PREVENÇÃO

Couve-flor, uma aliada inesperada na prevenção do câncer de mama

Consumo regular de vegetais crucíferos (que vão de brócolis a repolho) pode diminuir risco da doença, especialmente aqueles com maior probabilidade de serem tumores agressivos, constata pesquisa com 170 mil mulheres

O consumo regular de brócolis, repolho e couve-flor pode ajudar a prevenir o câncer de mama, segundo uma pesquisa da Universidade de Harvard apresentada no Simpósio de Câncer de Mama de San Antonio (SABCS), nos Estados Unidos. Ao avaliar dois grandes estudos populacionais que, juntos, trazem dados de quase 170 mil mulheres, os autores descobriram que a ingestão de pelo menos seis porções semanais de vegetais crucíferos (veja quadro) está associada a um risco 8% menor desse tipo de tumor em geral e 13% de uma forma mais agressiva da doença, o HER-negativo.

Embora, isoladamente, nenhuma estratégia nutricional seja responsável por evitar uma doença multifatorial como o câncer, os pesquisadores, liderados por Andrea Romanos-Nanclares, acreditam que o resultado do estudo aponta para mais uma abordagem preventiva, de simples adesão. "A ingestão de glucosinolatos na dieta foi associada a um risco moderadamente menor de câncer de mama, corroborando a ideia de que uma maior ingestão de vegetais crucíferos pode reduzir o risco de câncer de mama, especialmente aqueles com maior probabilidade de serem tumores agressivos", disse. 

Os vegetais crucíferos, que levam esse nome devido às pétalas em formato de cruz, pertencem à família Brassicaceae. Estudos anteriores sugeriram que o alto consumo desses alimentos está associado a menores riscos de câncer de bexiga, colorretal, endométrio, estômago, rim, pulmão, ovário, pâncreas e próstata. 

Mecanismos

"Agora, nossas descobertas contribuem para a crescente literatura que sugere um efeito protetor de um fator potencialmente modificável, a ingestão de vegetais crucíferos, sobre o risco de câncer de mama", destaca Romanos-Nanclares. Ela ressalta, porém, que é preciso investigar os mecanismos biológicos para a entender a relação entre a exposição a metabólitos de glucosinolatos e o risco de câncer de mama.

O médico nutrólogo Sandro Ferraz, de São Paulo, explica que os glucosinolatos são compostos que, quando quebrados na mastigação, dão origem a substâncias que protegem as células. Em estudos laboratoriais, algumas delas, como os isotiocianatos, inibiram o crescimento do câncer de mama. "Os vegetais crucíferos não são remédios, nem escudo absoluto contra o câncer", alerta Ferraz. "Mas fazem parte de uma alimentação inteligente, baseada em ciência, que cuida do corpo hoje e reduz riscos amanhã."

Gilberto Amorim, médico especializado em câncer de mama da Oncologia D'Or, destaca que os compostos dos vegetais crucíferos melhoram a quantidade de bactérias benéficas no organismo. "Isso evidencia como o microbioma pode ter um impacto positivo na saúde, ajudando a regularizar e melhorar nossa imunidade, regular hormônios, e aumentar nossa proteção contra o câncer", diz.

O oncologista afirma que, embora os mecanismos protetores não tenham sido completamente esclarecidos, não há dúvidas de que o estímulo à alimentação saudável, incluindo a ingestão de vegetais crucíferos, deve fazer parte de estratégias de saúde pública. "É inegável que a dieta com esses vegetais têm benefícios, além de uma possível redução do risco de câncer de mama", diz. "Certamente, o maior consumo das fibras melhora a saúde intestinal e, naturalmente, quando a gente aumenta a quantidade de vegetais crucíferos na dieta, está deixando de comer alimentos de baixa qualidade, com gordura saturada e produtos industrializados", explica. 

Para melhor se beneficiar dos compostos dos vegetais crucíferos, Sandro Ferraz recomenda consumi-los crus ou levemente cozidos no vapor. Já o cozimento prolongado em água pode reduzir significativamente os glucosinolatos, enquanto o refogamento rápido pode ser uma alternativa prática, "desde que não haja excesso de óleo nem tempo prolongado de calor", ensina o médico. 

Obesidade

Outro ponto destacado no estudo da Universidade de Harvard reforça que a obesidade crônica é um importante fator de risco para o câncer de mama. Na amostra analisada, mulheres com sobrepeso e obesidade eram mais propensas a serem diagnosticadas com os tumores HER-negativos, comparado àquelas com índice de massa corporal (IMC) igual ou inferior a 25. 

"A obesidade gera inflamação, aumenta insulina e desregula as rotas hormonais, que são fatores de risco para cânceres, incluindo o de mama", afirma a oncologista Gabrielle Scattolin, membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), que esteve no Simpósio de Câncer de Mama de San Antonio. "Essa questão da obesidade como fator de risco para câncer de mama já é bem reconhecida, especialmente após a menopausa. Mas também há uma associação entre o excesso de peso na adolescência e o risco da doença, assim como uma relação com a maior chance de recidiva", reforça Gilberto Amorim, da Oncologia D'Or. 

