MEIO AMBIENTE

Planeta à beira do abismo: metas do Acordo de Paris não serão atingidas, diz ONU

Às vésperas da COP30, relatório internacional alerta que nenhum indicador climático e de meio ambiente aproxima-se dos objetivos definidos há uma década, no Acordo de Paris. Principal meta não será atingida, afirma a ONU

Publicado a pouco menos de um mês da Conferência do Clima COP30, em Belém (PA), um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) revelou que nenhum dos 45 indicadores climáticos e de meio ambiente avaliados estão no caminho para atingir os objetivos definidos pelo Acordo de Paris, em dezembro de 2015. Reagindo ao documento Estado da Ação Climática 2025, António Guterres, secretário-geral da ONU, afirmou que "uma coisa já está clara: não conseguiremos conter o aquecimento global abaixo de 1,5°C nos próximos anos". Guterres participava do lançamento, na sede da Organização Meteorológica Mundial (OMM), em Genebra, na Suíça.

Para especialistas, limitar o aquecimento global a 1,5°C em comparação com a era pré-industrial é a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris, estabelecido há uma década. No entanto, muitos climatologistas concordam que esse marco provavelmente será ultrapassado antes de 2030, já que o planeta continua consumindo quantidades significativas de petróleo, gás e carvão. Juntos, esses são os principais emissores de gases de efeito estufa. 

Segundo o observatório europeu Copernicus, a temperatura média global já é 1,4°C mais alta do que na era pré-industrial. Na expectativa da COP30, que será realizada entre 10 e 21 de novembro, os cientistas enfatizam a importância de limitar o aquecimento o máximo possível, pois cada fração de grau implica riscos maiores, como ondas de calor mais extremas ou a destruição de ecossistemas marinhos.

Planos ousados

Alertando à OMM que as mudanças estão levando "nosso planeta à beira do abismo", Guterres instou os governos a apresentarem "planos nacionais de ação climática novos e ousados" antes do encontro internacional. "A ciência nos diz que é necessário ter muito mais ambição", declarou, apelando mais uma vez aos países participantes da COP30 para chegarem a um entendimento sobre "um plano confiável" para mobilizar US$ 1,3 trilhão (cerca de R$ 7 trilhões) por ano, em financiamento climático para países em desenvolvimento até 2035.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU ressaltou que as emissões precisam cair 60% até 2035, em comparação com os níveis de 2019, para haver uma boa chance de limitar o aquecimento a 1,5°C, ou ultrapassá-lo discretamente. A COP30 enfrentará o desafio de unir as nações para não afrouxar a ação contra as mudanças climáticas, apesar da retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris. 

Guterres fez um apelo para combater as fake news sobre o tema. "Em toda parte, devemos lutar contra a desinformação, o assédio on-line e o greenwashing", referindo-se a uma prática de marketing, pela qual empresas se dizem sustentáveis. "Sem ciência e dados climáticos claros, o mundo nunca teria compreendido a ameaça perigosa e existencial representada pelas mudanças climáticas", afirmou. "Os cientistas e investigadores nunca devem temer dizer a verdade", acrescentou. Ele também enfatizou que "as energias renováveis são uma fonte mais barata, rápida e sensata. Representam o único caminho crível para pôr fim à destruição incessante do nosso clima".

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Longe do previsto

Segundo o Estado da Ação Climática 2025, os esforços globais estão longe do caminho certo. O desmatamento não somente representa mais de 10% das emissões globais de gases do efeito estufa (GEE), como, junto a outras formas de mudança no uso da terra, também é uma das ameaças mais significativas à biodiversidade em todos os ecossistemas terrestres. 

Conforme o relatório, é igualmente preocupante a lentidão para eliminar a eletricidade gerada a partir do carvão, a maior fonte de emissões de GEE no setor energético. Declínios fracos nesse indicador também prejudicam a descarbonização do setor de construção, indústrias e transporte. Além disso, a ampliação do financiamento climático, especialmente com verbas vindas de fontes públicas, também permanece distante. 

Na direção contrária do Acordo de Paris, o progresso na descarbonização do aço estagnou na maioria dos países. Além disso, a parcela de gases emitidos por automóveis de passeio, muitos dos quais ainda dependem do motor de combustão interna, continua aumentando.

