
Uma declaração assinada por mais de 30 pesquisadores brasileiros e estrangeiros reforça que camarões e outros crustáceos devem ser reconhecidos como seres sencientes — ou seja, capazes de sentir dor, medo, desconforto e experimentar emoções básicas. O texto, elaborado por especialistas em bem-estar animal, veterinária e biologia, destaca que a ciência já reúne evidências suficientes para embasar mudanças em políticas públicas, práticas de manejo e regulamentações envolvendo esses animais.
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A iniciativa surge em um momento crítico: segundo estimativas citadas na declaração, cerca de 440 bilhões de camarões são produzidos anualmente em fazendas ao redor do mundo — número que supera em mais de cinco vezes a produção total de todos os animais terrestres criados pela humanidade. Ao incluir também a pesca, o volume de abates pode chegar a 76 trilhões de animais por ano.
O documento ressalta que, embora o debate público ainda associe a senciência principalmente a vertebrados, há um corpo crescente de estudos que demonstram habilidades cognitivas e respostas fisiológicas complexas entre crustáceos. Pesquisas citadas pelos autores mostram que esses animais:
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reagem a estímulos nocivos, como calor excessivo e choques elétricos;
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apresentam comportamentos associados à dor, incluindo esfregar a área afetada e evitar situações em que já sofreram;
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alteram o comportamento de forma duradoura após estímulos dolorosos;
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possuem receptores especializados e vias neurais compatíveis com nocicepção;
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exibem capacidades cognitivas sofisticadas, como discriminação de objetos e cores, reconhecimento social, aprendizado complexo, memória e até possíveis “personalidades”.
Outro ponto destacado é que essas reações podem ser reduzidas com anestesia, reforçando a interpretação de que se trata de dor, e não apenas reflexo automático.
Para os especialistas, reconhecer a senciência dos crustáceos é fundamental para promover melhores práticas de manejo, transporte e abate, que reduzam o sofrimento dos animais. A declaração lembra que, apesar da importância econômica e alimentar dos camarões, ainda há poucos protocolos específicos de bem-estar voltados para eles.
Ética
“Uma vez que crustáceos forem reconhecidos como animais sencientes, nós passamos a ter uma obrigação ética, uma obrigação moral de proteger o bem-estar desses animais”, disse, em entrevista ao Correio, Caroline Maia, bióloga com pós-doutorado em aquicultura e especialista em peixes na Alianima, organização de proteção animal sem fins lucrativos. “Primeiro, temos de cuidar da qualidade da água onde esses animais são produzidos. Segundo, da alimentação, além da densidade, da lotação desses indivíduos nos sistemas de produção”, destaca.
Internacionalmente, instituições como a RSPCA, a British Veterinary Association e a UFAW já ampliam suas diretrizes para incluir invertebrados aquáticos. No entanto, órgãos globais como a Organização Mundial da Saúde Animal (OMSA) ainda não oferecem recomendações detalhadas sobre o tema, limitando-se a diretrizes gerais para animais aquáticos.
A bióloga Caroline Maia destaca a importância de diretrizes claras e humanitárias de abate. “Se o animal é senciente, temos de desenvolver protocolos de abate mais humanitários. Com base na literatura, um protocolo indicado é a insensibilização elétrica, para que o crustáceo fique inconsciente em poucos segundos antes do abate.”
O documento é encerrado com uma citação clássica do filósofo Jeremy Bentham, referência no debate sobre direitos animais: “A questão não é ‘eles podem raciocinar?’ nem ‘eles podem falar?’, mas sim, ‘eles podem sofrer?’”.

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