A saúde da boca pode desempenhar um papel decisivo no desenvolvimento da doença de Alzheimer. É o que revela uma ampla revisão científica publicada recentemente na revista Microorganisms, que identifica a disbiose da microbiota oral e a periodontite como fatores de risco modificáveis capazes de contribuir ativamente para a progressão da neurodegeneração. A pesquisa incluiu a participação do cientista brasileiro Gabriel César Dias Lopes, do departamento de neurociência e saúde mental da Logos University International, nos Estados Unidos.
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O estudo reúne evidências moleculares, experimentais e epidemiológicas para sustentar a existência de um "eixo boca-cérebro". Segundo os autores, a cavidade oral não deve ser vista somente como um local isolado de infecções, mas como um importante regulador de processos inflamatórios que podem afetar o sistema nervoso central.
Historicamente, a pesquisa sobre Alzheimer se concentra no estudo do acúmulo de proteínas no cérebro. No entanto, o novo trabalho reforça que a inflamação periférica crônica também exerce um papel central na doença. Nesse contexto, a saúde bucal surge como um elemento-chave dentro do eixo oral-intestino-cérebro.
Conforme a neurologista do Hospital Anchieta Josiane Duarte, a doença de Alzheimer é causada por uma sequência de eventos fisiopatológicos complexos e multifatoriais. "Nesse cenário, a inflamação e a disfunção do sistema imunológico têm um papel fundamental. Dessa forma, a saúde bucal precária contribui para o aceleramento desse processo, gerando incapacidade e comprometimento da qualidade de vida dos pacientes."
De acordo com a revisão, o desequilíbrio da microbiota oral, comum em casos de periodontite grave — infecção das gengivas e tecidos de suporte dos dentes —, favorece a proliferação de bactérias patogênicas, com destaque para a Porphyromonas gingivalis. Esse microrganismo é capaz de liberar lipopolissacarídeos e enzimas proteolíticas conhecidas como gingipaínas, que prejudicam a saúde, além de atravessarem a barreira hematoencefálica.
Os pesquisadores afirmam que esses mecanismos sustentam uma relação causal — e não somente associativa — entre a periodontite e o Alzheimer. A inflamação iniciada na cavidade oral pode se tornar sistêmica, alcançando o cérebro e desencadeando ativação microglial, estresse oxidativo e disfunção mitocondrial, processos diretamente ligados à neurodegeneração.
Impactos clínicos
Conforme a revisão, estudos epidemiológicos já indicam que a perda dentária e a doença periodontal aumentam de forma significativa o risco de Alzheimer. A partir dessas evidências, os autores defendem que os cuidados com a saúde bucal são uma oportunidade concreta de prevenção e mitigação da doença.
Entre as estratégias sugeridas pelos pesquisadores, estão o desenvolvimento de biomarcadores precoces, a partir da saliva e do fluido gengival, que podem permitir diagnósticos menos invasivos. Além disso, alterações em proteínas antimicrobianas e no perfil microbiano já foram identificadas em pacientes com Alzheimer.
No campo terapêutico, ganham destaque abordagens voltadas à modulação da microbiota. Entre elas estão intervenções como uso de enxaguatórios antimicrobianos, inibidores de gingipaínas e vacinas contra a P. gingivalis. Também são citadas alternativas intestinais, incluindo o uso de probióticos, que têm mostrado melhorias modestas na cognição e na inflamação, além da adesão a dietas comumente associadas à redução do risco de demência. O transplante de microbiota fecal, ainda em fase inicial de pesquisa, também apresentou resultados promissores em modelos experimentais e relatos clínicos preliminares, segundo os cientistas.
Cuidado especializado
Segundo o cirurgião dentista e bucomaxilofacial do Hospital Mater Dei Goiânia Leonardo Andrade, pacientes com demência precisam de atenção extra com a higiene oral. "À medida que o Alzheimer avança, tarefas básicas como escovar os dentes ficam mais difíceis. Sem ajuda, essas pessoas ficam mais vulneráveis a infecções e inflamações bucais. Por isso, o acompanhamento de cuidadores e visitas regulares ao dentista são fundamentais para preservar a saúde e a qualidade de vida."
Para a cirurgiã-dentista e professora da Faculdade São Leopoldo Mandic, em Brasília, Bruna Conde, a área da odontologia está vivendo uma mudança de paradigma. "Não somos mais somente 'dentistas', somos profissionais preventivos e educadores da saúde. A conexão boca-cérebro nos coloca em uma posição única de prevenção primária de doenças neurodegenerativas. Acredito que em breve veremos protocolos onde o acompanhamento periodontal será parte integral da prevenção do Alzheimer, assim como o controle da pressão arterial e colesterol."
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