Comer bem desde cedo ajuda no crescimento equilibrado — e, para as mulheres, isso ganha contornos ainda mais relevantes. Novos estudos apontam que uma dieta saudável na infância está associada não somente a uma puberdade mais tardia para as meninas, mas também a uma vida adulta mais longa e com menos risco de doenças crônicas. Além disso, outras análises evidenciam que menstruar antes dos 11 anos pode influenciar na saúde cardiometabólica feminina.
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Uma pesquisa conduzida pelo Fred Hutchinson Cancer Center, nos Estados Unidos, acompanhou cerca de 7.500 meninas entre 9 e 14 anos para verificar como a alimentação poderia interferir na menstruação. Os resultados revelaram que aquelas que seguiam uma dieta rica em frutas, vegetais, grãos integrais, leguminosas e gorduras saudáveis tiveram a menarca mais tarde do que as que consumiam comidas ultraprocessadas, carnes vermelhas e bebidas açucaradas.
O estudo, que faz parte do programa Growing Up Today Study (GUTS), mostrou que o efeito relatado não estava relacionado ao índice de massa corporal (IMC) nem à altura das participantes, sugerindo que a qualidade dos alimentos tem impacto real no desenvolvimento puberal. Para os cientistas, as descobertas, publicadas nas revistas Human Reproduction e eLife, reforçam o papel da nutrição e do momento reprodutivo na determinação da saúde ao longo da vida.
Segundo Holly Harris, autora principal do trabalho, os resultados destacam a importância de garantir às crianças e aos adolescentes o acesso a refeições equilibradas e baseadas em evidências científicas, especialmente nas escolas. "Uma dieta saudável não somente favorece o desenvolvimento adequado como pode ter repercussões duradouras na prevenção de doenças crônicas na vida adulta", afirmou.
Cláudia Lúcia Barbosa Salomão, ginecologista e membro da Federação Brasileira das Associações em Ginecologia e Obstetrícia, frisou a existência de algumas doenças vinculadas à menarca precoce, como o câncer de mama. "Vemos menores índices desse tumor em indivíduos que se alimentam melhor, com uma dieta rica em fibras, em grãos, e não inflamatória. Isso já foi comprovado em trabalhos anteriores."
Riscos maiores
Os dados revelaram que meninas com as dietas mais saudáveis tinham 8% menos probabilidade de menstruar precocemente, enquanto aquelas com padrões alimentares mais inflamatórios apresentaram risco 15% maior. A menarca antes do período normal, segundo Harris, é um marcador importante, pois está ligada a maior risco futuro de diabetes, obesidade e doenças cardiovasculares, além do câncer de mama.
Essas conclusões dialogam com um estudo publicado na revista eLife por pesquisadores do Buck Institute for Research on Aging, nos Estados Unidos. Ao analisar dados genéticos de quase 200 mil mulheres, a equipe liderada pelo professor Pankaj Kapahi identificou que meninas que entram na puberdade antes dos 11 anos ou mulheres que têm filhos antes dos 21 apresentam o dobro de risco de desenvolver diabetes tipo 2, obesidade e insuficiência cardíaca, além de quatro vezes mais chances de sofrer distúrbios metabólicos graves.
A pesquisa também evidenciou que a puberdade e o parto tardios estão associados a uma expectativa de vida mais longa, envelhecimento mais lento e menor propensão a doenças como Alzheimer. Os cientistas identificaram 126 marcadores genéticos envolvidos nesses processos, muitos — como IGF-1, AMPK e mTOR — relacionados às vias de longevidade conhecidas e que regulam o metabolismo.
Para Kapahi, os resultados trazem implicações diretas para a saúde pública. "A idade da menarca e o histórico reprodutivo são dados rotineiramente coletados, mas raramente considerados fora da ginecologia. Nosso estudo mostra que eles têm peso significativo na saúde geral e deveriam orientar estratégias preventivas e personalizadas", afirmou. Ele acrescenta que o IMC parece atuar como mediador crítico, e eventos reprodutivos precoces tendem a elevar o peso corporal, o que, por sua vez, aumenta o risco de doenças metabólicas.
Cada vez mais cedo
Conforme Cristiane Kochi, endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo, o início puberal antes do tempo tem sido mais frequente nas últimas décadas. "Em meninas, está muito associado ao ganho de peso excessivo. Portanto, estimular hábitos de vida saudáveis desde cedo na infância é muito importante."
Kochi destacou que alguns casos de menarca precoce têm origem em alterações nos genes MKRN3, DLK1, entre outros. "Mudanças no DLK1 estão associadas à puberdade prematura ligada à obesidade, portanto, maior risco cardiovascular. Além disso, há influência das modificações epigenéticas — quando o ambiente modula a expressão de genes."
A teoria da "pleiotropia antagônica", citada por Kapahi no trabalho, sugere que características genéticas que favorecem a reprodução precoce podem ter custos metabólicos e de longevidade na vida adulta. Assim, o mesmo impulso evolutivo que garante a sobrevivência da espécie pode acelerar o envelhecimento individual.
Harris ressaltou que, embora os resultados ainda precisem de confirmação, as evidências apontam para um benefício imediato de hábitos alimentares saudáveis. "Sabemos que dietas equilibradas reduzem o risco de doenças crônicas, mas agora vemos que também podem influenciar positivamente o desenvolvimento reprodutivo."