Para Gabrielle Scattolin, as evidências apresentadas no estudo norte-americano reforçam que manter uma dieta saudável é um fator de prevenção de doenças. "Por ser uma intervenção simples, sem associação com efeitos colaterais importantes e facilmente acessível para a população, penso que vale a pena indicarmos à população o consumo de alimentos crucíferos como estratégia de prevenção."

 

Mais Lidas

Quatro perguntas para

Carla de Castro, nutricionista da Clínica Salva — Nutrição e Saúde Mental

O estudo associa maior consumo de vegetais crucíferos a menor risco de câncer de mama. Qual a quantidade e a frequência ideal do consumo desses alimentos?

Não existe uma quantidade “medicamentosa” de vegetais crucíferos capaz de prevenir o câncer de mama de forma isolada. O que a ciência mostra de maneira consistente é que o consumo regular desses alimentos faz parte de um padrão alimentar associado à redução do risco de doenças crônicas. Em uma dieta equilibrada, recomenda-se o consumo diário de vegetais, cerca de três a cinco porções ao dia, com variedade de cores e tipos, e a inclusão de vegetais crucíferos, como brócolis, couve, repolho e couve-flor, pelo menos três a quatro vezes por semana.

O modo de preparo — cru, cozido ou refogado — interfere na absorção e no efeito dos glucosinolatos?

Os glucosinolatos, presentes nesses vegetais, são compostos bioativos que, no organismo, participam de processos de detoxificação celular e modulação inflamatória. O modo de preparo influencia parcialmente esses compostos, já que o calor excessivo pode reduzir sua disponibilidade. Por isso, o consumo cru ou levemente cozido no vapor tende a preservar melhor esses nutrientes. Ainda assim, preparações simples, como refogados rápidos ou cozimentos curtos, continuam sendo válidas, e o fator mais importante permanece a frequência e a regularidade do consumo ao longo do tempo, dentro de uma alimentação variada.

Como o estado nutricional e o excesso de peso podem influenciar os possíveis efeitos protetores da dieta?

O estado nutricional também exerce influência relevante. O excesso de peso está associado a inflamação crônica de baixo grau, alterações hormonais e maior produção de estrogênio pelo tecido adiposo, fatores que aumentam o risco de câncer de mama e podem atenuar os possíveis efeitos protetores da alimentação. Em pessoas com índice de massa corporal (IMC) mais adequado, o organismo tende a responder melhor aos compostos bioativos presentes nos alimentos, reforçando que a dieta não atua de forma isolada, mas integrada ao metabolismo, ao nível de atividade física e a outros hábitos de vida.

A alimentação é uma estratégia preventiva do câncer de mama?

Para a população em geral, é importante ter cautela ao falar em prevenção. A alimentação pode ser considerada um fator de proteção, mas não uma garantia. O câncer é uma condição multifatorial, influenciada por genética, ambiente, estilo de vida e fatores hormonais. Assim, a mensagem mais responsável é reforçar padrões alimentares saudáveis de forma ampla, com base em alimentos in natura, manutenção do peso adequado, prática regular de atividade física, redução do consumo de álcool e acompanhamento médico. A nutrição, nesse contexto, atua como uma aliada importante na promoção da saúde e na redução de riscos, sem promessas simplistas ou soluções únicas. (PO)

Grandes aliados

Vegetais crucíferos pertencem à família Brassicaceae e incluem alimentos amplamente consumidos no Brasil, como: 

  • Brócolis

  • Couve (manteiga, kale)

  • Couve-flor

  • Repolho

  • Rabanete (foto)
  • Couve-de-bruxelas

  • Rúcula

  • Agrião

  • Mostarda

Os glucosinolatos são os principais compostos bioativos. No preparo e na digestão, se transformam em iotiocianatos e indóis, conhecidos pelo potencial anticancerígeno. 


Benefícios:

  • Potencial redução do risco de câncer: estudos observacionais associam maior consumo de vegetais crucíferos a menor risco de alguns tipos de câncer, incluindo mama, colorretal, pulmão e próstata. Os efeitos parecem variar conforme o tipo de tumor e o perfil hormonal.

  • Ação antioxidante e anti-inflamatória: compostos derivados dos glucosinolatos participam de vias celulares ligadas à defesa antioxidante e à modulação da inflamação.

  • Ativação de enzimas de desintoxicação: isotiocianatos estimulam enzimas hepáticas envolvidas na eliminação de substâncias potencialmente carcinogênicas.

  • Saúde cardiovascular: por serem ricos em fibras, potássio e compostos bioativos, contribuem para padrões alimentares associados à redução do risco cardiovascular.

  • Saúde intestinal: o teor de fibras auxilia o funcionamento do intestino e a manutenção da microbiota intestinal.

Fontes: Wu QJ et al. Cruciferous vegetable consumption and breast cancer risk: a meta-analysis. Breast Cancer Research and Treatment, 2013; Liu X et al. Cruciferous vegetables, isothiocyanates and cancer risk. Molecular Nutrition & Food Research, 2021; Nurses’ Health Study / Nurses’ Health Study II – análises dietéticas publicadas e apresentadas no San Antonio Breast Cancer Symposium.