esses centros, a fim de reduzir as chances de transmissão entre os animais ou dos humanos para eles”, avalia Fábio Sellera.

Nilton Lincopan, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e outro coordenador do estudo, destaca que "os microrganismos que vivem em animais presentes em centros de reabilitação são uma amostragem do que está circulando na natureza. Por isso, além do trabalho fundamental que prestam para a vida selvagem, esses locais podem ser importantes aliados no monitoramento de patógenos humanos”.

O estudo foi publicado na revista Veterinary Research Communications e pode ser acessado na íntegra neste link.

Com informações da Agência Fapesp*

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postado em 05/09/2025 09:16
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