Regressão 

Marco Moraes, divulgador científico e autor do livro Planeta Hostil, alerta que os 45 indicadores não se aproximaram das metas e que, em alguns casos, até mesmo regrediram. Para ele, isso mostra que o mundo está muito aquém do Acordo de Paris. "As pessoas já estão aceitando 2°C ou 2,5°C até 2050 e esse aumento de temperatura vai tornar o planeta muito mais difícil para se viver. A gente tem que se adequar às mudanças, que não são mais evitáveis."

https://www.correiobraziliense.com.br/webstories/2025/04/7121170-canal-do-correio-braziliense-no-whatsapp.html

Segundo Moraes, os próximos 15 anos são extremamente relevantes para que a humanidade mude o rumo da crise. "Temos que fazer com que esses indicadores cheguem a uma velocidade suficiente para tentarmos evitar ao máximo o aquecimento, porque esquentar o planeta, em 2°C ou 2,5°C, significa que nós chegaremos a uma situação muito grave e irreversível."

Apesar das questões negativas, o financiamento privado para o clima aumentou tão acentuadamente que os esforços globais para mobilizar esses fundos passaram de "muito longe do caminho" no Relatório sobre o Estado da Ação Climática de 2023, para somente "fora do caminho", na nova publicação. Entre 2022 e 2023, essas verbas passaram de US$ 870 bilhões para US$ 1,3 trilhão (R$ 7 trilhões), por meio de doações de pessoas físicas, empresas e investidores institucionais, especialmente na China e na Europa Ocidental.  

 


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Duas perguntas para Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima

Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima

Como essa atualização impacta na COP30 e na postura brasileira diante da crise climática?

Esse relatório torna ainda mais inacreditável a licença para pesquisar petróleo na Foz do Amazonas dada pelo governo brasileiro. Ela é inconcebível em vários aspectos. Nessa questão climática, obviamente, porque vai totalmente na contramão dos avisos do que precisa ser feito, das ações que precisam ser adotadas. Além disso, ela também acontece num horário absurdamente errado. Não teria um momento certo, seria um erro em qualquer momento, e o governo conseguiu errar no pior momento possível, às vésperas de uma conferência climática. Espero que essa publicação acenda uma luz vermelha nessas salas de negociação. Esse é o início dos relatórios, nós vamos ter outros em sequência na véspera da conferência, são 10 anos do Acordo de Paris, então é um momento oportuno para essas pesquisas e para os países tomarem decisões e caminharem no rumo certo. 

O que a publicação traz

de mais relevante?

Para mim, o fato mais concreto e impressionante é que os últimos 10 anos foram os mais quentes já registrados. Desde que o Acordo de Paris foi assinado, nós estamos batendo um recorde atrás do outro de anos mais quentes na história da humanidade. A concentração de gases de efeito estufa na atmosfera também foi uma das maiores já registradas, conforme um relatório da semana passada. A concentração de gases e o aumento de um ano para o outro de 2023 para 2024 atingiu níveis nunca vistos. Estamos assistindo aos extremos climáticos acontecerem, nos relatórios e também na vida real. Infelizmente, colecionamos algumas derrotas importantes nessa agenda que é, por exemplo, a eleição do Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Ele é um desastre climático na área política, que prejudica ainda mais um cenário que não é fácil de tentar alcançar. (IA)

O que o mundo deve fazer para entrar no caminho certo, segundo o Estado da Ação Climática 2025

O relatório indica os caminhos para que o Acordo de Paris, assinado há uma década, não seja inviabilizado.

»*  Eliminar o carvão mais de dez vezes mais rápido — o equivalente a desativar quase 360 usinas termelétricas de tamanho médio a cada ano e interromper todos os projetos em andamento.

» Reduzir o desmatamento nove vezes mais rápido. Os níveis atuais são muito altos — o equivalente a perder permanentemente quase 22 campos de futebol de floresta a cada minuto em 2024.

»Expandir as redes de transporte rápido cinco vezes mais rápido — o equivalente a construir pelo menos 1.400 km de faixas de trem leve, metrô e ônibus anualmente.

» Diminuir a ingestão de carne bovina, ovina e caprina em regiões de alto consumo cinco vezes mais rápido — o equivalente a diminuir a ingesta em duas ou menos porções por semana na América do Norte e do Sul, na Austrália e

na Nova Zelândia.

» Escala tecnológica de remoção de dióxido de carbono mais de dez vezes mais rápida — o equivalente à construção de nove das maiores instalações de captura direta de ar atualmente em construção a cada mês.

» Aumentar o financiamento climático em quase US$ 1 trilhão anualmente — o equivalente a cerca de dois terços do financiamento

público de combustíveis

fósseis em 2023.

Fonte: Organização

Meteorológica Mundial (OMM)